segunda-feira, 27 de junho de 2016

WERTHER, Royal Opera House, Londres / London, Junho /June 2016

(review in English below)

Werther, de Massenet, esteve em cena na Royal Opera House, Londres em Junho de 2016, numa reposição da bela produção de Benoît Jacquot. Domina a acção o contraste entre a paixão dos protagonistas e o ambiente repressivo da sociedade do século XVIII, numa encenação conservadora e eficaz. Os cenários, de Charles Edwards, são magníficos. O primeiro acto passa-se à entrada da casa onde vivem Charlotte, o pai e irmãos, dominada por uma enorme parede revestida de hera e com uma fonte embutida. O segundo decorre num pátio despido, ao ar livre, coberto de folhas secas. No terceiro, a acção é num salão sombrio da casa de Charlotte e, no último, durante um nevão (um efeito cénico muito bonito), aparece o pequeno quarto de Werther que passa a dominar o centro do palco.



O maestro Antonio Pappano dirigiu superiormente a Orquestra da Royal Opera House.

Nos solistas, todos estiveram ao melhor nível. Joyce DiDonato é uma das minhas cantoras favoritas e, mais uma vez, esteve no seu melhor. Tem uma voz belíssima, não tão escura como a de outras intérpretes da Charlotte, mas a riqueza e sofisticação vocais são insuperáveis. Juntam-se-lhe a interpretação cénica, sempre magnífica, mas que atingiu o ponto cimeiro na leitura das cartas no 3º acto.


Vittorio Grigolo não tem uma voz excepcionalmente bonita, mas interpreta sempre as personagens com total entrega e grande inteligência. Foi o que fez, mais uma vez. A voz é viril, bem colocada, com um registo agudo marcante e seguro. Cenicamente foi excelente, um verdadeiro actor em palco, apaixonado, impulsivo e desesperado, muito ajudado pela agilidade e boa figura que mantém. (Melhor e insuperável nos cantores actuais só o Jonas Kaufmann, na mesma produção, em Paris, que existe gravada em DVD e que é, talvez, a melhor interpretação do Kaufmann que tive oportunidade de ver).


Heather Engebretson cantou a Sofia, irmã de Charlotte. Não a conhecia e fiquei muito bem impressionado. Tem uma voz leve, jovial e bem timbrada, sempre bem audível. A figura franzina da cantora não poderia ser mais adequada ao papel.


Também muito sólido e convincente foi o barítono David Bizic, no papel de Albert, marido de Charlotte. 


Jonathan Summers foi um pai correcto e os cantores secundários Yuriy Yurchuk como Johann e François Piolino como Schmidt também estiveram muito bem.



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WERTHER, Royal Opera House, London, June 2016

Werther by Massenet, was on stage at the Royal Opera House, London in June 2016, a revival of the beautiful production of Benoît Jacquot. The action is dominated by the contrast between the passion of the protagonists and the repressive environment of the society of the eighteenth century, a conservative and effective staging. The scenarios by Charles Edwards are magnificent. The first act is by the entrance of the house of Charlotte, her father and brothers, and is dominated by a huge wall covered with ivy and with a fountain. The second takes place in a bare courtyard, outdoor, covered with dry leaves. In the third, the action is in a dark room of the Charlotte´s house, and the forth act occurs during a snowstorm (a magnificent effect) where the small Werther room appears to take over the center stage.

Maestro Antonio Pappano superiorly directed the Orchestra of the Royal Opera House.

The soloists, all were at their best. Joyce DiDonato is one of my favorite singers and, once again, she was at her best. She has a beautiful voice, not as dark as other interpreters of Charlotte, but the wealth and vocal sophistication are unsurpassed. Also excellent was her performance onstage, always magnificent but reached the top when reading the letters in the 3rd act.

Vittorio Grigolo has not an exceptionally beautiful voice, but he always interpreters the characters with total dedication and great intelligence. He did it again. The voice is strong, well placed, with a striking and secure high register. Scenically he was excellent, a real actor on stage, passionate, impulsive and desperate, greatly helped by the agility and his good figure. (Better and unsurpassed only Jonas Kaufmann, in the same production, in Paris. It is recorded on DVD and that was perhaps the best interpretation of Kaufmann who I had the opportunity to see).

Heather Engebretson sang Sofia, the sister of Charlotte. I did not know her and I was quite impressed. She has a light, youthful and well placed voice, always well audible. The slight figure of the singer could not be more suited to the role.

Also very solid and convincing was baritone David Bizic, in the role of Albert, the husband of Charlotte. Jonathan Summers was a proper father and Yuriy Yurchuk as Johann and François Piolino as Schmidt were also very good.


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segunda-feira, 20 de junho de 2016

NABUCCO, Teatro Nacional de São Carlos, Junho de 2016



José António Miranda, mais uma vez, colabora activamente no blogue com mais este texto que, como sempre, agradecemos.

16/06/2016     Teatro Nacional de São Carlos (Lisboa)
NABUCCO    (Giuseppe Verdi)
Ópera em quatro Actos   (1842)
Libreto: Temistocle Solera, a partir de Nabuchodonosor, de A.Bourgeois e
F.Cornue.
Direção musical: Antonio Pirolli
Encenação: André Heller-Lopes
Cenografia: Renato Theobaldo
Roupas: Marcelo Marques
Luzes: Fabio Retti

Nabucco: Àngel Òdena
Abigaille: Elisabete Matos
Zaccaria: Simon Lim
Fenena: Maria Luísa de Freitas
Ismaele: Carlos Cardoso
Grande Sacerdote: Mário Redondo
Anna: Carla Simões
Sacerdote: André Henriques
Abdallo: Pedro Rodrigues

Orquestra Sinfónica Portuguesa
Coro do Teatro Nacional de São Carlos   Dir: Giovanni Andreoli
Produção: Theatro Municipal do Rio de Janeiro (2011), Recriação TNSC
(2016)


Para um encenador que queira hoje dar-nos a ver esta produção do jovem Verdi abrem-se em princípio duas portas possíveis.

A primeira, a mais fácil de abrir, será contar-nos a história tal e qual, numa perspectiva conservadora e tradicionalista, concebendo portanto mais uma versão literal da narrativa bíblica e assim acrescentando (se para tal tiver engenho) mais um ícone à extensa galeria do folclore que ilustra o mito para consumo popular.

A segunda porta, para cuja abertura se requer um pouco mais de trabalho e alguma ousadia (ou se possível uma centelha de génio), será deslocar de algum modo aquela narrativa para fora dos estritos limites da sua leitura literal, conseguindo desse modo contar-nos uma história cujos referentes, com ou sem transposição temporal, nos sejam familiares hoje.

No caso presente, em que o libreto de Solera nos conta uma complexa história de conflitos entre sírios e hebreus, com violentas guerras nos territórios da Palestina, da Síria e do Iraque, cruéis deslocações de refugiados em confrontos de religiões sectárias e antagónicas, com o habitual cortejo de intolerância e de crueldade, de massacres e escravatura, de imolações, martírios e santificações prometidas em paraísos a conquistar, parece óbvio que a opção por referentes
familiares aos nossos dias estaria facilitada. Nada de mais vulgar nos dias de hoje...

Em qualquer dos casos o trabalho de encenação consistiria em tornar operacional a narrativa, ou seja, contar-nos a história com a fluência mínima necessária para nos levar atrás dela com maior ou menor encantamento e reflexão.

Esse trabalho mínimo não foi porém conseguido desta vez no palco do Teatro Sâo Carlos

O que vimos não foi a narração textual de uma aventura bíblica recheada de instrutivas peripécias compondo o mito para consumo recreativo popular.

Também não nos foi apresentada nenhuma narrativa pedagógica, que por extracção da aventura bíblica nos fizesse de algum modo reflectir sobre a sua contingência e intemporalidade.

De facto o que o encenador nos propôs no palco do São Carlos não foi nem um peplum nem um filme de arte e ensaio, mas apenas um conjunto de cromos, como imagens de Épinal, vagarosamente apresentados como num velho diaporama em três dimensões para nosso inocente saborear.

E o público do teatro, perdida de há longa data a convivência regular com as dinâmicas próprias da narrativa dramática, contentou-se com a proposta e reagiu em consonância. Um exemplo flagrante desse padrão
reactivo foram os aplausos intempestivos irrompendo por cima dos últimos compassos do coral mais emblemático da obra, Va pensiero.

Na realidade neste caso não era necessário esperar pelo fim para ter já tudo visto e apreciado. Os derradeiros momentos orquestrais, que numa perspectiva dinâmica concentram em si e resolvem toda a emoção desenvolvida na peça coral, não eram já necessários, logo podiam ser abafados pelos aplausos.

Expliquemo-nos. De facto, o que nos fora mostrado para ver antes, mero conjunto de cromos com momentos de súbita animação (nesta cena a frenética e brusca escalada do cenário) estava há muito concluído, e portanto a dinâmica da partitura, sem a necessária correspondência dramática e visual, foi naturalmente ignorada.

Como todos sabemos e este exemplo ilustra, os públicos conquistam-se ou perdem-se, educam-se ou desperdiçam-se, e cada teatro tem portanto o público que merece.

Tal como os espectadores do nosso teatro, o coro e a orquestra continuam a evidenciar os resultados da desastrada gestão das últimas temporadas, neste caso porém um pouco atenuados pela gravitas da obra: “noblesse oblige”…

Dos cantores, pobres seres animados colocados em locais predefinidos dos quadros apresentados, apenas destacarei André Henriques, pela inteligência da composição que conseguiu fazer para o seu pequeno papel: qualidade e segurança vocais enxertadas num desempenho dramático simultaneamente fluido e profundo, um ser vivo deambulando num jardim de estátuas cantantes….

JAM    17/06/2016

domingo, 12 de junho de 2016

NABUCCO, Teatro de São Carlos, Lisboa, Junho de 2016 / June 2016

(review in English below)

No Teatro Nacional de São Carlos assistiu-se à representação da ópera Nabucco, de G. Verdi, numa encenação brasileira agradável e intemporal, de André Heller-Lopes, juntando elementos actuais, nomeadamente no vestuário (de Marcelo Marques) com símbolos assírios. Os cenários (de Renato Theobaldo) eram vistosos, dominados por painéis feitos de tubos, pondo em relevo figuras assírias. O momento mais conseguido acontece quando o coro dos escravos hebreus cantam o Va pensiero durante o qual, alguns dos seus elementos, à medida que a música aumenta de intensidade, sobem por uma grade que ocupa a maioria do palco e os aprisiona (a imagem usada para a divulgação da ópera pelo TNSC).


A direcção musical foi de Antonio Pirolli. Por várias vezes houve desencontros na Orquestra Sinfónica Portuguesa e entre esta e os cantores. 


O Coro do Teatro Nacional de São Carlos sob a direcção de Giovanni Andreoli teve uma prestação muito boa, com relevo para o pianíssimo final do famoso Va pensiero.


Passando aos cantores solistas, foi uma tarde gratificante. O barítono espanhol Àngel Òdena foi um Nabucco arrasador, tanto na prestação cénica como vocal. Tem uma voz enorme, muito bonita e expressiva, sempre sobre a orquestra. Foi, de longe, o melhor da tarde e ao nível dos melhores barítonos que se podem ouvir na actualidade. Fantástico!


O grande nome em cartaz foi o soprano Elisabete Matos no papel de Abigaille. Todos esperamos o melhor da nossa compatriota e, mais uma vez, ela fez tudo o que está ao seu alcance para cumprir o que dela se espera. A voz é potente e bem timbrada, embora nem sempre tenha respondido em pleno. Em palco, como habitualmente, ofereceu-nos uma interpretação muito credível.


O baixo Simon Lim foi um Zaccaria de voz grave e agradável, com um bom desempenho cénico. Apenas no registo mais grave perdia alguma qualidade mas, ainda assim, esteve bem.


Maria Luísa de Freitas foi uma Fenena convincente, de voz potente, sempre sobre a orquestra. No registo mais agudo, as notas por vezes saíam mais gritadas que cantadas.


O jovem tenor Carlos Cardoso foi excelente. A interpretação vocal foi muito convincente, voz de timbre bonito e sempre bem audível, sem gritar. Cenicamente esteve também ao mais alto nível, muito ajudado pela sua juventude e boa figura. Foi um dos melhores tenores que se ouviu em São Carlos nos últimos tempos. Esperemos que volte rapidamente.


Nos papéis secundários ouvimos outras boas interpretações. André Henriques foi um Grande Sacerdote com presença, Carla Simões foi excelente (voz muito bonita) como Anna e Pedro Rodrigues foi um Abdallo muito digno e com presença cénica marcante.


Um espectáculo muito bom a encerrar a temporada de ópera do Teatro de São Carlos







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NABUCCO, Teatro São Carlos, Lisbon, June 2016

In Teatro Nacional de São Carlos one could see the opera Nabucco by G. Verdi, in a pleasant and timeless Brazilian staging by André Heller-Lopes, joining contemporary elements, in particular clothing (by Marcelo Marques) with Assyrian symbols. Scenarios (by Renato Theobaldo) were showy, dominated by panels made of tubes, emphasizing Assyrian figures. The most accomplished moment happened when the chorus of the Hebrew slaves sang Va pensiero during which some of its elements, as the music increases in intensity, go up by a grid that occupies most of the stage and imprisons them (the image used for the announcement of the opera by TNSC).

The musical direction was by Antonio Pirolli. Several times there were dissonances in the Portuguese Symphony Orchestra and, above all, between the orchestra and the singers. The Choir of the Teatro Nacional de São Carlos under the direction of Giovanni Andreoli had a very good performance, with emphasis on the final pianissimo of the famous Va pensiero.

Turning to soloist singers, it was a rewarding afternoon. Spanish baritone Àngel Òdena was an amazing Nabucco, both scenic and vocal. He has a huge voice, very beautiful and expressive, always over the orchestra. He was by far the best of the afternoon and he is at the level of the best baritones that can be heard today. Fantastic!

The big name on display was soprano Elisabete Matos in the role of Abigaille. We all hope the best of our compatriot and, again, she did everything in her power to fulfill what is expected from her. The voice is powerful although not always answering in full. On stage, as usually, she offered us a very credible interpretation.

Bass Simon Lim was a Zaccaria with a pleasant well audible voice, with a good stage performance. Only in the low register he lost some quality but still did well.

Maria Luisa de Freitas was a convincing Fenena, in a strong voice, always over the orchestra. In the top register, the notes sometimes were more shouted than sung.

The young tenor Carlos Cardoso was excellent. The voice was very convincing, beautiful timbre and always well audible without screaming. Scenically he was also at the highest level, greatly helped by his youth and good figure. he was one of the best tenors that sung in São Carlos Theater in recent times. We hope he will come back soon.

In supporting roles there were other good performances. André Henriques was a high priest with presence, Carla Simões was excellent (beautiful voice) as Anna and Pedro Rodrigues was a very worthy and remarkable Abdallo.

A very good performance to close the opera season of the Teatro de São Carlos


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