Tinha bilhetes
para a récita de hoje da ópera La Bohème e, tal como nas 4 datas anteriores,
não se realizou o espectáculo porque o pessoal do Teatro de São Carlos está em
greve. Não estou suficientemente informado para julgar da justiça desta greve mas é lamentável que se tenha chegado a esta situação.
Por parte dos
grevistas não houve o menor respeito pelo público que é (ou deveria ser) o
objecto principal do seu trabalho. Seguramente arranjariam formas alternativas
para demonstrar a sua insatisfação.
Mas muito pior e
uma verdadeira vergonha é a forma como a tutela encara a Arte em geral e a
Ópera em particular. E não é só de agora, embora não se vislumbre nada de
melhor neste País real onde os nossos políticos não vivem. Portugal tem apenas
um teatro de ópera, o Teatro Nacional de São Carlos. De há uns anos a esta
parte as temporadas operáticas que apresenta são miseráveis, com meia dúzia de obras
em cada ano, algumas em versão concerto. Muito poucos espectáculos e, nessa
escassez, várias obras pouco conhecidas do público não especialista.
Não é assim que se
pode incentivar o interesse por esta forma suprema de arte que é a ópera. Não é
assim que temos possibilidade de levar os nossos filhos a novas experiências
artísticas. Não é assim que damos a possibilidade aos bons músicos portugueses
de cá trabalhar, vendo-se também forçados a emigrar, como tantos
outros. Não é assim que se cativa o público, muito pelo contrário (basta ver o
comportamento durante os espectáculos de parte do público actual).
Olhando para a
Europa, tenho dificuldade em encontrar um País que trate tão mal a ópera como
Portugal. As temporadas apresentadas nos últimos anos são mais fracas que as
temporadas de teatros regionais da grande maioria dos Países europeus (e não
estou a falar da Alemanha, Itália, França, Áustria, Reino Unido ou Espanha!).
Este ano, as
muito escassas produções apresentadas foram até bem cantadas, mas nem sempre
tem sido assim. Tenho pena, como português que gosta muito de ópera, de estar
limitado a assistir, no País, quase só a espectáculos enganadores: transmissões
dos grandes teatros de ópera actuais, muito boas na Fundação Gulbenkian,
deficientes nos cinemas, más na televisão, mas todas com amplificação vocal e
sem se desfrutar do espectáculo completo que é a ópera.
A Ópera não é isto. Mas este é o nosso triste fado!!
A Ópera não é isto. Mas este é o nosso triste fado!!
La Bohème, Teatro
Nacional de São Carlos - All performances cancelled by strike!
I had
tickets for today's opera La Bohème and, as on the previous four dates, the performance
was cancelled because the staff of the Teatro de São Carlos is on strike. I am
not sufficiently informed to judge of the justice of this strike, but it is
regrettable that this situation has been reached.
On the part
of the strikers there was not the slightest respect for the public that is (or
should be) the main object of their work. Surely they would find alternative
ways to demonstrate their dissatisfaction.
But much
worse and a real shame is the way the government faces Art in general and Opera
in particular. And not only now, although nothing better is seen in this real
country where our politicians do not live. Portugal has only one opera house,
the Teatro Nacional de São Carlos. From a few years ago to today the operatic
seasons presented are miserable, with half a dozen works in each year, some in
concert version. Very few performances and, in this shortage, several unknown
works of the non-specialist audience.
This is not
how one can encourage interest in this supreme form of art that is opera. This
is not how we are able to bring our children to new artistic experiences. This
is not how we give the good Portuguese musicians the opportunity to work in the
country, and they are forced to emigrate, like so many others. This is not the
way the audience is captivated, quite the opposite (just reflected the behavior
during the performances by the current public).
Looking at
Europe, I find it difficult to find a country that treats opera as badly as
Portugal. The seasons presented in recent years are weaker than the regional
theater seasons of the vast majority of European countries (and I'm not talking
about Germany, Italy, France, Austria, UK or Spain!).
This year,
the very few productions presented were even well sung, but it has not always
been so. I regret, as a Portuguese who really likes opera, to be limited to
watching, in the country, almost only misleading spectacles: broadcasts from
the great opera houses, very good at the Gulbenkian Foundation, deficient in
cinemas, bad on television, but all with vocal amplification and without
enjoying the complete show that is the opera.
This is not opera. But it's our sad fate!!
This is not opera. But it's our sad fate!!
Uma pena, de facto. Só assisti uma vez à La Bohéme e foi em 1986 com a Cotrubas e com a Helena Vieira a cantar a Musetta. Lembro-me que a passagem do 1º quadro para o 2º quadro foi feito com uma pequena interrupção, sem saída da sala, com um trabalho notável de bastidores e da equipa técnica, pois o 2º quadro era deslumbrante e o trabalho rápido e conseguido foi aplaudido ao subir o pano. É tempo de se fazer justiça ao trabalho dos técnicos do S. Carlos. Lembro-me ainda do trabalho notável da passagem para a cena final do Werther que vi e que voltou há pouco tempo, na encenação do Graham Vick, e que só foi possível por haver uma excelente equipa técnica por detrás da cena e dos cantores.
ResponderEliminarJoão Alves, também assisti a esse espectáculo, foi a minha primeira La Bohème, que muito me marcou. A Cotrubas alternou com a Elsa Saque (vi as duas) e, para além da Helena Vieira (Musetta), também cantaram Vicenzo Bello (Rodolfo), José de Freitas (Schaunard), Radoslaw Zukowski (Colline) e o jovem José Fardilha, já um excelente Marcello! Claro que não me recordava de todos estes nomes, fui ver aos meus registos.
EliminarMas foram outros tempos, em que tínhamos temporadas muito boas e cantores de grande qualidade, muitos nacionais e vários estrangeiros.
Recordo essa temporada de Ópera de 1985-1986 que ilustra bem o contraste com o que se passa actualmente, como escrevi acima:
- O Cavaleiro da Rosa (Strauss) em Novembro
- Ascensão e Queda da Cidade de Mahagony (Brecht e Weill) em Dezembro
-La Bohème (Puccini) em Fevereiro e em Julho
- O Rapto do Serralho (Mozart) em Março
- Fidelio (Beethoven) em Março/Abril
- Roberto Devereux (Donizetti) em Abril
- Attila (Verdi) em Maio
- Rigoletto (Verdi) em Junho
- Falstaff (Verdi) em Junho
- Três Máscaras / Prima la Musica poi le Parole (Salieri) em Julho.
Onze óperas diferentes, todas encenadas, com grandes cantores e de vários períodos. Predomínio de óperas bem conhecidas (como fazem actualmente os grandes teatros de ópera internacionais) e uma ou outra novidade.
Que saudades dos tempos em que havia no nosso único teatro de ópera uma programação digna de uma capital europeia!!
Acredite que os trabalhadores do TNSC sabem que o objectivo principal e a missão maior daquela casa é o público. É para esse público que trabalhamos todos os dias! Infelizmente quando todas as opções se esgotam a greve é a única opção. Ninguém faz greve por gosto, na realidade é uma dor de alma para todos, depois de semanas de trabalho árduo, não dar a oportunidade ao público de desfrutar desta produção. Temos esperança que, apesar desta vez termos “desiludido” o nosso público, isto sirva para que no futuro mais e melhores produções subam ao palco que tanto amamos.
ResponderEliminarCompreendo o que escreve mas acho que cometeram um grave erro com a greve. Traíram o único apoio que realmente podem ter, o público.
EliminarA tutela faz de conta mas, na realidade, nem quer saber que a ópera existe, basta ver o empenho que tem havido nos últimos anos (e o artigo da ministra da cultura de hoje no Público é bem esclarecedor).
De entre os autores habituais deste blogue, quatro foram durante muitos anos assinantes da temporada operática do São Carlos. Desde há dois anos resto apenas eu e, confesso, estou a considerar seriamente também deixar de o ser. Felizmente tenho o enorme privilégio de poder assistir a bons espectáculos de ópera no estrangeiro (como pode ver no blogue). Para quê gastar tempo e dinheiro em Lisboa com estes resultados? (Desta vez, por exemplo, estava fora de Portugal e regressei dois dias mais cedo do que o previsto especificamente para ver este espectáculo. Infelizmente, e com prejuízo da minha actividade profissional, em vão...).
Lamento, mas nunca será assim que conseguirão ter a compreensão (muito menos o apoio) do público.
Caríssimo Fanático_Um, lastimando, antes de mais, uma eventual intromissão na discussão em curso, permita-me a partilha de uma opinião diversa. Conquanto os constrangimento infligidos pela greve a um público ainda indefectível sejam patentes, a progressiva erosão programática que identificou, incompaginável com o nível aparentemente ostentado por teatros europeus de média dimensão, não mais será que o mero reflexo da obsolescência estrutural do organismo no qual o São Carlos se integra. No decurso da derradeira década, a paulatina degradação das plataformas de entendimento entre a tutela e os corpos artísticos e técnicos, agravada por um conjunto de indefinições e nomeações de alcance equívoco, lograram confluir na presente forma de protesto, ainda que plenamente justificável, surpreendentemente tardia, face ao contexto esboçado.
EliminarÉ lamentável para o público que a temporada de ópera que apresentam, seja tão deplorável!Da minha parte, enquanto este director artístico estiver sob os comandos do teatro, não comprarei bilhetes,só se houver alguma mudança de estratégia...Porque é que o teatro não fez as "ditas" obras entre Agosto a Dezembro de 2018?? São quatro meses, com certeza, dá para corrigir alguma situação que esteja anómala!!??
ResponderEliminarApoio esta greve, por parte dos funcionários do São Carlos, só assim é que poderão ver as suas reivindicações esclarecidas.Ainda me faz alguma espécie a OPART, para que é que serve?? Para Boys and girls??!! Uma entidade servidora de dinheiro público!! Porque no fundo não serve precisamente para NADA!!
Concordo plenamente com o teor do comentário de Fanatico_Um. Lisboa é uma capital europeia cada vez mais em voga. Temos um belo teatro de ópera e temos temporadas de ópera exíguas e medíocres. Como disse e bem Fanático_Um, abaixo do nível de qualidade de muitos teatros regionais europeus. Também fui assinante das temporadas de ópera do São Carlos até uns anos atrás. Agora vou esporádicamente a alumas récitas e este ano ainda não pus os pés no São Carlos. Eu acho que a culpa da situação actual não será só dos nossos governantes mas também da nossa elite cultural, a qual não estará muita interessada no problema e não fazer pressão para que as coisas mudem.
ResponderEliminarA fim de que possamos aqui reunir tantas vozes quantas possível, permitam-me juntar-me à discussão e manifestar a minha concordância com o que o Fanatico_Um escreveu. Sou outro ex-assinante que desistiu de assinar. Quanto a esse assunto, talvez escreva separadamente. Quanto ao tema da greve, creio que mais facilmente compreendo os grevistas do que o órgão de gestão porque o cancelamento de todas estas récitas é prova inequívoca de que o órgão não está a conseguir gerir os seus recursos humanos. Acresce a esta crise uma crise de gestão artística que tem sido perpetuada (com altos e baixos) desde a direção artística do Sr. Dammann. Os artistas e o público do teatro devem ser urgentemente ouvidos para desenhar uma solução que responda conjuntamente às exigências do teatro como entidade empregadora do Estado e como empresa com finalidade de produção de conteúdo artístico.
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