(review in english
below)
Da autoria de João Baptista, um comentador habitual do blogue, recebemos este excelente texto que agora publicamos. Em nome dos "Fanáticos da Ópera" expresso um "muito obrigado" pela valiosa contribuição.
Esta co-produção entre a Bayerische Staatsoper e a San
Francisco Opera, da responsabilidade de Vincent
Boussard, foi já objecto de crítica neste blog em Junho de 2011, tendo por
referência uma récita de Abril do mesmo ano, na Bayerische Staatsoper, em
Munique.
Tive a oportunidade de assistir a uma récita desta produção
no passado mês de Junho de 2014, também na Bayerische
Staatsoper, e gostaria de transmitir as minhas impressões, procurando não
repetir o que o autor do blog já escreveu, de total propriedade, a propósito da
mesma.
A ópera.
A ópera I Capuleti e
i Montecchi foi composta em pouco mais de um mês para o “La Fenice”, dada a
exiguidade do prazo dado a Bellini.
Inicialmente, o “La Fenice” tinha encomendado uma nova ópera a Giovanni Pacini;
todavia, como este estava ainda a terminar uma encomenda para Turim, o
intendente do teatro celebrou um contrato provisório com Bellini, para o caso
de Pacini falhar, o que veio a suceder.
Pressionado pelo tempo, Bellini acabou por recorrer a muito
material já composto para as suas óperas “Zaira” (e também a “Adelson e
Salvini”, a sua primeira ópera, de onde provém a melodia usada na cavatina de
Giulietta), a qual merecera fraco acolhimento do público aquando da estreia e
que acabou por cair no esquecimento. De modo injusto, diria eu, pois a música
é, na sua maioria, de grande inspiração melódica e propiciadora de alguns
momentos dramáticos bastante bem conseguidos.
O enredo da ópera roda em torno da conhecida história de
“Romeu e Julieta”, embora o libreto tome por base não a tragédia de Shakespeare
(que não era sequer conhecida de Bellini e do libretista, Felice Romani), mas sim outras fontes italianas e francesas, o que
explica alguns desvios à trama mais conhecida. Aliás, o libretto fornecido a
Bellini por Romani é uma revisão daquele que o mesmo libretista havia escrito,
5 anos antes, para a ópera “Giulietta e Romeo”, de Nicola Vaccai.
Por outro lado, Bellini também acabou por ir introduzindo
algumas modificações na partitura, por forma a adaptá-la a outros palcos e/ou
cantores.
Aliás, a partir de 1832, por influência da grande Maria
Malibran, que considerava o final composto por pouco adequado à exibição dos
seus dotes vocais, passou a ser frequente a substituição da cena final da ópera
de Bellini pela da ópera de Vaccai, a qual contempla uma cena e ária para
Giulietta, já depois da morte de Romeo. Como curiosidade, na gravação dirigida
por Roberto Abbado, com Kasarova, Mei e Vargas (RCA 1997) pode ouvir-se todo o
final do 2º acto da ópera de Vaccai, bem como uma versão alternativa da
cavatina de Romeo do 1º acto, com ornamentação vocal de Rossini.
Revertendo agora à récita a que assisti, diria que a encenação é, como referiu o Fanatico_Um, algo bizarra e, na maioria das vezes, difícil de compreender. O encenador faz de Gulietta uma espécie de noiva alienada, sempre vestida de branco e descalça, como se estivesse num mundo à parte. Exemplo disso parece-me ser a 2ª cena do 1º acto, passada no seu quarto, onde apenas existe um lavatório. Giulietta empoleira-se no mesmo, tentando alcançar uma imagem de dois amantes suspensa do tecto, que talvez simbolize uma união dos amantes inalcançável. Também na cena final da ópera, antes de acordar do sono induzido e perante a presença de Romeo, Giulietta fica numa espécie de transe, como que paralisada e indiferente à presença do seu amado.
Os elementos femininos do coro, para além dos vestidos vistosos
(concebidos por Christian Lacroix),
surgem quase sempre com flores na boca, como se fossem meros elementos
decorativos num mundo dominado por homens, que com aquelas contrastam pela
seriedade e sisudez das suas indumentárias, compostas de fraques e cartolas.
Seja como for, embora algo estranha e nem sempre
compreensível (pelo menos para mim), a encenação não atraiçoa o espírito da
ópera e o seu fulcro dramático, que é, na minha opinião, o conflito de
Giulietta entre o amor a Romeo e os deveres para com a família (5ª cena do 1º
acto), nem é contraditória com o que a música e o texto vão revelando em cada
momento.
A cenografia é algo monótona, sempre em tons de cinzento,
embora coerente com a concepção da produção, pois permitia contrastar a alvura do
vestido de Giulietta e o colorido dos elementos femininos. O jogo de luzes foi
bastante eficaz.
Os
cantores
Quando adquiri os bilhetes, a minha grande expectativa era
ouvir a mezzo Elina Garanca no papel de Romeo. Todavia, tais expectativas
acabaram por sair goradas, pois a grande cantora letã havia sido mãe há pouco
tempo e foi substituída por Silvia Tro Santafé, mezzo espanhola que eu não
conhecia.
Não obstante esta decepção por não ouvir Garanca,
musicalmente Santafé esteve sempre muito bem. O seu timbre não é tão quente e
aveludado como o de Garanca ou tão andrógino como o de Kasarova, mas mais
feminino e juvenil. Trata-se de uma mezzo-soproano lírica com uma voz bonita e
clara, agudos fáceis e graves não muito encorpados e um vibrato rápido.
Compôs uma personagem dramaticamente credível, saindo-se bastante bem nas
passagens mais graves, onde a voz desceu sem dificuldades.
O papel de Giulietta ficou a cargo da soprano russa Ekaterina Siurina, que esteve sempre
bastante bem: voz cheia, bem colocada, com agudos sempre seguros e bem
timbrados. Se a ideia da encenação era mostrar uma Giulietta algo alienada e
ensimesmada, penso que Siurina correspondeu integralmente à concepção.
Excelente foi a prestação do tenor Matthew Polenzani, no papel de Tebaldo. Desde logo, pela excelente
colocação de voz e pela elegância do canto. O timbre pareceu-me menos nasalado
do que em algumas transmissões do Met mais recentes, designadamente no
“L’Elisir d’Amore” de 2012. Boa presença em palco.
Goran Juric foi um Capellio algo deficiente. Voz
muito velada, sem profundidade e pouco audível, acabou por compor um patriarca
dos Capuletos muito pouco credível.
O barítono Andrea
Borghini cumpriu com mérito o papel de Lorenzo.
A orquestra esteve sempre em bom nível (apenas notei alguns
pequenos desacertos no início), o mesmo valendo para o coro, que cantou com boa
articulação e clareza.
A direcção de Riccardo
Frizza foi dinâmica, mantendo o sentido de propulsão da música, ao mesmo
tempo que sustentou bem os cantores.
Em suma, uma experiência musicalmente bastante gratificante
e, cenicamente, desafiadora.
Uma última nota. Tenho lido relatos muito elogiosos sobre a
compostura do público germânico na ópera. Foi também essa a minha experiência
noutra ocasião em que assisti a uma récita de ópera na Alemanha. Infelizmente,
desta vez, houve momentos em que pensei estar no S. Carlos ou na Gulbenkian,
pois a conversa ciciada, os barulhos de remexer em malas e em papel ou
celofane, foram bem audíveis e excessivamente frequentes.
I CAPULETI E I MONTECCHI,
Bayerische Staatsoper, Munich, June 2014
By João Baptista
This
co-production between Bayerische Staatsoper and San Francisco Opera, staged by
Vincent Boussard, has already been reviewed in this blog in June 2011, with
reference to the performance that took place in April 2011 at the Bayerische Staatsoper in Munich .
I had the chance
to attend this performance last June 2014, also at the Bayerische Staatsoper,
and would like to write my impressions, trying not to repeat what the blog
author has written, concerning that same opera.
The opera.
I Capuleti e I
Montecchi was composed in over a month to «La Fenice», given
the tight schedule imposed to Bellini. Initially, La Fenice had commissioned a
new opera to Giovanni Pacini; however, since he was still finishing an order
for Turin , the
theater intendant celebrated a provisional agreement with Bellini, in case
Pacini failed, which turned out to happen.
Under
pressure due to lack of time, Bellini resorted to work he had composed for his
operas Zaira (as well as Adelson e Salvini, his first opera, from
where the melody used in Giulietta’s cavatina
was taken), which was not very welcomed by the public after its premiere and
fell into oblivion. I would say it was unfair, because the music, in its
majority, is of great melodic inspiration and favors some really well achieved
dramatic moments.
The
plot is about the well-known story of Romeo and Juliet, although the libretto
is not based in the tragedy of Shakespeare (which was unknown to Bellini and to
the librettist, Felice Romani), but in other italian and french sources, which
explains some of the shifts to the most well-known plot. In fact, the libretto
given to Bellini by Romani is a rewrite of the same one the librettist Romani
had written five years before for the opera Giulietta
e Romeo, by Nicola Vaccai.
On the
other hand, Bellini also added some changes to the score in order to adjust it
to other stages and/or singers.
Also,
from 1832 onwards, influenced by the great Maria Malibran, who considered that
the finale did not make justice to her vocal skills, it became frequent to
replace the final scene of Bellini’s opera with Vaccai’s opera, which includes
one scene and aria for Giulietta, after Romeo’s death. As a matter of fact, in
the recording conducted by Roberto Abbado, with Kasarova, Mei and Vargas (RCA
1997), it is possible to listen to the whole finale of the 2nd act
of Vaccai’s opera, as well as an alternative version of Romeo’s cavatina of the
1st act, with vocal ornamentation by Rossini.
The staging.
Regarding
to the performance I attended, I would say that the staging was, as Fanatico_Um
called it, somewhat bizarre and, most of the time, difficult to understand.
The
stage director portrays Giulietta as an alienated bride, always in white and
barefooted, as if she was in a world apart. One example is the 2nd
scene of the 1st act, which takes place in her bedroom, where there
is only a washbasin. Giulietta climbs it, trying to reach for an image of two
lovers hanging from the ceiling, which may symbolize an unachievable union
between the lovers. Also in the final scene of the opera, before waking up from
the induced sleep, in Romeo’s presence, Giulietta is in some sort of trance, as
if paralyzed and indifferent to her lover.
The
female elements of the choir, besides their showy gowns (designed by Christian
Lacroix), appear almost always carrying flowers in their mouths, as if they
were mere decorative elements in a world dominated by men, who contrast with
them due to the seriousness of their garments, which consisted in morning coats
and top hats.
However,
even though I may find it somewhat awkward and not always easy to understand,
the staging does not betray the spirit of the opera, nor its dramatic fulcrum,
which is, in my opinion, Giulietta’s inner conflict between her love for Romeo
and her duties towards her family (5th scene, 1st act),
nor is it inconsistent with what the music and the text unveil throughout the
opera.
The
staging is slightly monotonous, always is gray tones, although coherent with the
production concept, for it contrasted with the brightness of Giulietta’s gown
and the colour wore by the other female characters. The lights were used very
effectively.
The singers.
When I
bought the tickets, I was expecting to listen to the mezzo Elina Garanca
playing Romeo. However, that expectation was not met, since the great Latvian
singer had recently given birth and had to be replaced by Silvia Tro Santafé, a Spanish mezzo I didn’t know.
Notwithstanding
the disappointment of not listening to Garanca, Santafé was musically very
good. Her tone is neither so warm and smooth as Garana’s, nor so androgynous as
Kasarova’s, but more feminine and youthful. She’s a lyric mezzo-soprano with a
beautiful and clear voice, easy high notes, not fullbodied lower register and a
fast vibrato. She was dramatically credible and did very well at the lower
pitch, where her voice deepened effortlessly.
Giulietta’s
role was performed by the Russian soprano Ekaterina
Siurina, who sang very well: full voice, well placed, always with well
sustained high notes and well-toned. If the staging was supposed to show us an
alienated and indrawn Giulietta, I think Siurina portrayed it successfully.
Tebaldo
was amazingly portrayed by the tenor Matthew
Polenzani. The placement of the voice was excellent and the singing was
elegant. His tone sounded less nasal than in some Met transmissions, namely L’Elisir d’Amore in 2012. Very good
stage presence.
Goran Juric was a somewhat
poor Capellio. Veiled voice with lack of depth and almost inaudible. The result
was a very little credible Capulet patriarch.
Baritone
Andrea Borghini was praiseworthy in
the role of Lorenzo.
The
quality level of the orchestra was always high (I noticed only a few mistakes
in the beginning), and the same happened with the choir, who sang with good
articulation and clarity.
Riccardo
Frizza conducted dynamically, keeping the propulsion of the music, whilst
supporting the singers at the same time.
In
conclusion, it was a very gratifying musical experience and theatrically
challenging.
Just a brief
note. I have read very complimentary comments regarding the behavior of the
German audience at the opera. And that was also my experience in another
occasion at the opera in Germany .
Unfortunately, this time, there were moments in which I thought I was at S.
Carlos or Gulbenkian, since the whispering, and the sound of people opening
their purses or unwrapping candies were very loud and excessively frequent.
Thanks a lot for the visit, my friends, like always, a perfect revieuw!
ResponderEliminarGreetings from Gent" 25°C",Willy