(review in English below)
Embora assinado
por mim, o presente texto resulta da opinião consensual de 3 dos fanáticos que
escrevem para este blogue.
Os Mestres Cantores de Nuremberga, opera cómica de Wagner, foi levada à cena na Royal
Opera House de Londres numa nova produção de Kasper Holten, na sua despedida de director da opera em Covent
Garden. A Royal Opera abriu os cordões à bolsa para custear uma produção extravagante,
cheia de adereços mas sem grande interesse ou sentido, não relatando o que
consta do libreto. Em época de restrições, a verba despendida teria sido mais
bem empregue na encenação menos espalhafatosa de
2 ou 3 outras óperas (como, por exemplo, a da Madama Butterfly que está também
em cena na ROH).
O 1º acto decorre
num clube de cavalheiros e não na igreja. A cena
em vez de abrir com um coral de final de missa, abre com uma situação de
aparente ensaio de um coro, em que um maestro de direcção muito viva aproveita
os momentos orquestrais para se virar para Hans Sachs que ouve o coral e o
segue com partituras e, em surdina, quer saber a sua opinião sobre como está a interpretação. O cenário é de bom gosto, madeirado, e tudo, embora
diferente, começa a parecer interessante. Walther aparece vestido como um
motard, de cabelos sebosos e penteados para trás, nada condicente com a sua
posição aristocrática. A acção evolui para a altura em que David explica as
melodias e poemas que fazem parte das normas dos Mestres. David e os aprendizes
são criados do clube. Durante esta passagem, esses criados o que fazem é montar
mesas circulares para um jantar que no fundo vai ser o jantar de trabalho dos
Mestres e onde Pogner vai anunciar o prémio do concurso de canto do dia
seguinte - Eva, a sua filha e, com ela, a sua herança. Eva senta-se num
pedestal em forma de taça, expondo-se como o troféu do concurso.
Pogner entra com Sixtus, os outros a seguir, vestidos formalmente e com
aventais maçónicos, acompanhados pelas esposas que se despedem e saem porque
aquela reunião é só para homens. Até ao final do acto, os pormenores de
encenação são múltiplos e atrevo-me a dizer que cada Mestre tem uma história
paralela à acção principal - um engasga-se a certa altura e os outros ajudam,
um apalpa o rabo a uma das criadas, enfim... Na prova de canto de Walther temos
o Sixtus a marcar os erros em ardósia, como é clássico.
A partir do 2º acto entramos na incoerência e loucura totais. Começa ainda
na sala do clube mas com Sachs sentado e Pogner com uma mão na cabeça,
simbolizando o seu receio e preocupação sobre se a sua decisão sobre o prémio é
a mais correcta. o que depois surge normalmente na voz e canto. Toda a acção
volta a ser nessa sala do clube e há a sugestão da casa original de Sachs ser
do lado esquerdo do palco e a de Pogner do lado direito (mas não passa de uma
leve sugestão). David traz um sapato, um molde e um martelo e lá vem o Sixtus
que, em vez de tocar alaúde, toca como que num pequeno teclado tipo
cravo (mas que não soa a cravo!). Há a mudança da Eva por Madalena para a
serenata enganada do Sixtus, Eva e Walther que planeiam fugir, estão no palco
na escadaria da sala que entretanto se fecha ligeiramente no centro.
Toda a
cena de Sachs a martelar os erros de Sixtus, embora muito bem interpretada,
começa a parecer ridícula na encenação. Holten põe os Mestres como pertencentes
a um clube moderno (pelo menos do séc. XX e não de época medieval) e depois
mantém um Sachs que, vestido modernamente, é um mero sapateiro... A rua não se
vislumbra nesta encenação e o barulho que acordaria os habitantes da cidade que
nela se reuniriam aqui é substituído por uma cena ridícula e extravagante (que
deve ser a imaginação dos Mestres) em que aparecem seres com cabeças de animais
e alguns com grandes pénis em erecção, até simulando relações sexuais. O guarda
nocturno que termina com a confusão tem patas de cavalo e penas no tronco. Enfim, um total disparate!
O palco vai rodando e o que seria a casa de Sachs começa a ver-se – parece
um grande armazém com andaimes, cabos e luzes. Holten quer contrastar o quê
aqui? Faz uma encenação no 1 o acto de bom gosto e a casa de Sachs é esta
porcaria porquê?
(Fotografia / Photo: Clive Barda)
O 3o acto ainda é pior. Quando a acção se volta para a altura do festival,
este é feito na mesma estrutura do clube do 1º acto, agora com uma espécie de
anfiteatro em madeira onde se sentam várias pessoas em trajes formais. Na porta
temos uma faixa a dizer Festa do dia de São João. Antes da entrada dos Mestres,
os elementos operários da cidade vão entrando em trajes de festa, como é esperado
nesta ópera, mas parecem transportados da idade média e não para aquele tempo
em que Holten a colocou. As danças são foleiras apesar de Holten pôr as pessoas
que assistem a bater palmas (o que perturba muito a audição musical), e a
entrada dos Mestres também não é excelente... Um conjunto de 6 trompetes a meio
do anfiteatro quase ensurdece quem lá está sentado e impede a audição da
orquestra. Só se salva o facto de Sachs aparecer no meio do povo e não pela
porta de onde entram os outros (percebe-se a clássica associação de Sachs como
o mestre mais "próximo do povo", mais sábio, mais experiente de
vida).
(Fotografia / Photo: Clive Barda)
Enfim, uma encenação que faz justiça à expressão “Eurotrash”!
Mas se o que se viu foi para esquecer, o oposto aconteceu com o que se
ouviu.
António Pappano dirigiu a Orquestra com
grande nível, fazendo as nuances todas que se espera nas partes dramáticas e
cómicas mas, ocasionalmente, foi um pouco rápido, perdendo a solenidade desses
momentos.
Em relação aos cantores as interpretações foram muito homogéneas e de
altíssima qualidade.
O tenor galês Gwyn Hughes Jones
interpretou o Walter von Stolzing de forma superlativa. A voz tem um timbre
belíssimo, sempre bem colocada e audível sobre a orquestra. Em cena foi também
muito convincente. Fantástico.
A soprano norte americana Rachel
Willis-Sorensen foi uma Eva expressiva e bem audível, apesar de aqui e ali
roçar a estridência.
A Magdalene da polaca Hanna Hipp
foi também notável cénica e vocalmente.
Outro excelente intérprete foi o tenor britânico Allan Clayton como David. A voz é bem timbrada, ágil e sempre
audível de forma muito agradável. Um cantor a seguir.
O barítono alemão Johannes Martin
Kränzle fez um Sixtus Beckmesser excepcional na interpretação vocal e cénica. Foi sublime no último acto.
Fritz Kothner foi soberbamente interpretado pelo barítono austríaco Sebastian Holecek. Possuidor de uma
poderosíssima voz grave de belíssimo timbre foi, para mim, o melhor intérprete
da noite.
O baixo dinamarquês Stephen Milling
fez um Veit Pogner convincente.
Deixo para o fim o sapateiro Hans Sachs que foi interpretado pelo baixo
barítono galês Bryn Terfel, o nome
mais sonante do elenco. Esteve muito bem no primeiro acto, menos bem no 2º onde
demonstrou algumas pequenas falhas, bem disfarçadas pela sua experiência e,
também na primeira parte do 3º acto algo parecia não estar bem. E assim aconteceu,
foi substituído na segunda parte do 3º acto pelo barítono britânico James Rutherford que foi uma lufada de ar fresco, interpretando o
papel ao mais alto nível.
Foi pena que a excelência vocal e interpretativa de todos não tenha
conseguido fazer esquecer este falhanço conceptual da encenação.
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DIE
MEISTERSINGER VON NÜRNBERG, Royal Opera House, London, March 2017
Although
signed by me, this text results from the consensus opinion of 3 of the fanatics
who write for this blog.
Die Mastersinger von Nürnberg, Wagner's comic opera, could be seen at the Royal Opera House in London in a new production of Kasper Holten in his farewell as director
of the opera in Covent Garden. The Royal Opera opened the purse strings to pay
for an extravagant production, full of props but without much interest or
meaning, well away of what is in the libretto. In time of restrictions, the
money spent would have been better spent on the more sober staging of 2 or 3
other operas (such as the staging of Madama Butterfly, which is also on stage
at ROH).
The first
act takes place in a gentleman's club and not in the church. The scene instead
of opening with a late Mass choir, opens with an apparent rehearsal of a choir,
in which a very vivid conductor takes advantage of the orchestral moments to
turn to Hans Sachs who hears the choir and follows the scores. He ultimately wants
to know his opinion on the choir and how is the interpretation. The scenery is pleasant
with nice woods and everything, though different, begins to look interesting.
Walther appears dressed like a motorcycle
enthusiast, with greasy hair and hairstyles backwards, nothing in accordance
with his aristocratic position. The action evolves to the point where David
explains the melodies and poems that are part of the rules of the Masters.
David and the apprentices are employers of the club. These servants set up
round tables for a dinner that will be the master's work dinner. Pogner will
announce the prize of the next day's singing contest - Eva, his daughter. Eva
sits on a cup-shaped pedestal, exposing herself as the trophy of the contest.
Pogner
enters with Sixtus, the others follow, formally dressed and with masonic
aprons, accompanied by their wives who say goodbye to them and leave because
that meeting is only for men. By the end of the act, the details of staging are
multiple and I dare to say that each Master has a history parallel to the main
action - one chokes at a certain point and the others’ help, one shakes the
butt at one of the maids… In the song contest of Walther we have Sixtus to mark
the errors on slate, as it is classic.
From the
second act on we enter into total incoherence and madness. It starts in the
club room but with Sachs sitting and Pogner with a hand on his head,
symbolizing his fear and concern about whether his decision on the prize is the
most correct, what is naturally expressed in the voice and song. All the action
returns to this club room and there is the suggestion that the house of Sachs is
on the left side of the stage and the one of Pogner on the right side (but it
is only a slight suggestion). David brings a shoe and a hammer. Sixtus instead
of playing the lute, plays a little harpiscord-like instrument
(but that does not sound like a lute!). The exchange between Eve and Madalena happens
to the deceived serenade of Sixtus. Eve and Walther who plan to flee are on
stage in the staircase of the room which in the meantime closes slightly in the
center. The whole scene of Sachs hammering the mistakes of Sixtus, although
very well interpreted, begins to appear ridiculous in the staging. Holten puts
the Masters as belonging to a modern club (at least of the twentieth century
and not of medieval times) and then maintains a Sachs who, dressed modernly, is
a mere cobbler... The street is not glimpsed in this staging and the noise that
would wake up the inhabitants of the city is replaced by a ridiculous and
extravagant scene (which must be the imagination of the Masters) in which being
to appear people with heads of animals and some with large penises in erection,
some even simulating sexual intercourse. The night guard who ends the mess has
horse parasols and feathers on the trunk. Anyway, a total nonsense!
The stage
is spinning and what would be the house of Sachs begins to be seen - it looks
like a large warehouse with scaffolding, cables and lights. Holten wants to
contrast what here? He stages an interesting 1st the act but Sachs´s house is
this garbage?
The 3rd act
is even worse. When the action turns to the festival, this is done in the same
structure as the 1st act club, now with a kind of wooden amphitheater where
several people sit in formal dresses. At the door we have a banner to say St.
John's Day. Before the Masters enter, the workers of the city enter with party dresses
as is classic in the opera, but seem transported from the middle ages and not
to that time when Holten put the action on. The dances are tame, though Holten
puts the people applauding (which disturbs the musical hearing), and the
entrance of the Masters is also not excellent ... A set of 6 trumpets in the
middle of the amphitheater of the opera house almost deafens those sitting
there and prevents the hearing of the
orchestra. Only one detail is appropriate - Sachs arises from the middle of the
people, not from the door from which the other Masters enter (Sachs association
with the people is perceived as the wisest, most experienced master of life).
In short, a staging that does justice to the expression "Eurotrash"!
But if what
was seen was to forget, the opposite happened to what was heard.
Antonio Pappano directed the Orchestra with great quality,
offering the nuances all that are expected in the dramatic and comical parts,
but occasionally he was a little faster, losing the solemnity of those moments.
Concerning
the singers the interpretations were very homogeneous and of very high quality.
Welsh tenor
Gwyn Hughes Jones played Walter von
Stolzing superlatively. The voice has a beautiful timbre, always on tune and
audible over the orchestra. On stage he was also very convincing. Fantastic.
American
soprano Rachel Willis-Sorensen was
an expressive well audible Eva, although here and there to rub stridency.
Polish
soprano Hanna Hipp was a remarkable Magdalene,
scenic and vocally.
Another
great performer was British tenor Allan
Clayton as David. The voice has a nice timbre and is agile and always
audible in a very pleasant way.
German
baritone Johannes Martin Kränzle
made an outstanding Sixtus Beckmesser both in vocal and scenic performance and
was sublime in the last act.
Fritz
Kothner was superbly played by the Austrian baritone Sebastian Holecek. A very powerful, deep voice of beautiful timbre
was, for me, the best singer of the night.
Danish bass
Stephen Milling was a convincing
Veit Pogner.
I leave to
the end the cobbler Hans Sach that was interpreted by the welsh bass baritone Bryn Terfel, the most sound name of the
cast. He did very well in the first act, less well in the 2nd, where he showed
some minor flaws well disguised by his experience, and also in the first part
of the 3rd act, something seemed not well. And, in fact, so it was. He was
replaced in the second part of the 3rd act by baritone James Rutherford that was a breath of fresh air, interpreting the character
to the highest level.
It was a
pity that the excellent vocal performance of all singers did not succeed in
forgetting this conceptual failure of the staging.
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