(review in English below)
“Die Walküre” é a segunda ópera e o primeiro dia da
tetralogia “Der Ring des Nibelungen”. É, porventura, a mais conhecida e
representada de todas as óperas que compõem o ciclo e contém o trecho musical
mais conhecido de Richard Wagner: a cavalgada das Valquírias.
Na minha opinião, toda a música de “A Valquíria” é
profundamente inspirada e arrebatadora, sendo esta ópera uma das obras-primas
absolutas do mestre de Bayreuth.
Nesta segunda ópera, a encenação prossegue e aprofunda os
conceitos já apresentados em “Das Rheingold”, através do recurso aos mesmos
objectos – que se vão metamorfoseando e adquirindo novas funções e,
consequentemente, novos significados –, a jogos de luzes e a projecções vídeo
que complementam ou modificam a aparência dos cenários e objectos em palco.
(Acto I - Foto do site da Ópera de Sófia / Act I - Photo by Sofia Opera House site)
O primeiro acto é um autêntico tour de force para soprano e tenor e contém um dos duetos de amor
mais sublimes que Wagner compôs. Não é por acaso que é frequentemente editado
em disco, separadamente do resto da ópera.
Quando a cortina abre, o palco é dominado pelo grande anel,
colocado horizontalmente e ligeiramente inclinado para o público. Por cima, os
cones que antes representavam as torres do Walhalla, encontram-se agora
suspensos com as bases para cima e as pontas para baixo, como espadas prontas a
cair sobre as cabeças dos humanos. Não só se percebe que a ameaça vem de cima,
como se manifesta também aqui a ideia do encenador de associar o cone à ligação
entre o céu e a terra, ou seja, entre o Walhalla e o mundo dos Homens,
designadamente dos Wälsungen. Ligação essa que a história da ópera bem
demonstra, pois que Siegmund e Sieglinde vêem os seus destinos traçados e
condicionados pelos deuses, em especial por Wotan, seu pai.
Durante a abertura vemos passar Siegmund pelo anel,
perseguido pelos homens de Hunding, vestidos com fatos que fazem lembrar
gladiadores.
O anel divide-se então em duas partes, sendo que a metade
posterior é erguida para a posição vertical e desloca-se para o lado esquerdo.
Do lado direito surge um cubo no qual está espetado verticalmente um dos cones.
Esse cone é trespassado pela Nothung, a espada aí cravada por Wotan e destinada
unicamente a Siegmund. A simbologia parece-me clara, sendo evidentes as
conotações fálica do cone e da própria espada, funcionando o cubo como o ventre
de Sieglinde, de onde nascerá depois o herói Siegfried. Não será também por
acaso que o cone com funções fálicas consiste na inversão de uma das torres do
Walhalla, ou seja, da obra de Wotan. Esta ideia recorda-nos que Siegmund e
Sieglinda, embora seus filhos, não são senão joguetes na sua mão, com o intuito
de dar vida ao herói que poderá recuperar o anel para si, arrebatando-o a
Fafner, sem quebra do acordo ao qual Wotan se vinculou.
(Hunding - Foto do site da Ópera de Sófia / Photo by Sofia Opera House site)
Hunding surge caracterizado como uma figura verdadeiramente
monstruosa e impressionante, com enormes tentáculos a saírem das suas costas.
(Acto II - Foto do site da Ópera de Sófia / Act II - Photo by Sofia Opera House site)
No segundo acto, o cenário é composto pelo anel dividido em
dois, encontrando-se a metade posterior erguida. Pelo meio, um corredor
sobreelevado atravessa horizontalmente o anel ao longo de todo o palco.
Brünnhilde surge em pé na garupa de Grane, que não é senão um cone, suspenso
através de maquinaria invisível. O efeito é interessante, mas a maquinaria
introduz algum ruído audível e a impressão de instabilidade da cantora sempre
que o cone se mexe causa alguma apreensão.
Enquanto Wotan relata a Brünnhilde da história de Alberich e
da forja do anel, pelo corredor sobreelevado vão passando todas as personagens
e situações referidas, que vão ilustrando o conteúdo da narração. A ideia pode
ser interessante e fazer sentido no plano teatral, como forma de atenuar o
efeito de monotonia de longos monólogos. Todavia, em Wagner tal não sucede,
pois que o jogo dos leitmotive preenche perfeitamente essa função. Não
obstante, este dispositivo podia continuar a fazer sentido se fosse usado
apenas em momentos escolhidos e não de forma recorrente, como veio a suceder.
Durante o combate entre Hunding e Siegmund vemos uma
plataforma inclinada para a audiência em forma de lâmina de espada, que servirá
de leito de morte ao herói. Mais uma vez, simbologia fálica ligada à espada,
que por sua vez nos remete para Wotan, responsável directo pela morte do filho.
(Acto III - Foto do site da Ópera de Sófia / Act III - Photo by Sofia Opera House site)
O terceiro acto inicia-se com a famosa cavalgada das
Valquírias. O palco enche-se de valquírias à garupa dos seus cones e empunhando
longas e pontiagudas lanças. O efeito foi muito bem concebido e resultou
excelente, com movimentações perfeitamente coordenadas e efeitos visuais
espectaculares.
(Acto III - Foto do site da Ópera de Sófia / Act III - Photo by Sofia Opera House site)
A chegada de Wotan é também impressionante, com a sua
indumentária composta por uma magnífica capa encimada por inúmeros e
pontiagudos cones, simbolizando o seu poder e polarizando em si toda a
simbologia atribuída a essa forma.
(Acto III - Foto do site da Ópera de Sófia / Act III - Photo by Sofia Opera House site)
Na cena final, em que Wotan se despede de Brünnhilde e a
aprisiona no fogo mágico, o cenário limita-se a metade do anel formando um arco
e uma plataforma no seu centro, onde a Valquíria jaz adormecida. Quando Wotan
convoca Loge, este surge na mesma prancha de surf que já havíamos visto no “Das
Rheingold”, sobrevoando toda a cena. Enormes chamas são projectadas no arco e o
pano desce com grande efeito.
(Erich Wächter)
A direcção de Erich Wächter situou-se, nesta ópera, num
nível superior ao que havíamos assistido na véspera. Mais intensidade dramática
decorrente de uma boa construção e preparação dos clímaxes, em especial nos
primeiro e terceiro actos. Sentiu-se um maior envolvimento e uma urgência mais
presente. Contudo, gostaria de ter sentido maior intensidade na música do fogo
mágico.
A prestação da orquestra continuou a ser menos satisfatória,
com frequentes falhas nos metais e nas madeiras e com uma massa sonora por
vezes insuficiente.
No que se refere aos cantores, o panorama foi muito díspar.
(Martin Iliev)
A revelação da noite foi, sem dúvida, o excelente Martin
Iliev, que encarnou um Siegmund digno de qualquer teatro de Ópera pelo mundo
fora. Trata-se de um cantor com uma voz poderosa e brilhante, bonita em toda a
sua extensão, com excelente projecção vocal e uma enorme generosidade a cantar.
Deu sempre o máximo, com um envolvimento dramático notável e uma stamina
impressionante. O seu Siegmund foi terno e arrebatado com Sieglinde e heróico
ao enfrentar o combate.
(Tsvetana Bandalovska)
A outra Wälsung, Sieglinda, foi interpretada pela
soprano Tsvetana Bandalovska. Dona de uma voz lírica, de timbre claro e com um
bom registo agudo, teve uma prestação em crescendo. Se no primeiro acto foi
sempre expressivamente mais contida, colocando-se como que na sombra de
Siegmund, no segundo acto ganhou uma outra confiança, dando corpo a uma
Sieglinde emotiva e ousada.
(Nikolay Petrov)
Wotan foi novamente interpretado por Nikolay Petrov, que se
manteve em excelente nível, compondo um Wotan verdadeiramente dilacerado e
derrotado no segundo acto, mas autoritário no início do terceiro. A sua
despedida de Brünnhilde foi tocante e confirmou que estamos perante um cantor
de excelente qualidade.
(Bayasgalam Dashnyam)
Bayasgalam Dashnyam no papel de Brünnhilde foi, na minha
opinião, a grande decepção da noite. A sua voz não é particularmente grande nem
bonita, embora tenha conseguido uma razoável projecção vocal. Denotou um
vibrato algo excessivo. Mas o que mais impressionou negativamente foi a
completa inexpressividade, quer vocal, quer dramática. É sabido que o papel de
Brünnhilde é muito difícil e exige atributos vocais difíceis de encontrar. Já
não há Brünnhildes como Flagstad, Mödl, Varnay ou Nilsson e ninguém espera
ouvir vozes dessas. Mas Bayasgalam Dashnyam falhou, quer na voz, quer na
transmissão da emoção, que esteve sempre ausente. Uma pena, pois é uma das
figuras centrais desta ópera.
Hunding foi interpretado pelo baixo Angel Hristov, que
exibiu uma voz escura e ampla, com timbre tipicamente eslavo. Compôs um Hunding
ameaçador e credível e esteve muito bem cenicamente, o que constituiu,
seguramente, uma árdua tarefa, já que a dimensão e complexidade do seu fato
tornavam a sua movimentação particularmente difícil.
(Rumyana Petrova)
Fricka foi novamente a mezzo Rumyana Petrova, sendo que a
sua voz penetrante e metálica se adequou perfeitamente à sua intervenção
dominadora e inflexível junto de Wotan.
(As Valquírias - Foto do site da Ópera de Sófia / The Valkyries - Photo by Sofia Opera House site)
As Valquírias Helmwige (Milena Gyurova), Ortlinde (Irina
Zhekova), Gerhilde (Lyobov Metodieva), Waltraute (Ina Petrova), Siegrune
(Mariela Aleksandrova), Roβweiβe (Tsveta Sarambelieva), Grimgerde (Margarita
Damyanova) e Schwertleite (Blagovesta Mekki-Tsvetkova) estiveram, no geral, em
bom plano, sendo que vocalmente não me foi possível formular um juízo
individual sobre cada uma. No plano cénico, as suas excelentes figuras e
caracterização asseguraram o êxito da sua participação.
Podemos ver aqui um vídeo com o resumo da produção, na versão de 2013.
Em
suma, uma récita de grande qualidade artística, não obstante a decepção com
Brünnhilde.
*
DIE WALKÜRE – The Valkyrie – Sofia, 5th Jully 2015
“Die
Walküre” is the second opera and the first day of the tetralogy “Der Ring des
Nibelungen”. It is perhaps the best known and represented of all the operas
that make up the cycle and contains the most famous piece of music composed by
Richard Wagner: The ride of the Valkyries.
In my
opinion, all the music of “Die Walküre” is deeply inspired and sweeping, and
this opera one of the absolute masterpieces of the master of Bayreuth.
In this
second opera, staging continues and deepens the concepts already presented in
“Das Rheingold” by resorting to the same objects - that will morph and acquire
new functions and consequently new meanings - the lighting and the video
projections that complement or modify the appearance of scenarios and objects
on the stage.
The first
act is a veritable tour de force for soprano and tenor and contains one
of the most sublime love duets composed by Wagner. It is no coincidence that it
is often recorded on disc, separately from the rest of the opera.
When the
curtain opens, the stage is dominated by the large ring placed horizontally and
slightly inclined to the public. Above, cones which before represented the
towers of Walhalla, are now suspended with the bases up and point down, like
swords ready to fall on the humans’ heads. With this idea not only we realize
that the threat comes from above, but it manifests here too the director’s idea
of associating the cone with the link between heaven and earth, that is,
between Walhalla and the world of men, especially of the Wälsungen. A
connection that the opera’s history demonstrates quite well, since Siegmund and
Sieglinde see their fates struck and conditioned by the gods, especially by
Wotan, her father.
During the
opening Siegmund passes across the ring, pursued by Hunding’s men, dressed in
suits reminiscent of gladiators.
The ring
then divides into two parts, and the rear half is raised to the upright
position and moves to the left side. To the right of the stage emerges a cube
in which is stuck vertically one cone. This cone is pierced by Nothung,
the sword sticked there by Wotan and solely intended to Siegmund. The symbolism
seems clear to me, with the obvious phallic connotations of the cone and the
sword, and the cube as Sieglinde’s womb, from where the hero Siegfried will be
born. It will not be by chance that the cone with phallic function is the
inversion of one of the Walhalla towers, i.e., Wotan’s work. This idea reminds
us that Siegmund and Sieglinda, despite being his children, are but pawns in
his hands, in order to give life to the hero who can retrieve the ring for
himself, snatching him from Fafner, without breaking the pact which links both.
Hunding
appears characterized as a truly monstrous and impressive figure, with huge
tentacles coming out of his back.
In the
second act, the stage is occupied by the ring divided in two, with the back
half raised.
Through his
hole, a horizontal platform crosses all the stage. Brünnhilde appears standing on the back of Grane, which is
nothing but a cone, suspended by invisible machinery. The effect is
interesting, but the machinery introduces some audible noise and the singer
instability when the cone moves cause some apprehension.
As Wotan
tells Brünnhilde the story of Alberich and the forge of the ring, all these
characters and situations appear on that platform, illustrating the contents of
the narration. The idea can be interesting and makes sense in theatrical point
of view as a way to mitigate the monotony effect of long monologues. However,
in Wagner it is different, because the game of leitmotive perfectly
fulfills this function. Nevertheless, this device could still make sense if it
were used only at selected times and not on a recurring basis, as it came to
happen.
During the
fight between Hunding and Siegmund we see an inclined platform shaped like a
sword blade, which will be the death bed of the hero. Again, phallic symbolism
connected to the sword, which, in turn, leads us to Wotan, directly responsible
for the death of her son.
The third
act begins with the famous ride of the Valkyries. The stage is filled with
Valkyries at the haunches of their cones and wielding long, sharp spears. The
effect was very successful and resulted excellently, with perfectly coordinated
movements and spectacular visual effects.
The
emergence of Wotan is also impressive, with their clothing consists of a magnificent
cover surmounted by numerous and pointed cones, symbolizing their power and
polarizing itself all the symbolism attached to this form.
In the
final scene, in which Wotan bids farewell to Brünnhilde and imprisons her
inside of the magical fire, the setting is limited to half of the ring forming
a bow and a platform in its center, where the Valkyrie lies sleeping. When
Wotan summons Loge, he appears on stage in the same surfboard that we had seen
in “Das Rheingold”, flying over the whole stage. Huge flames are projected onto
the bow and the curtain comes down with great effect.
The
direction of Erich Wächter in this opera stood on a higher level than we had
seen the day before. More dramatic intensity due to the construction and good
preparation of climaxes, particularly in the first and third acts. More
involvement and urgency could be felt. However, I wish I would have felt more
intensity in the magic fire music.
The
performance of the orchestra continued to be less satisfactory, with frequent
failures in brass and woodwinds and a sometimes insufficient sound mass.
With regard
to the singers, the picture was very uneven.
The
revelation of the evening was undoubtedly the excellent Martin Iliev, who
played a Siegmund worthy of praise in
any opera theater around the world. This is a singer with a powerful, bright,
beautiful voice throughout its length, with great vocal projection and a huge
generosity in the singing. He always gave the maximum, with a remarkable
dramatic involvement and impressive stamina. His Siegmund was tender and
rapturous with with Sieglinde and heroic when facing combat.
The other Wälsung,
Sieglinda, was interpreted by soprano Tsvetana Bandalovska. Possessor of a
lyrical voice, clear timbre and a good high register, her performance grew
increasingly better throughout the evening. If the first act she was more
restrained, as if in the shadow of Siegmund, in the second act she gained
greater confidence, embodying a bold and emotional Sieglinde.
Wotan was
again sang by Nikolay Petrov, which remained at an excellent level, making a
truly lacerated and defeated Wotan in the second act, and an authoritarian in
the third. The Brünnhilde farewell was touching and confirmed that this is an
excellent singer.
Bayasgalam
Dashnyam in the role of Brünnhilde was, in my opinion, the big disappointment
of the night. Her voice is not particularly big nor beautiful, but has achieved
a reasonable vocal projection. Denoted vibrato something excessive. But what
negatively impressed most was the complete meaninglessness, whether vocal or
dramatic. It is known that paper Brünnhilde is very difficult and requires
voice attributes difficult to find. There is no longer Brünnhildes as Flagstad,
Mödl, or Varnay Nilsson and no one expects to hear voices like that. But
Bayasgalam Dashnyam failed, either in voice or in the transmission of emotion
that was always missing. A shame because it is one of the central figures of
this opera.
Hunding was
interpreted by the bass Angel Hristov, who showed a dark and large voice with
typically Slavic timbre. He composed a threatening and credible Hunding and was
very well scenically, which constituted surely an arduous task, since the size
and complexity of his costume made his movements particularly difficult.
Fricka was
again the mezzo Rumyana Petrova, with its sharp, metallic toned voice,
perfectly suited to his commanding and tough interaction with Wotan.
The
Valkyries Helmwige (Milena Gyurova), Ortlinde (Irina Zhekova), Gerhilde (Lyobov
Metodieva), Waltraute (Ina Petrova), Siegrune (Mariela Aleksandrova), Roβweiβe
(Tsveta Sarambelieva), Grimgerde (Margarita Damyanova) and Schwertleite
(Blagovesta Mekki-Tsvetkova) were, in general, in good plan, althogh, in vocal
terms, I was unable to formulate a judgment on each individually. In the scenic
plan, their excellent figures and characterization ensured a successful
participation.
We can see
here a video with the summary of this production.
In
short, an evening of great artistic quality, despite the disappointment with
Brünnhilde.