A história narra um duplo desencontro amoroso. A jovem Tatyana, sonhadora e amante da leitura de romances, conhece Eugene Onegin, amigo de Lensky, noivo da sua irmã Olga. Apaixona-se por ele e escreve-lhe uma longa carta de amor mas Onegin rejeita o casamento com Tatyana. Mais tarde encontram-se todos numa festa e Onegin dança e corteja Olga, o que leva Lensky a desafiá-lo para um duelo. Lensky despede-se de Olga e é morto pelo amigo. Anos depois, num baile, Onegin volta a encontrar Tatyana (agora casada com o príncipe Gremin) e declara-lhe o seu amor. Ela também admite que ama Onegin mas é uma mulher casada e pede-lhe que parta porque nunca trairá o marido. Onegin fica só.
A encenação, moderna, de Peter Konwitschny, foi muito eficaz. Logo no início a harpa colocada e tocada no centro do palco foi magnífica. Um jogo de espelhos em todo o palco, pilhas de livros de Tatyana e muitas cadeiras colocaram a acção num período intemporal e retiraram-na da Russia rural de finais do século XVIII. Foram também mais valias a criação de um corredor à frente da orquestra (e com o sacrifício da fila A da plateia) onde os cantores puderam projectar mais facilmente as suas vozes e, sobretudo, a utilização do camarote real no terceiro acto, onde apareceram, entre outros, Tatyana e o marido, o Príncipe Gremin. O guarda roupa foi muito diversificado e rico, o que trouxe encanto adicional ao espectáculo. Houve sempre boa movimentação no palco. Um aspecto negativo foi a falta de estabilidade das cadeiras (pequenas e articuladas) que provocavam facilmente o desiquilibrio dos cantores nas cenas em que tinham de estar (ou caminhar) em pé sobre elas. No segundo acto, o pobre Lensky, condenado por Tchaikovsky a morrer no duelo com Onegin, poderia ter tido o seu triste fim antecipado numa queda das cadeiras, tais os desiquilibrios que teve!
Também muito positiva foi a superior direcção musical do maestro russo Mikail Jurowsky.
E se a Orquestra Sinfónica Portuguesa esteve muito bem, o coro teve, em minha opinião, a melhor prestação do ano. Sempre afinado, nos tempos certos, proporcionou alguns dos momentos altos da tarde.
Nos cantores houve assimetrias importantes.
A soprano ucraniana Natalija Kovalova foi Tatyana. Começou mal mas rapidamente atingiu uma prestação muito aceitável tanto cénica como vocalmente. O papel é grande e exigente, em esforço mostrou alguma tendência para perder a harmonia e resvalar para a estridência, mas globalmente esteve bem. Na cena da carta, talvez a mais importante da ópera, ajudada pelo movimento cénico, foi bastante credível.
Vladimir Lensky foi interpretado pelo tenor sul-africano Musa Nkuna, um residente no Teatro de São Carlos. Acho que não tem envergadura para um papel como este. Cenicamente não foi convincente e vocalmente, se no registo mais agudo esteve razoável, revelou grandes fragilidades e dificuldades de emissão nos registos médio e baixo.
O barítono russo Albert Schagidullin interpretou o Eugene Onegin. Cenicamente esteve bem, mas vocalmente teve uma prestação muito aquém do desejável. Não desafinou mas tem uma voz pequena e anasalada que rapidamente deixa de se ouvir sempre que a orquestra toca mais alto. Foi pena porque a personagem e a produção mereciam melhor.
Nos papeis mais curtos, a mezzo portuguesa Maria Luísa de Freitas fez uma Olga pouco interessante, Laryssa Savchenco, mezzo ucraniana, foi uma Larina (mãe de Tatyana e Olga) com presença mas a voz tem vibrato excessivo, Viola Zimmermann fez uma Filipyevna banal, João Merino deu boa nota como Zaretsky e Carlos Guilherme foi um Triquet notável.
Chegados ao terceiro acto, quando pensei que tudo o que respeitava à qualidade dos cantores estava revelado, surge a grande surpresa da tarde – o baixo russo Alexei Tanovitsky no papel de Príncipe Gremin. Uma explosão de qualidade! Uma voz luminosa, potente e de enorme beleza – verdadeiramente um baixo russo a sério! Para mim, o melhor da tarde e talvez o melhor de toda a temporada.
(Fotografias do programa adquirido no Teatro de São Carlos)
E assim termina (ou quase, pois está ainda “pendurada” a Dona Branca) esta infeliz temporada do nosso São Carlos. Do que vi, começou muito bem, com o Crepúsculo dos Deuses, termina bem com este Eugene Onegin, mas tudo o resto foi muito muito muito fraco. Resta-nos a esperança de que a próxima seja melhor, o que não deverá ser difícil...(mas está ainda no segredo dos deuses o que, em finais de Junho, não é um bom indício!).
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