quarta-feira, 25 de abril de 2018

FALSTAFF de Giuseppe Verdi no FESTTAGE da Staatsoper Unter den Linden, Berlim, 1.04.2018



(review in English below)

A última ópera de Verdi foi composta em grande secretismo: Verdi tinha receio de que as agruras da sua idade avançada não lhe permitissem terminar o projecto. Foi congeminada juntamente com Arrigo Boito, o seu libretista de Otello, homem que desafiara Verdi para um último esforço e que tão bem lhe escreveu um texto em torno da personagem shakespeariana Sir John Falstaff, presente nas As Alegres Comadres de Windsor e nas partes I e II de Henrique IV.

A história gira em torno do enorme Falstaff, aristocrata decaído, muito obeso e que vivia dos prazeres da comida e das mulheres. Ele tenta seduzir as damas finas de Windsor e fia-se no seu charme e sebenta posição. Estas, muito alegres e sabidas, aproveitam para o ridicularizar.

A ópera, nem sempre devidamente apreciada por ser um Verdi diferente daquele a que habituara o seu público, é de uma enorme genialidade musical, impactando pelo seu todo. Lá está: o todo não é igual à soma das partes.

Foto: Matthias Baus

A encenação do realizador de cinema italiano Mario Martone é muito interessante. Passa-se num bairro degradado cheio de graffitis onde Falstaff está sentado nuns bancos num pátio à entrada de um estabelecimento de divertimento noturno — «Panorama Bar» — onde umas profissionais do sexo se exibem à janela. Ao fundo, um portão ao meio do pátio parece revelar uma rua. É neste ambiente escuro e sombrio, que decorre toda a primeira cena. Falstaff está vestido de calças de ganga e t-shirt preta e, a bem da verdade, falta-lhe a gordura imensa. Pistola e Bardolfo vestem-se de forma andrajosa e têm bastante mau aspecto. Aqui há, ao fundo, uns figurantes que com latas de tinta de spray desenham as frases «Welcome refugees» e «No War» em panos brancos colocados no chão: duvido que da plateia fossem legíveis e nunca chegam a ser exibidos, pelo que não se compreende o propósito.

Foto: Matthias Baus

A segunda cena passa-se num elegante jardim com piscina e casa de apoio. Aí, as alegres comadres, vestidas de modo mais requintado, ou apenas de fato de banho ou biquíni e enroladas num robe, congeminam toda a trama contra Falstaff. Fenton namora Nannetta que se exibe em biquíni e o provoca, atirando-o para a piscina.

Na terceira cena, voltamos ao primeiro cenário. Mrs. Quickly aparece de vermelho e de moto retro. Ao despedir-se, sai de moto, ouvindo-se o roncar do motor da moto que é verdadeira.

A quarta cena, retoma o segundo cenário. E os pormenores estão lá todos. Falstaff, vestido de camisa rosa brilhante e de motivos florais e umas botas de cowboy, tenta seduzir Alice, chegando a mostrar-lhe uma tatuagem de muito mau gosto estampado no peito largo que descobrea. Acaba por ser atirado para trás do muro do jardim, ouvindo-se um enorme splash.

Foto: Matthias Baus

A quinta cena decorre no primeiro cenário, com um Falstaff muito andrajoso e a pedir vinho a um pouco amigável dono do bar. Logo de seguida, passa-se para a última cena: parece um edifício abandonado com escadas nas laterais e um torre no centro com varandas. Muitos figurantes surgem, naquele que é um pormenor distrator e pouco contextualizável no todo da encenação, vestidos de negro e com máscara, simulando atos sexuais, enquanto as personagens expõem ao ridículo Falstaff. 

A encenação modernizada foi um dos pontos fortes da récita: é muito dinâmica, facilita a comédia, acompanha muito bem a música e a acção, e é ainda visualmente interessante.


A Staatskapellle Berlin foi muito bem dirigida por Daniel Barenboim.

Os solistas apresentaram uma qualidade global muito homogénea.


Michael Volle foi um Sir John Falstaff imponente na desenvoltura cénica e pela enorme voz que tem. Faltou-lhe a interpretação burlesca que a personagem necessita para ser verdadeiramente cómica, ou o fraseado típico italiano que teriam dado outro colorido a uma, ainda assim, excelente prestação. Destaco a interpretação de Mondo ladro, mondo rubaldo do terceiro acto.

Ford foi o barítono Alfredo Daza que, tendo uma voz bonita e sempre audível, compôs uma personagem credível e cantou bem o seu È sogno o realtà?

Fenton foi o tenor Francesco Demuro que tem uma voz bonita, mas a que me pareceu faltarem os agudos fáceis que se pedem no seu curto papel. Cenicamente foi muito convincente.

O Dr Cajus de Jurgen Sacher, Bardolfo de Stephan Rugamer e Pistola de Jan Martiník estiveram em bom plano, destacando a prestação vocal de Martiník. 

Alice Ford foi Barbara Fritolli que compôs uma personagem credível e cenicamente irrepreensível. Vocalmente apresentou-se em bom nível, mas já não tem os agudos cristalinos de outros tempos.

Nadine Sierra como Nannetta foi a melhor das senhoras. A voz é muito bonita e tem os agudos cristalinos que tornam os seus Anzi rinnova come fa la luna perfeitos e elegantes. A sua jovialidade em palco e bonita figura ajudaram a torná-la uma Nannetta perfeita.

Daniella Barcellona, com a sua voz cheia e escura, foi uma excelente Mrs. Quickly, tendo-lhe faltado alguma comicidade para catapultar a sua interpretação para a excelência.

A Meg Page de Katharina Kammerloher esteve em bom nível no seu curto papel.


Assim, globalmente assistimos a uma excelente récita, com destaque para uma encenação de muita qualidade e com nota muito positiva para um conjunto de cantores de qualidade elevada a quem ficou apenas a faltar um pouco mais de capacidade para a comédia.

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(Review in English)

Verdi's last opera was composed in great secrecy: Verdi was afraid that the hardships of his old age would not allow him to finish the project. He worked with Arrigo Boito, his librettist of Otello, a man who had challenged Verdi for one last effort, and who so well wrote a text to him about the Shakespearean character Sir John Falstaff, present in the Merry Wives of Windsor and parts I and II of Henry IV.

The story revolves around the huge Falstaff, a fallen aristocrat, very obese and living off the pleasures of food and women. He tries to seduce high-rank ladies of Windsor being confident that with his beauty and social position will grant him success. The joyful and wise ladies will expose him to ridiculousness.

The opera, not always properly appreciated for being not a typical Verdi opera, is of a great musical genius, impacting for his beauty and when heard as a whole. There it is: the whole is not equal to the sum of the parts.

The staging of the Italian film director Mario Martone is very interesting. The action is set in a dilapidated neighbourhood full of graffitied walls where Falstaff sits on benches in a courtyard at the entrance to a nightlife establishment - Panorama Bar - where sex workers hang out at the window. In the background, a gate in the middle of the courtyard seems to reveal a street. It is in this dark and gloomy environment that the entire first scene takes place. Falstaff is dressed in jeans and black t-shirt and, to be honest, he lacks immense fat. Pistol and Bardolfo dress in a ragged form and look quite bad guys. Here, in the background, there are figurines with cans of spray paint drawing the phrases "Welcome refugees" and "No War" in white cloths placed on the floor: I doubt that the audience would be able to read the statements or even see them, so that I think that it is not understandable.

The second scene takes place in an elegant garden with a swimming pool and house. There, the merry wives, dressed in a fashionable way, or just in bikini and wrapped in a robe, plot against Falstaff. Fenton dates Nannetta who shows up in a bikini and provokes him by throwing him into the pool.

In the third scene, we return to the first scenario. Mrs. Quickly appears in red and retro motorcycle. When they say goodbye, she leaves in her motorcycle, and we listened to the snoring of the real motorcycle she is in.

The fourth scene, resumes the second scenario. And the details are all there. Falstaff, dressed in bright pink shirt with floral motifs and cowboy boots, tries to seduce Alice, even showing him a bad taste tattoo stamped on the wide chest he reveals. At the end, he is thrown behind the garden wall as we listen to a huge splash.

The fifth scene takes place on the first scenario, with a very tattered Falstaff who is asking for wine to a somewhat not so friendly bar owner. Soon afterwards, we are transported to the last scene: it looks like an abandoned building with stairs on the sides and a tower with balconies in the centre. Many characters appear, in a distracting detail of the staging, dressed in black and masked, simulating sexual acts, while the characters expose Falstaff to ridiculous.

The modernized staging was one of the highlights of the recital: it is very dynamic, easily  following the music and the action. And it is visually interesting.

The Staatskapellle Berlin was very well directed by Daniel Barenboim.

The soloists singers presented a very homogeneous overall quality.

Michael Volle was an imposing Sir John Falstaff, either scenically an vocally. He failed only on the  burlesque aspect of his interpretation to be truly comical, and the typical Italian phrasing. If he managed it better he would have given us a more rich and coloured performance. I emphasize the interpretation of Mondo ladro, mondo rubaldo of the third act.

Ford was the baritone Alfredo Daza who, having a beautiful and always audible voice, composed a credible character and sang well his È sogno o realtà?

Fenton was the tenor Francesco Demuro who has a beautiful voice, but which seemed to lack the easy treble that are asked in his short paper. Cenically he was very convincing.

Jurgen Sacher’s Dr Cajus, Stephan Rugamer’s Bardolfo and Jan Martiník’s Pistol were all in good plan, highlighting the vocal performance of Martiník.

Alice Ford was Barbara Fritolli who composed a credible and radically irreproachable character. Vocally she has presented herself in good level, but she no longer has the crystalline highs of other times.

Nadine Sierra as Nannetta was the best of the ladies. Her voice is very beautiful and has the crystalline trebles that make hers Anzi rinnova come fa la luna perfect and elegant. Her playfulness on stage and beautiful figure helped make her a perfect Nannetta.

Daniella Barcellona, ​​in her full, dark voice, was an excellent Mrs. Quickly, having lacked some comedy abilities to catapult her interpretation into excellence.

Despite her short role, Katharina Kammerloher performed well as Meg Page.


Thus, globally we have seen an excellent performance, with emphasis on a very high quality Martone’s staging and with a very positive note for a group of singers of high quality who just lacked a little more capacity to do comedy.

domingo, 22 de abril de 2018

Roberto Alagna e Aleksandra Kurzak, Viena, Abril / April 2018






Para os admiradores vão algumas fotografias do casal Alagna & Kurzak que, depois de uma bela récita da Turandot em Viena, se dispuseram a falar com admiradores e a autografar programas e fotografias na stage door da Wiener Staatsoper.






For the admirers here are some photographs of the couple Alagna & Kurzak who, after a great performance of the Turandot in Vienna, were willing to talk to admirers and autograph programs and photographs at the stage door of the Wiener Staatsoper.








quinta-feira, 19 de abril de 2018

I CAPULETI E I MONTECCHI, Teatro de São Carlos, Lisboa, Abril 2018



(review in English below)

O famoso amor trágico de Romeu e Julieta é retratado nesta opera de belcanto, I Capuleti e i Montecchi, com música do jovem Vicenzo Bellini e libretto de Felice Romani inspirado numa história da Renascença. É uma obra de profundo lirismo e grande intensidade dramática, marcada pela história de um amor trágico e atravessada pela tristeza e pela morte. Um deleite para os apreciadores do belcanto, é uma ópera repleta de árias e duetos dos dois amantes, de uma beleza melódica assinalável.



A encenação de Arnaud Bernard (cenografia de Alessandro Camera e figurinos de Carla Ricotti), originalmente concebida para o Teatro La Fenice e para a Arena de Verona é sóbria, clássica e vistosa. Num museu / galeria de arte, as personagens dos quadros ganham vida. É uma abordagem frequente dos encenadores, que nada tem de original, mas visualmente é agradável e serve os propósitos da ópera. Foi bem melhor do que a muito badalada encenação que vi em Munique, como relatei aqui.



Logo no início da ópera, os Capuleti ganham vida a partir de um quadro guardado numa arrecadação do museu. O pessoal do museu muda alguns dos quadros de local, faz arranjos e limpezas, mas mantém-se a estratégia do encenador. A cena da morte de Romeu e Julieta decorre numa mesa, mas funciona e o quadro final da ópera é de uma beleza plástica assinalável.



Se a encenação foi um dos pontos fortes do espectáculo, houve um pouco de tudo, desde o muito mau ao muito bom.



A Orquestra Sinfónica Portuguesa, dirigida por Giampaolo Bisanti, não esteve bem, com excepção do belíssimo desempenho de Carmen Cardeal na harpa. O coro do Teatro Nacional de São Carlos esteve muito mal, com desencontros e desafinações constantes, fatais numa obra de belcanto.



Nos solistas principais, a mezzo Alessandra Volpe fez um Romeu vocalmente bom, o timbre é interessante e a cantora fez-se ouvir sempre sobre a orquestra. A Julieta da soprano Mihaela Marcu também foi decente, embora a cantora tivesse alguma tendência para a estridência e lhe faltasse a doçura que o papel exige.



O Tebaldo do tenor Davide Giusti foi muito mau, quase sempre desafinado, voz feia e sem cor. Um dos piores tenores que se ouviu recentemente em São Carlos.

Os melhores da noite foram os barítonos Luís Rodrigues como Capellio e Christian Luján como Lorenzo, que se destacou tanto na interpretação vocal como cénica.




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I CAPULETI E I MONTECCHI, Teatro de São Carlos, Lisbon, April 2018

The famous tragic love of Romeo and Juliet is portrayed in this belcanto opera, I Capuleti e i Montecchi, with music by the young Vicenzo Bellini and libretto by Felice Romani inspired by a Renaissance story. It is a work of profound lyricism and great dramatic intensity, marked by the history of a tragic love and crossed by sadness and death. A delight for lovers of belcanto, it is an opera full of arias and duets of the two lovers, with remarkable melodic beauty.

The staging of Arnaud Bernard (set design by Alessandro Camera and costumes by Carla Ricotti) originally conceived for the La Fenice Theater and for the Verona Arena is sober, classic and pleasant. In a museum / art gallery, the characters in the pictures come to life. It is a frequent approach of the directors, which has nothing original, but is visually pleasant and serves the purposes of opera. It was much better than the much-hyped staging I saw in Munich, as I have reported here.

At the beginning of the opera, the Capuleti come to life from a painting in a museum collection. The museum staff changes some of the paintings, makes arrangements and cleanups, but the director's strategy remains. The final scene of the death of Romeo and Juliet takes place at a table in the museum, but it works and the final picture of the opera is of remarkable plastic beauty.

If the staging was one of the performance's strengths, there was a bit of everything from the very bad to the very good.

The Portuguese Symphony Orchestra, directed by Giampaolo Bisanti, was not well, except for the beautiful performance of Carmen Cardinal in the harp. The Chorus of the National Theater of São Carlos was very bad, with dissonances and constant mistakes, fatal in a belcanto opera.

Considering the main soloists, mezzo Alessandra Volpe was a vocally good Romeo, the timbre is interesting and the singer always made herself heard over the orchestra. Juliet of soprano Mihaela Marcu was also decent, although the singer had a tendency to stridency and lacked the sweetness that the role demands.

Tenor Davide Giusti was very bad as Tebaldo, almost always out of tune, with an ugly, colorless voice. One of the worst tenors recently heard in São Carlos Theater.

The best of the night were baritones Luís Rodrigues as Capellio and Christian Luján as Lorenzo, who excelled in both vocal and scenic performance.

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segunda-feira, 16 de abril de 2018

PARSIFAL, METropolitan Opera, Fevereiro / February 2018

(review in English below)

A ópera Parsifal de R. Wagner esteve em cena na Metropolitan Opera, na encenação de François Girard. É um espectáculo de grande impacto visual, embora sujeito a várias interpretações.

No primeiro acto o palco está despido, escuro, agreste e é atravessado a meio por um curso de água que, no final, se transforma em sangue. Ao fundo há projecção constante de imagens de nuvens, superfícies arenosas ou grandes esferas, aspecto que se manterá até ao final da ópera. Os cavaleiros do Graal aparecem de fato moderno, despem o casaco e descalçam-se, assim permanecendo todo o acto, ora em pé ou sentados em círculo, na metade esquerda do palco. A direita é ocupada pelas mulheres, de negro. É lá que está sempre a Kundry. A lança, o cálice e o cisne morto pelo Parsifal aparecem.



No segundo acto, no castelo enfeitiçado do Klingsor, tudo se passa numa piscina de sangue, para grande desconforto dos cantores, imagino. As mulheres-flor, com as lanças, estão vestidas com uma túnica branca que vai ficando ensanguentada. A meio entra uma cama, onde a Kundry também tenta, em vão, seduzir o Parsifal.


No terceiro acto o cenário e idêntico ao primeiro, mas a paisagem ainda está mais devastada, num período pós-apocalíptico. Começa com um enterro e há várias sepulturas recentes espalhadas pelo cenário. O Parsifal chega vergado e coberto com um pano negro, apenas empunhando a lança. Todos estão muito envelhecidos. Gurnemanz e a Kundry lavam os pés ao Parsifal, ele cura a ferida de Amfortas com a lança e é a própria Kundry que retira o cálice sagrado antes de morrer. Enquanto o Parsifal levanta o cálice, quase desaparece a marca que divide o palco a meio desde o início. Homens e mulheres misturam-se vestidos de branco e de igual e pela primeira vez. Mesmo ao cair do pano, levantam-se duas personagens, o Amfortas e uma mulher vestida de negro. É uma encenação visualmente marcante que deixa muitas interpretações em aberto.



O canadiano e futuro maestro titular da Metropolitan Opera Yannick Nézet-Séguin ofereceu-nos uma interpretação magnífica da obra, maioritariamente com tempos longos e suaves, alternados com sonoridades violentas e a orquestra no seu máximo esplendor, sobretudo no 2º acto. Os coros extra palco foram outra mais valia marcante.



Mas muito mais importante que a encenação, é a interpretação musical e vocal que garantem o sucesso do Parsifal e ele foi totalmente conseguido com os solistas escolhidos.

O baixo alemão René Pape é o Gurnemanz de referencia, tantas vezes já interpretou o papel. É o narrador da peça, tem uma voz imponente, profunda e bonita, e manteve a qualidade interpretativa ao longo de toda a ópera, tendo sido fabuloso no 3º acto.


O Amfortas foi magistralmente interpretado pelo barítono sueco Peter Mattei. Foi a imagem do sofrimento dilacerante (muito ajudado pela encenação), transmitiu em pleno na potentíssima interpretação vocal o desespero e dor que sofria pela ferida incurável que lhe foi infringida pela lança sagrada que deveria proteger quando, seduzido pela Kundry, entrou no reino do Klingsor. Absolutamente fantástico.



A Kundry da soprano alemã Evelyn Herlitzius foi cenicamente perfeita. A voz é grande, sempre sobre a orquestra, mas agreste no registo mais agudo e, ocasionalmente, tem um vibrato excessivo.



O tenor alemão Klaus Florian Vogt foi um Parsifal irrepreensível. Tem uma voz de timbre muito claro, perfeitamente adaptado à personagem de jovem tolo. Sei que esta minha opinião não é partilhada por muitos, nomeadamente alguns amigos que escrevem neste blogue. Para além da beleza tímbrica e da clareza da emissão, o que mais me impressiona é a delicadeza vocal e facilidade com que Vogt canta, nunca aparentando o mínimo esforço, sendo sempre audível sobre a orquestra, mesmo nos momentos mais introspectivos, imprimindo-lhes uma emoção arrepiante. Mas também usa a voz em forte sempre que necessário e o seu Amfortas! Die Wunde!  foi exemplar. Um espanto!



O Klingsor foi também interpretado ao mais alto nível pelo baixo barítono russo Evgeny Nikiyin. O cantor tem uma voz muito bonita e bem colocada, que se ouviu sempre sobre a orquestra. Vestiu na perfeição a personagem malévola da ópera e a confrontação com a Kundry foi marcante.



Um espectáculo de invulgar qualidade.








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PARSIFAL, METropolitan Opera, February 2018

The opera Parsifal by R. Wagner was on stage at the Metropolitan Opera, in the staging of François Girard. It is a show of great visual impact, although subject to several interpretations.

In the first act the stage is empty, dark, and is crossed in the middle by a course of water that, in the end, turns into blood. In the background there is a constant projection of images of clouds, sandy surfaces or large spheres, an aspect that will remain until the end of the opera. The Knights of the Grail appear in modern dresses, strip off their cloaks and take off their shoes, thus remaining the whole act, standing or sitting in a circle on the left half of the stage. The right half is occupied by women in black. It is there that is Kundry. The spear, the chalice and the swan killed by the Parsifal appear.
In the second act, in the bewitched castle of Klingsor, everything happens in a pool of blood, to the great discomfort of the singers, I imagine. The flower women, with the spears, are dressed in white tunics that get bloody. In the middle enters a bed, where Kundry also tries, in vain, to seduce Parsifal.
In the third act the scene is identical to the first, but the landscape is still more devastated in a post-apocalyptic like period. It begins with a funeral and there are several recent graves scattered around the scene. Parsifal arrives bent and covered with a black cloth, just holding the spear. Everyone is much older. Gurnemanz and Kundry wash the feet of Parsifal, he heals the wound of Amfortas with the spear, and it is Kundry herself who handles the sacred chalice before dying. As Parsifal raises the chalice, the mark that divides the stage in half from the beginning almost disappears. Men and women mix up dressed both in white for the first time. Just at the fall of the curtain, two characters stand up, Amfortas and a woman dressed in black. It is a visually striking staging that leaves many interpretations open.

Canadian and future director maestro of the Metropolitan Opera Yannick Nézet-Séguin offered us a magnificent interpretation of the work, mostly with long and smooth tempi alternated with violent sounds and the orchestra in its maximum splendor, especially in the 2nd act. The extra stage choirs were another remarkable asset.

But much more important than the staging, it is the musical and vocal interpretation that guarantee the success of Parsifal and it was totally achieved with the chosen soloists.

German bass René Pape is the reference Gurnemanz, so many times has played the role. He is the narrator of the opera, maintains an imposing voice, deep and beautiful, and maintained the interpretive quality throughout the performance, having been fabulous in the 3rd act.

Amfortas was masterfully performed by Swedish baritone Peter Mattei. He was the image of the painful suffering (much aided by the staging), transmitted in full in the most powerful vocal interpretation of the despair and pain that he suffered from the incurable wound that was inflicted on him by the sacred spear he was to protect when, seduced by Kundry, he entered the kingdom of Klingsor. Absolutely fantastic.

Kundry by the German soprano Evelyn Herlitzius was blissfully perfect. The voice is large, always over the orchestra, but rough in the highest pitched and occasionally has an excessive vibrato.

German tenor Klaus Florian Vogt was an irreproachable Parsifal. He has a very clear tone voice, perfectly adapted to the character of a young fool. I know that my opinion is not shared by others, especially some friends who write on this blog. Beyond the timbre's beauty and the clarity of the singing, what strikes me most is the vocal delicacy and ease with which Vogt sings, never seeming the least effort, being always audible over the orchestra, even in the most introspective moments, giving them a creepy emotion. But he also uses the strong voice whenever necessary and his Amfortas! Die Wunde! was paradigmatic. An astonishment!

Klingsor was also performed at the highest level by Russian bass baritone Evgeny Nikiyin. The singer has a very beautiful and powerful voice, which has always been heard over the orchestra. He interpreted perfectly the malevolent character of the opera and the dialogue with Kundry was remarkable.

A performance of unusual quality.


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