Acabei de assistir ao 1º acto do Rigoletto em Mantua em directo através da RTP2, como possivelmente todos os amantes da ópera em 148 países. Sendo grande fã, como já adivinharam pelas minhas entradas neste blog, não posso esperar por amanhã (final da ópera) para proferir, em bytes, umas palavras.
Confesso que me senti amedrontado com o início da ópera... Domingo não é um actor cómico e até à altura em que Monterone o amaldiçoa, pareceu-me pouco credível como Bobo. Mas a expressão durante a maldição... aí surgiu o grande Domingo!... Do ponto de vista vocal mantém-se invejavelmente espectacular!!! O dramatismo de actor invagina-se pelas suas cordas vocais de modo tão perfeito que o dueto com Gilda foi memorável. Que bem que faz o toque de tenor para os agudos de Rigoletto... E como soam num misto baritonal. O final, invocando a maldição, precedido pela busca chamando pela filha... que momento!... É isto que faz de melhor!!! Mas o que acharam da passagem com Sparafucile? Parecia um autêntico barítono mas pouco expressivo... ou talvez não expressivo como eu gosto. Esta passagem fica perfeita com os “Demonio” quase falados e curtos, com o “Va” sussurrado, em que o último se arrasta no breu da noite. Penso que tem a melhorar nesta passagem.
O que esperar amanhã? Que expectativa termitante!
Em relação ao resto do elenco:
Vittorio Grigolo é simplesmente espectacular. Tudo lhe encaixa bem para o papel de Duque. Tem o visual jovem e atraente, tem capacidades singulares de actor e... uma voz brilhante e expressiva... o modo como faz a dinâmica do canto é de 20 valores. Não desilude como não desiludiu em Manon em Julho na Royal Opera.
Julia Novikova foi uma doce surpresa. Bonita, expressiva e com voz cristalina, sem falhas major, dinâmica perfeita. A seguir com atenção no futuro. Uma discípula do grande Mestre.
Ruggero Raimondi é que ainda não me convenceu. Falta-lhe profundidade na voz para o papel de Sparafucile e pareceu-me pouco convincente / aterrador para assassino. Nunca foi um dos meus preferidos no mundo da ópera.
A concepção do tudo em directo e no local do compositor não é nova mas pelo menos é a primeira vez a que assisto. Gostei da produção em termos cénicos e vestuário – clássica (como tinha de ser uma vez que procura personificar literalmente a obra em termos temporais e locais) sombria (em simbiose com a temática) e cativante. Zubin Metha ao seu nível de excelência, com orquestra perfeita!
Para mim bastou-me ver este acto para achar o seguinte:
Grandes Teatros de Ópera do Mundo!!! Juntem ao Rigoletto de Plácido Domingo uma Gilda de Anna Netrebko ou até mesmo desta jovem de hoje, um Duque de Vittorio Grigolo, Jonas Kaufmann, Joseph Calleja (desde que este mude o timbre até lá...) ou Giuseppe Filianoti, um Sparafucile de Bryn Terfel (tem tudo para ser perfeito...), René Pape ou Ferrucio Furlanetto, e uma Maddalena de Elina Garanca e têm casa cheia em todas as récitas... e comigo lá de certeza para uma quantas.
BRAVO DOMINGO!!!
As qualidades dramáticas de Plácido Domingo são realmente de excepção. Estou de acordo com tudo o que relatou sobre este aspecto. Domingo é um actor notável de entre os cantores líricos. Vocalmente, apesar de Rigoletto ser um papel para barítono, continuei a ouvi-lo como tenor. O resultado foi, como sempre, excelente. Aguardo também ansiosamente por amanhã pois ainda lá vem muito e melhor como, por exemplo, a ária “cortigiani vil razza dannata”, para mim a melhor de Rigoletto.
ResponderEliminarVittorio Grigolo pareceu-me pouco à vontade no início, mas rapidamente mostrou as suas capacidades vocais. Cenicamente seria difícil escolher melhor: jovem, boa figura e excelente movimentação e expressividade. Muito credível também.
Júlia Novikova foi a grande surpresa para mim. Voz pura, cristalina, fresca e de belo timbre. Manteve a mesma qualidade vocal tanto no registo mais agudo como nos fortíssimos, o que é raro. Também uma excelente escolha pois para além de muito jovem, é atraente e expressiva, o que lhe dá grande credibilidade como Gilda.
Outra voz excelente foi a de Monterone. Não consegui ver quem era o cantor, mas foi um dos melhores.
Aguardemos por amanhã para mais e melhor!
Caro confrade,
ResponderEliminaratentamente vi a primeira parte de Rigoletto e creio a abordagem de P.Domingo ao papel assemelhar-se à de um homem angustiado e condicionado pelas vicissitudes da sua vida. O Bobo em todas as época sempre foi algo mais próximo da tragédia do que da comédia, o que ademais fortalece a carga dramática do papel, bem conseguida por sinal na relação esboçada por Piave e Verdi. Um olhar atento aos quadros de Velasquez dos Bobos, anões e criaturas disformes e complexadas de tão grande melancolia serão muito reveladores destas verdades.
Gostaria ainda de salientar que Monterone é o barítono Gianfranco Montresor. Aliás, já se apresentou em Lisboa, em São Carlos. Foi Leporello na estreia mundial de Il Dissoluto Punito, de Corghi/Saramago e cantou no Requiem às vitimas do Fascismo do Lopes Graça (também na Casa da Música). Cantou também num concerto com Andrea Bocelli no Pavilhão Atlântico.
Bem haja
Caro Bartolomeu,
ResponderEliminarMuito obrigado pelo seu enriquecedor e interessante comentário. Não reconheci ontem Gianfranco Montresor. Devo penitenciar-me por isso, dada a qualidade do barítono.
Cumprimentos musicais