(review in english below)
Les Troyens é uma ópera em cinco actos de H. Berlioz baseada na Eneida de Virgílio.
Os dois primeiros actos retratam a queda de Tróia. Após uma longa batalha, os gregos saem de Tróia mas deixam lá um cavalo de madeira (com soldados no interior). Uma profetisa troiana, Cassandre (Cassandra), informa que Tróia está condenada, mas o príncipe Chorèbe, seu noivo, ignora-a. Énée (Eneias), um herói troiano, relata a morte de um sacerdote que pediu a destruição do cavalo. Este entra na cidade e Tróia cai. O fantasma de um dirigente troiano (Hector) diz a Eneias que procure uma nova Tróia em Itália. Eneias foge, Chorèbe morre a Cassandra mata-se.
Os três últimos actos relatam a passagem dos troianos por Cartago. Didon (Dido), rainha de Cartago, é ajudada pelos recém chegados troianos na defesa da cidade contra Iarbas, rei da Numídia. Dido e Eneias apaixonam-se. A população festeja a vitória de Cartago sobre Iarbas. Os fantasmas dos troianos dizem a Eneias para partir para Itália. Ele decide fazê-lo, com a sua frota, contrariando o pedido de Dido. A rainha sobe a uma pira funerária e mata-se com a espada de Eneias.
Mais uma vez este ano, muitos meses depois de comprar bilhete, fui confrontado com um contratempo major – um novo cancelamento do Jonas Kaufmann, para mim o segundo em três meses.
A encenação de David McVicar é de belo efeito visual. É um dos exemplos do que ocasionalmente se tem discutido neste bolgue, da procura do grande impacto visual como componente major de algumas produções operáticas recentes.
A acção foi transportada para meados do Séc. XIX, no início da revolução industrial, sabe-se lá porquê? O primeiro acto abre com uma enorme estrutura convexa, uma cidadela metálica, com vários andares, representando a defesa do cerco de Tróia, que mais adiante se abrirá em duas metades, entre as quais toda a acção se passará.
(Photo Bill Cooper / Royal Opera House)
O cavalo de madeira (composto por cabeça e pescoço) é aqui feito de restos metálicos de armas e, ocasionalmente, deita fumo e fogo pela crina e pelas narinas.
(Photo Bill Cooper / Royal Opera House)
(Photo Bill Cooper / Royal Opera House)
Nos três últimos actos, a estrutura inicial roda e mostra Cartago e as suas gentes, numa representação côncava, em anfiteatro, com cores quentes e, no centro, casas em miniatura.
(Photo Bill Cooper / Royal Opera House)
Posteriormente a representação central de Cartago eleva-se e fica invertida e, nas cenas finais abre-se ao meio, novamente sobre o solo, talvez para simbolizar o destino de Dido. No centro do palco surgem cordas de navios e uma vigia, que desaparecem quando a frota parte.
(Photo Bill Cooper / Royal Opera House)
A ópera termina com uma pira funerária no centro, onde Dido se suicidará.
(Photo Bill Cooper / Royal Opera House)
Para mim o momento mais conseguido é o belíssimo final do 4º acto, no dueto de amor entre Dido e Eneias, Nuit d’ivresse et d’extase infinie!, em que cai a noite e se vêem apenas as luzes nas janelas das casas em miniatura. Para este momento sublime contribuíram, maioritariamente, as interpretações musicais da orquestra e dos solistas, de um lirismo arrebatador, como adiante referirei.
(Photo Bill Cooper / Royal Opera House)
Antonio Pappano dirigiu a Orquestra da Royal Opera com intensidade dramática e a excepcional qualidade com que nos habituou. Também o Coro da Royal Opera, nas suas múltiplas intervenções, foi imaculado. Merecem uma referência muito positiva os bailarinos e acrobatas que participaram, embora a coreografia não me tenha interessado.
Em relação aos cantores, foi uma récita em cheio!
O mezzo italiano Anna Caterina Antonnaci foi Cassandra. A voz é de grande beleza e conseguiu transmitir toda a emoção das suas profecias. Contudo, falta-lhe volume em algumas partes e, ocasionalmente, deixa-se abafar pela orquestra ou pelos outros cantores. Em palco foi excelente, nas expressões e movimentos.
(Photo Bill Cooper / Royal Opera House)
Eva Maria Westbroek, soprano holandês, interpretou superiormente a rainha Dido. A cantora tem um timbre muito interessante e um registo invulgarmente amplo, aberto, com belos laivos escuros, que imprimem nuances únicas à interpretação. A potência vocal é enorme e a cantora foi forte e firme no início, lírica, frágil e insegura após apaixonar-se por Eneias e intensamente dramática no final.
(Photo Bill Cooper / Royal Opera House)
O papel de Eneias (que estava reservado ao Kaufmann) foi cantado pelo jovem tenor americano Bryan Hymel. Fiquei deslumbrado. Foi, para mim, o melhor. A voz é de uma beleza invulgar, límpida, clara e forte. Os agudos são impressionantes porque surgem com aparente facilidade e são mantidos com elevada qualidade. O cantor foi também convincente na interpretação cénica. Um cantor a seguir com atenção.
(Photo Bill Cooper / Royal Opera House)
Merecem ainda relevo outras interpretações de grande qualidade em papeis secundários, incluindo o barítono italiano Fabio Capitanucci como Chorèbe, noivo de Cassandra, o veteraníssimo baixo Robert LLoyd como Rei Priam, o excelente mezzo polaco Hanna Hip no papel de Anna, irmã de Dido, o mezzo alemão Barbara Senator como Ascânio, filho de Eneias, os tenores coreanos Ji Hyun Kim como Helenus, filho do Rei Priam e Ji-Min Park como Iopas, poeta da corte e, sobretudo o baixo britânico Brindley Sherratt como Narbal, ministro de Dido, e o jovem tenor britânico Ed Lyon que foi um excepcional Hylas, marinheiro nostálgico que canta da vigia no navio.
Também tive oportunidade de assistir à transmissão televisiva em directo uma semana antes e as diferenças são enormes. As vozes amplificadas parecem todas de igual potência, o que não foi o caso, sobretudo no que respeita às duas solistas principais. Por outro lado, perde-se toda a grandiosidade do espectáculo, só possível de ser apreciada ao vivo.
Um espectáculo deslumbrante!
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LES TROYENS, Royal Opera House, London, July 2012
Les Troyens is an opera in five acts by H. Berlioz based on Virgil's Aeneid.
The first two acts describe the fall of Troy. After a long battle, the Greeks abandon Troy but leave a wooden horse (with soldiers inside). A Trojan prophetess, Cassandre (Cassandra), announces that Troy is doomed, but prince Chorèbe, her fiance, ignores it. Énée (Aeneas), a Trojan hero, reports the death of a priest who called for the destruction of the horse. The horse enters the city and Troy falls. The ghost of a trojan leader (Hector) tells Aeneas to found a new Troy in Italy. Aeneas flees Chorèbe dies and Cassandra kills herself.
The last three acts retreat the passing of the Trojans in Carthage. Didon (Dido), queen of Carthage, is helped by the newly arrived Trojans in defending the city against Iarbas king of Numidia. Dido and Aeneas fall in love. The population celebrates the victory of Carthage over Iarbas. The ghosts of the Trojans tell Aeneas to leave for Italy.
He decides to do so, with his fleet, against the request of Dido. The queen goes to a funeral pyre and kills herself with the sword of Aeneas.
Again this year, several months after buying the ticket, I was confronted with a major setback - A new cancellation of
Jonas Kaufmann,
for me the second in three months.
The staging by David McVicar has a nice visual effect. It is one of the examples of what has been discussed occasionally in this bolgue, the demand for high visual impact as a major component of some recent opera productions.
The action was taken to the mid-nineteenth century, at the beginning of the industrial revolution, who knows why? The first act opens with a massive convex structure, a metal fortress, with several levels, representing the defense of the siege of Troy, which later opens into two halves, between which all the action will happen. The wooden horse (composed of head and neck) is here made with scraps of metal weapons, and occasionally throws smoke and fire by the mane and nostrils.
In the last three acts, Carthage and its people are shown by a concave, amphitheater, with warm colors and in the center, miniature houses. Later the central representation of Carthage rises and is reversed, and in the final scenes it opens in half, again on the ground, perhaps to symbolize the fate of Dido. At the center of the stage several ropes of ships and a watch are present, which disappear when the fleet leaves. The opera ends with a funeral pyre in the center, where Dido commits suicide.
For me the most impressive moment was the beautiful end of the 4th act, the love duet between Dido and Aeneas, Nuit d’ivresse et d’extase infinie!, when night falls and we see only the lights in the windows of the miniature houses. To this sublime sweeping lyric moment the major contribution was of the musical performances of the orchestra and the soloists, as I will mention later on.
Antonio Pappano conducted the Orchestra of the Royal Opera with dramatic intensity and the exceptional quality that we are used to. Also the Royal Opera Chorus, in its multiple interventions, was immaculate. Also a very positive reference to the dancers and acrobats who participated, although the choreography did not interested me.
Regarding the singers, it was quite a performance!
Italian mezzo Anna Caterina Antonnaci was Cassandra. Her voice is of great beauty and she managed to convey the excitement of their prophecies. However, she lacked volume in some parts, and occasionally allowed to drown out by the orchestra or the other singers. On stage she was na excellent actress both in her expressions and movements.
Eva Maria Westbroek, Dutch soprano, was a superior queen Dido. The singer has a very interesting timbre and a very ample, open, register with beautiful dark overtones. She presents unique nuances that enrich her interpretation. The vocal power is enormous and the singer was strong and steady at first, lyrical, fragile and insecure after falling in love with Aeneas, and intensely dramatic in the end.
The role of Aeneas (which was initially scheduled for the Kaufmann) was sung by the young American tenor Bryan Hymel. I was dazzled. He was for me the best. The voice is of an unusual beauty, clean, loud and clear. The top notes are striking because they are reached with apparent ease and are maintained with high quality. The singer was also convincing in the artistic interpretation. A singer to follow attentively.
Most other interpretations of supporting roles were equally of great quality, including Italian baritone Fabio Capitanucci as Chorèbe fiancé of Cassandra, the veteran bass Robert Lloyd as King Priam, the great Polish mezzo Hanna Hip in the role of Anna, Dido's sister, the German mezzo Barbara Senator as Ascanius, son of Aeneas, the Korean tenors Ji Hyun Kim as Helenus, son of King Priam and Ji-Min Park as Iopas, acourt poet, and, especially the bass Brindley Sherratt as Narbal, Minister of Dido, and the young British tenor Ed Lyon, an exceptional Hylas, a sailor.
I also had the opportunity to watch the opera live on television one week before and the differences are huge. The amplified voices seem all of equal power, which was not the case, especially with regard to the two main female soloists. On the other hand, we lose all the grandeur of the performance that can only be appreciated live.
A fabulous performance!
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