Texto de camo_opera
A Orquestra do Liceu esteve em muito bom plano sob a direção do jovem
maestro venezuelano-suíço Domingo
Hindoyan que ofereceu uma interpretação rica, dramática, com o tempo certo
e com um volume que respeitou sempre os cantores. O coro também esteve muito
bem nas suas diversas intervenções.
A encenação de Damiano Michieletto
é muito interessante. Modernizando a ópera mais pelos cenários do que pelo
guarda-roupa, utiliza um palco giratório que permite as mudanças de cena com
enorme fluidez e sem qualquer quebra dramática ou de tempo. Depois, utiliza de
forma muito interessante os contrastes entre ambientes mais pobres e ricos,
entre o branco e o negro. Também recorre a duas crianças que representam
Rodolfo e Luisa em pequenos e que acrescentam valor simbólico à encenação,
enriquecendo-a. O recurso a algumas projeções de vídeo (a carta de Luisa a Wurm
enquanto Rodolfo canta Quando le sere al
placido, ou a água a ser tingida do azul do veneno). Bem mais interessante
do que, por exemplo, a encenação clássica do MET. Diria que seria melhor com
uma direção de atores mais cuidada, dinâmica e dramática.
O elenco de cantores foi de muito boa qualidade.
Dos cantores que iam cantar as três personagens principais, sobrou apenas
Piotr Beczala, uma vez que Leo Nucci cancelara o seu Miller meses antes (para
grande fastio meu, uma vez que ia, sobretudo, para o ver), o mesmo sucedendo na
própria tarde da récita com Sondra Radvanovsky que sofria de uma faringite
viral aguda. Estes foram, respetivamente, substituídos pelo barítono americano
Michael Chioldi e pela soprano italiana Eleonora Buratto. Tal significou um
downgrade para o primeiro e o upgrade para a segunda.
Começando por Michael Chioldi,
este desenvolveu bem a personagem, apresentando-se cenicamente convincente e
vocalmente muito competente, sempre comprometido nos duetos com a filha Luisa.
Tem uma voz grande e emissão regular, um timbre bonito, um fraseado elegante.
Foi melhorando ao longo da récita em todos os aspectos, uma vez que tinha
tendência a “ladrar” a última sílaba.
A qualidade da Luisa de Eleonora
Buratto não me surpreendeu. Já a ouvira ao vivo como Susanna em Le Nozze di
Figaro e tinha-me impressionado, pelo que, passados quase 5 anos dessa récita
em Madrid, não seria de esperar uma má evolução para papéis dramáticos. Foi uma
Luisa jovial e apaixonada que se rende ao seu destino fatal de forma decidida,
pelo que cumpriu inteiramente do ponto de vista cénico. Depois, do ponto de
vista vocal, esteve em grande nível. Tem uma excelente tessitura, indo do
registo grave aos agudo de forma elegante e conseguiu (o que é difícil) não
gritar durante a récita, mesmo nas passagens mais difíceis. Os duetos com o pai
Miller e Rodolfo foram muito bons, assim como o seu triste Tu puniscimi, O Signore de enorme qualidade, ou o quarteto à
capela, o final do primeiro ato e toda a cena final.
A grande interpretação da noite foi, contudo, para o tenor polaco Piotr Beczala. Para mim, é o melhor
tenor da atualidade no registo mais dramático e estou mortinho por ouvi-lo em
Otello. Tem construído a carreira de forma muito sólida e tudo o que canta,
canta bem. É daqueles tenores com aura de grande. Como não seria de esperar
outra coisa, esteve cenicamente muito bem (se não foi melhor, creio que se
podem assacar culpas à direção de atores) em todos os atos. E vocalmente esteve
sublime. Tem uns agudo fantásticos, brilhantes e cheios de vida, e é regular ao
longo de toda a récita. Naturalmente, brilhou mais no recitativo O fede negar potessi seguido da ária Quando le sere al placido: um espanto! O
público reagiu com enormíssimo entusiasmo e não o deixou não bisar (foi difícil
porque ele estava a pensar no que ainda lhe faltava!): o bis foi igualmente
excelente, mas mais contido. Brilhantíssima récita de Beczala.
O Conde di Walter de Dmitry
Belosselskiy também esteve em óptimo plano. A voz é bonita, a figura
excelente para o papel e as interpretações vocais e cénicas muito boas. O Wurm
de Marko Mimica também foi de
qualidade, muito embora não goste especialmente do timbre e considere que, se
fosse mais maléfico, não vinha mal à récita.
O elemento mais fraco foi a Federica de J’Nai Bridges que, cumprindo, não encantou nem pela voz, nem pela
parte cénica. O mesmo se pode dizer da Laura de Gemma Coma-Alabert.
No final, saí satisfeito de mais uma grande récita e com o bis de Beczala
para recordar.
LUISA MILLER, Liceu, Barcelona, July 2019
Liceu´s orchestra was very well under the direction of the young
Venezuelan-Swiss conductor Domingo
Hindoyan who offered a rich, dramatic, timely performance and with a volume
that always respected the singers. The choir was also very good in its various
interventions.
Damiano Michieletto's staging is very
interesting. Modernizing the opera more by the scenery than by the dresses, he
uses a revolving stage that allows the scene changes with great fluidity and
without any dramatic break or time. Then he makes a very interesting use of the
contrasts between poorer and richer environments, between white and black. He
also resorts to two children who represent young Rodolfo and Luisa and who add
symbolic value to the performance, enriching it. The use of some video
projections (Luisa's letter to Wurm while Rodolfo sings Quando le sere al placido, or the water to be tinted with the blue
of the poison). Much more interesting than, for example, the classic MET
staging. I would say it would be better with a more careful, dynamic and
dramatic direction of actors.
The cast of singers was of very good quality.
Of the singers who were going to sing the three main soloists, only
Piotr Beczala was left, since Leo Nucci had canceled his Miller months earlier
(much to my annoyance, since I was mostly going to see him), the same happening
in the afternoon of the performance with Sondra Radvanovsky suffering from an
acute viral pharyngitis. These were replaced by American baritone Michael
Chioldi and Italian soprano Eleonora Buratto. This meant downgrading to the
first and upgrading to the second.
Starting with Michael Chioldi,
he performed his character well, presenting himself with a compelling and
vocally very competent performance, always engaged in duets with his daughter
Luisa. He has a big voice and regular emission, a beautiful tone an elegant
phrasing. He improved throughout the performance in all respects as he tended
to “bark” the last syllable.
The quality of Eleonora Buratto’s
Luisa did not surprise me. I had heard her live as Susanna in Le Nozze di
Figaro and I was impressed, so after almost 5 years of that performance in
Madrid, a bad evolution to dramatic roles would not be expected. She was a
jovial and passionate Luisa who surrendered to her fatal fate in a determined
way, and she fulfilled it entirely from a scenic point of view. Then, from a
vocal point of view, she was at a great level. SHE has an excellent tessitura,
ranging from low notes to top register in an elegant manner and managed (which
is difficult) not to scream during the performance, even in the most difficult
passages. The duets with his father Miller and Rodolfo were very good, as were
her sad Tu puniscimi, O Signore of
the highest quality, or the chapel quartet, the end of the first act and the
whole final scene.
The great performance of the evening was of Polish tenor Piotr Beczala. To me, he's the best
tenor in the most dramatic register today, and I'm looking forward to listening
to him as Otello. He has built his career very solidly and everything that
sings, he sings well. He's fone of those tenors with great aura.
Unsurprisingly, he was very well on stage (if not better, I think guilt can be
blamed on the director) in every act. And vocally he was sublime. He has
fantastic, bright and lively treble, and he is regular throughout the performance.
Of course, he shone more brightly in the recitative O fede
negar potessi followed
by the aria Quando le sere al placido: fabulous! The audience
reacted with tremendous enthusiasm and did not let he go unnoticed (it was
difficult because he was thinking of what he still lacked!): The encore was
equally excellent but more restrained. Brilliant perfromance of Beczala.
Count di Walter by Dmitry
Belosselskiy was also a great performance. The voice is beautiful, the
figure excellent for the role and the vocal and scenic interpretations very
good. Marko Mimica's Wurm was also
of good quality, although I do not particularly like the timbre and consider
that if he was more evil, He would be better.
The weakest element was Federica by J'Nai
Bridges, who was not excitiny neither by the voice nor by the scenic part.
The same can be said of Gemma Coma-Alabert's
Laura.
In the end, I left satisfied with another great performance and with
Beczala's encore to remember.