(Review in English below)
Ontem assisti à transmissão em directo do MET Live in HD da ópera Die Meistersinger von Nürnberg de Richard Wagner.
Trata-se de um drama musical (ou ópera) em 3 actos composto desde 1845 e só estreado na totalidade em 1868. A música e o libreto são, como não podia deixar de ser, da mesma pessoa: Richard Wagner. Mas esta ópera tem características diferentes das restantes óperas estreadas antes: desde logo é uma ópera cómica — fugindo à tradição (muito) séria de Tristão e Isolda ou do Anel de Nibelungo — e apresenta alterações da forma, regressando a uma forma operática mais clássica com árias, quintetos, etc.
A influência da filosofia de Schopenhauer é notória e personifica-se no homem de carácter nobre e na sua renúncia da vontade: Hans Sachs. A sua ária Wahn, Wahn, überall Wahn é como que um manifesto dessa filosofia.
Poderão ler uma sinopse no site do Metropolitan.
É uma ópera de grandes dimensões, tendo uma duração média de 4h30min de música contínua (com os intervalos são cerca de 6 horas), o que a torna difícil para principiantes. A maratona não é para todos e isso notou-se pelas desistências que foram deixando lugares vazios numa sala incialmente repleta. Mas desengane-se quem pense que foi por falta de qualidade.
A encenação é a já antiga de Otto Schenk. Como lhe é característico, a dimensão dos cenários é enorme, a atenção ao detalhe é inigualável e a narrativa que permite da história é de uma fluidez tremenda. Segue o texto de forma brilhante e só não se percebem mais pormenores porque o realizador da transmissão não atingiu o mesmo brilhantismo do encenador. Digo isto porque esses pormenores (por exemplo, quando Eva esconde propositadamente o véu na igreja para ganhar tempo para falar com Walther) são visíveis na realização de Brian Large do DVD de 2002, mas não na transmissão de ontem.
O primeiro acto passa-se numa igreja, onde decorre a celebração e, depois, a reunião dos Mestres Cantores.
O segundo acto, passa-se na rua que é uma enorme escadaria rodeada por edifícios baixos e onde Sachs trabalha ao ar-livre, martelando as solas dos sapatos de Beckmesser. No final transforma-se num enorme tumulto.
O terceiro acto decorre às portas de Nuremberga num terreno amplo onde foi montada uma estrutura para a festa. Há um pormenor interessante que mostra a riqueza do detalhe. Na muralha há uma bandeira que está sempre a esvoaçar: terá de haver uma ventoinha para que se crie o efeito.
É, pois, uma encenação muito interessante, vistosa e eficaz.
A Orquestra do MET foi dirigida pelo semideus do teatro: James Levine. O estatuto é merecido, diga-se. As suas interpretações de Wagner são muito famosas e não é por acaso. James Levine eleva a orquestra a níveis estratosféricos e Wagner, por certo, regozijar-se-á com uma interpretação tão viva, cuidada, clara nas linhas melódicas e coordenada. A interpretação foi magnética!
Também o Coro do MET teve uma performance de nível muito alto.
Relativamente aos cantores. Não vou nomear um a um a extensa lista dos cantores com papéis menos relevantes. Direi apenas que se apresentaram globalmente com um nível elevado, a fazer jus à qualidade que tornou o MET um palco de referência.
Tivemos a estreia de Paul Appleby em papéis mais relevantes. Trata-se de um tenor do programa de formação do MET que se apresentou evidenciando muita segurança no seu curto papel, mas relevante e muito belo. A voz é viva e límpida, a técnica segura e Appleby esteve interpretativamente muito bem. Cenicamente foi muito empenhado, mostrando-se um David de muita categoria. Tal como Polenzani que também fez este papel e é um tenor da alta roda, Appleby poderá ter um futuro interessante como intérprete solista internacional. A sua amada Magdalena foi interpretada pelo meio-soprano Karen Cargil que esteve, igualmente, em evidência pela formas vocal e cénica que apresentou.
O Pogner do baixo Hans-Peter König foi imenso. O cantor tem uma das vozes mais bonitas no seu registo, a amplitude vocal é incrível e a facilidade com que canta e interpreta fazem deles um cantor de topo. Acresce que a sua figura — alta, bonacheirona e já a denotar a idade — o fazem perfeito para o papel. Não se pode pôr um jovem a cantar este papel: em 2002, René Pape era o pai de Karita Matilla...
Johannes Martin Kränzle interpretou Sixtus Beckmesser de forma interessante. Vocalmente esteve bem, mas foi cenicamente que se destacou pela comicidade que deu à personagem (excelente 3.º acto!) e que o tornaram motivo da chacota do povo.
A Eva de Annette Dasch tem uma excelente figura para o papel e interpretou com harmonia, jovialidade e leveza esta personagem wagneriana. O timbre da sua voz é bonito e o fraseado elegante. Foi (talvez) aqui e acolá um pouco mais estridente nos agudos, mas foi uma Eva de qualidade.
Johan Botha é um heldentenor por excelência e, como tal, fez um Walther von Stolzing de qualidade vocal superlativa. A facilidade com que lhe saem aqueles agudos rápidos e pontudos de Wagner é incrível e a sua voz é muito bonita. Que pena que tenha tanto peso: é um «barril»! [desculpem-me a comparação]. Isso dificulta-lhe muito a teatralidade e limita-o bastante. Torna uma aberração quando Eva o compara a David — o baixinho e magro David que matou o gigante e musculado Golias. Mas, paradoxos à parte, é um tenor incrível, um dos melhores intérpretes de Wagner da actualidade e deu-me imenso prazer ouvi-lo!
Propositadamente, deixo Michael Volle para o fim. Curvemo-nos perante o Hans Sachs deste barítono. Que interpretação de luxo: valeu-lhe um enorme triunfo no MET, mas de todo merecido. É difícil encontrar palavras para descrever a sua performance. Se vocalmente esteve muitíssimo bem e tem uma voz lindíssima, cenicamente foi um assombro. Humanizou a personagem Sachs de um modo soberbo, mostrando as suas angústias, paixões, irritações, preocupações e sabedoria. Confesso que adoro a postura mais contida e patriarcal de James Morris neste papel, mas esta de Volle contrasta pela adoção de um estilo mais terreno e provável. É por cantores como ele que a ópera é uma arte viva e que se prendem audiências. Que privilégio para quem lá esteve!
Esta récita dos Mestres Cantores de Nuremberga foi um espectáculo memorável. A sensação de magnetismo e vibração estética não se explica, mas sente-se. E isso é o que distingue um bom de um excelente espectáculo.
Nesta ligação ficam, ainda, alguns vídeos que o site do MET disponibiliza.
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(Review in English)
Yesterday, I attended to Richard Wagner's Die Meistersinger von Nürnberg broadcast of the MET Live in HD series.
It is a musical drama (or opera) in three acts composed since 1845 and only premiered in its entirety in 1868. The music and libretto are, as it could not be, of the same person: Richard Wagner. But this opera has characteristics different from other operas released before, it certainly is a comic opera - evading traditionally (very) serious operas as Tristan and Isolde, or the Ring of the Nibelung - and presents changes in the form, returning to a more classic operatic form with arias, quintets, etc.
The influence of Schopenhauer's philosophy is notorious and embodies on the noble nature of man and his renunciation of the will: Hans Sachs. His aria Wahn, Wahn, Wahn überall is like a manifesto of this philosophy.
You can read a synopsis in the Metropolitan site.
It is an large opera, with an average of 4h30min of continuous music (with the intervals is about 6 hours), which makes it difficult for beginners. The marathon is not for everyone and it was noted by the withdrawals which were leaving empty seats in a room filled initially. But it was not because tof poor quality. Not at all.
The staging is already old from Otto Schenk. As is characteristic of him, the size of the scenarios is huge, attention to detail is second to none and the narrative that allows the story is of tremendous fluidity. Follows the text brilliantly and just do not realize further details because the director of the transmission did not reach the same brilliance of stage director. I say this because these details (for example, when Eva purposely hides the veil in the church to make time to speak to Walther) are visible in the accomplishment of Brian Large in the 2002 DVD release of the same opera.
The first act takes place in a church, where celebration and then the meeting of the Meistersinger occur.
The second act takes place in the street which is a huge staircase surrounded by low buildings and where Sachs is working in open-air, hammering the soles of Beckmesser' shoes. . At the end it becomes a huge uproar.
The third act takes place at the gates of Nuremberg on a large terrain in which was set up a structure for the party. There is an interesting detail that shows the richness of details. In the wall there is a flag that is always fluttering: there must be a fan in order to create the effect.
It is therefore a very interesting staging, showy and effective.
The MET Orchestra was directed by the theater demigod: James Levine. The status is deserved, I must say. His interpretations of Wagner are very famous and it is no coincidence. James Levine brings the orchestra to stratospheric levels and Wagner, of course, shall rejoice with an interpretation so alive, careful, clear in the melodic lines and so coordinated . The interpretation was magnetic!
The MET Chorus had also an excellent performance.
Regarding singers. I will not nominate one by one the long list of singers with less relevant roles. I will just say that broadly presented with a high level, to do justice to the quality that has made MET a reference stage.
We had the debut of Paul Appleby in more important roles. He is a tenor of the MET training program that presented himself showing great confidence in his short role but relevant and beautiful. The voice is lively and clear, safe technique and was interpretively well. Scenically he was very committed, showing us a David of enormous category. As Polenzani, Appleby could have an interesting future as an international soloist. Your beloved Magdalena was performed by the mezzo-soprano Karen Cargill which was also highlighted by the vocal and scenic form she presented.
The bass Hans-Peter König was immense as Pogner. The singer has one of the most beautiful voices in the bass registry, the vocal range is amazing and the ease with which he sings and plays make him a top singer. Moreover, his figure - tall and warmfully kind already denoting he is agging - make him perfect for the role. You can not put a young man in this paper.
Johannes Martin Kränzle played Sixtus Beckmesser in an interesting way. Vocally he was fine, but it was by his scenic skills that he highlight himself proving to be very comic turning him the reason for everyone laughing.
Annette Dasch has an excellent figure for the role of Eva that she performed with harmony, playfulness and lightness . The timbre of her voice is beautiful and elegant phrasing. She was (perhaps) here and there a bit more strident in acute, but it was an Eva of great quality.
Johan Botha is a heldentenor par excellence As such, he made a Walther von Stolzing of superlative voice quality. The ease as he leave those quick and sharp wagnerian trebles is amazing and his voice is very beautiful. Too bad he has so much weight: he is a barrel! This makes it difficult theatricality limited him too much. It becomes an aberration when Eva compares Walther to David - the short and skinny David that kill the musculous giant Goliath. But paradoxes aside, he's an amazing tenor, one of the best Wagner interpreters of our time and gave me great pleasure to he him!
Purposely I let Michael Volle to the end. Let us bow before the Hans Sachs of the baritone. What luxury interpretation: he earned a huge triumph at the MET, but all deserved. It's hard to find words to describe his performance. If vocally he was extremely well and has a beautiful voice, scenically he was a wonder. He humanized Sachs character in a superb way, showing his troubles, irritatability, concerns and wisdom. I confess I love the more restrained posture and patriarchal attitude of James Morris in this role, but this contrasts by the adoption of a more grounded and probable style. It is for singers like him that opera is a living art and people adhere massively to the halls . What a privilege for those who were there!
This recitation of the Master Singers of Nuremberg was a memorable show. The feeling of magnetism and aesthetic vibration can not be explained, but only felt. And that is what distinguishes a good from an excellent show.
Foi, de facto, uma récita memorável (uma estreia para mim) e, ao vivo, deverá ter sido marcante!
ResponderEliminarLembra-me a récita a que assisti em Zurique, dirigida por Phillipe Jordan, em que já Michael Volle fazia um Hans Sachs.de eleição. Mesmo a encenação parece corresponder em tudo a essa do MET - não me lembro se era a do Schenk. Ainda bem que sobrevive às modas (foi em 2010).
ResponderEliminarÉ uma pena não vir ao S. Carlos.
O 3º acto foi estonteante de pujança, ritmo e vitalidade. Parece que assim continua :)