(review in English below)
Esta produção da
opera Eugene Onegin de Tchaikovski,
novamente em cena na METropolitan Opera
de Nova Iorque, foi já comentada neste blogue aqui
e aqui.
A belíssima
encenação de Deborah Warner, trazendo
a acção para o final do Séc. XIX, é clássica mas de invulgar bom gosto.
O primeiro acto
passa-se num ambiente rural russo, palco preenchido com muitos elementos
apropriados e diversificados, incluindo frutas e legumes de colheitas. A
componente religiosa é interessante. A cena da carta foi muito bem encenada mas
poderia ter sido passada num ambiente mais intimista, como o quarto da Tatiana.
O segundo acto é
muito rico no salão e nos trajes. A cena do duelo é lindíssima, fria, apenas
com uns troncos desnudados de árvores.
O terceiro acto
decorre em São Petersburgo, num salão de baile com colunas imponentes. Se tiver
curiosidade em saber mais pormenores sobre a encenação, aconselho a leitura dos
dois textos que acima referi.
A Orquestra e o Coro da Metropolitan Opera
foram dirigidos pelo maestro Robin
Ticciati que nos ofereceu uma leitura correcta e agradável da partitura.
A Tatiana foi
interpretada por Anna Netrebko. Os
leitores habituais deste espaço sabem a minha profunda admiração por esta cantora,
que considero uma das melhores de sempre. Como Tatiana, Netrebko é insuperável.
Tímida e introspectiva no início, transfigura-se para no final mostrar uma
mulher fria, segura e determinada. A voz é sublime, uma beleza tímbrica inigualável,
sempre afinada, projecção perfeita e pianissimi
de arrepiar. Um privilégio raro ouvir a Netrebko nesta personagem.
O tenor Alexey Dolgov foi um Lenski de
qualidade. A voz é particular, com um timbre invulgar, mas nem sempre a
intensidade permitiu ouvir-se claramente sobre a orquestra. Contudo, nas
intervenções principais, nomeadamente quando canta o Kuda, kuda… antes de morrer, esteve muito bem.
O barítono Mariusz Kwiecien foi um Onegin
impecável, melhor que quando o ouvi anteriormente. A voz é excelente, sempre
bem colocada e de grande beleza. A presença cénica é também óptima. Foi
insensível e cruel com a Tatiana no primeiro acto, esboçou uma tímida
aproximação (não correspondida) ao Lenski no 2º acto antes do duelo e mostrou
arrependimento e desespero no final, quando rejeitado definitivamente pela
Tatiana.
O príncipe Gremin
foi o baixo Stefan Kocan que tem uma
grande aria no 3º acto, interpretada ao mais alto nível. A voz é forte,
melodiosa e o registo mais grave impressionante.
Os papéis
secundários, com uma excepção, foram assegurados por cantoras russas de elevada
qualidade, a saber, Elena
Maximova como Olga, Elena Zaremba
como Madame Larina e Larissa Diadkova
como Filippyevna.
O Triquet de Brian Downen foi muito fraco, sem desempenho cénico relevante e que
mal se ouviu. Mas não estragou o espectáculo porque o papel é pequeno e,
sobretudo, porque os outros foram de primeiríssima água!
*****
EUGENE ONEGIN, METropolitan Opera, March 2017
This production of Tchaikovski's
opera Eugene Onegin, again on stage
at the METropolitan Opera in New
York, has already been commented on in this blog here
and here.
Deborah Warner's
beautiful staging, bringing the action to the end of the 19th century, is
classic but of unusual quality.
The first act takes place in a Russian rural setting, stage
richly filled with many appropriate elements including fruits and vegetables
from crops. The religious component is interesting. The scene of the letter was
very well staged but could have occurred in a more intimate setting, such as
Tatiana's room.
The second act is very rich in the hall and in the costumes.
The scene of the duel is beautiful, cold, with only bare trunks of trees.
The third act takes place in St. Petersburg, in a ballroom
with imposing columns. If you are curious to know more details about the
staging, I suggest the reading the two texts I mentioned above.
Orchestra and the
Choir of the Metropolitan Opera were directed by maestro Robin Ticciati who offered us a correct
and pleasant reading of the score.
Tatiana was interpreted by Anna Netrebko. The usual readers of this blog know my deep
admiration for this singer, whom I consider one of the best ever. As Tatiana,
Netrebko can not be beat. Shy and introspective at first, she transfigured to
show a cold, secure and determined woman at the end. The voice is sublime, an
indefinable tonal beauty, always in tune, perfect projection and shivering pianissimi. A rare privilege to listen
to Netrebko in this character.
Tenor Alexey Dolgov
was a quality Lenski. The voice is peculiar, with an unusual timbre, but could not
always be clearly heard over the orchestra. However, in the main interventions,
namely when singing Kuda, kuda ... before
dying, he was very well.
Baritone Mariusz
Kwiecien was an impeccable Onegin, better than when I heard him before. The
voice is excellent, always well tuned and of great beauty. The scenic presence
is also perfect. He was insensitive and almost cruel with Tatiana in the first
act, sketched a timid (unrequited) approach to Lenski in the 2nd act, and
showed regret and despair at the end, when finally rejected by Tatiana.
Prince Gremin was bass Stefan
Kocan who has a great aria in the 3rd act, performed at the highest level.
The voice is strong, melodious and the lowest register was impressive.
Secondary roles, with one exception, were sung by
high-quality Russian singers, namely Elena
Maximova as Olga, Elena Zaremba
as Madame Larina and Larissa Diadkova
as Filippyevna.
Triquet by Brian
Downen was very weak, with no relevant scenic performance and hardly heard.
But he did not spoil the performance because his part is small and, especially,
because the other soloists were of top quality!
*****
É o papel da vida da Netrebko, não acha ? Só vi em gravação (com Gergiev), não tenho coragem (saúde e finanças) para ir ao Met. Vai compensando ler aqui o seu entusiasmo, Fanático_Um. Continue que vai bem !
ResponderEliminarConcordo plenamente consigo, caro Fanático_Um, quando diz que é um privilégio raro ouvir a Netrebko nesta ópera.
ResponderEliminarMas deixe-me propor uma pequena reflexão complementar da sua excelente análise, pois que infelizmente também eu me limitei a ver o espectáculo na transmissão directa em vídeo do passado sábado 22 de Abril.
Verifica-se assim que, três anos e meio depois, o MET volta a difundir no seu programa MET Opera Live a velha encenação de Deborah Warner para esta magnífica ópera de Tchaikovsky.
Independentemente do valor da proposta cénica, esta reincidência é significativa.
A encenação não mudou embora naturalmente, porque estamos a tratar de teatro, as concretas circunstâncias de cada espectáculo possam variar.
Neste caso uma das variações, e essa muito fácil de detectar de imediato, foi a evolução ponderal da principal protagonista feminina: Netrebko continua a cantar o papel de Tatiana maravilhosamente bem, permanece uma intérprete excelente sob o ponto de vista da expressividade dramática, mas está muito mais pesada.
E inevitavelmente esse facto determina, quer se queira quer não, que a verosimilhança da sua interpretação no primeiro acto desta ópera seja agora virtualmente nula.
Em difusão vídeo, e dada a estética hollywoodesca adoptada pela realização, com grande número de grandes planos ou planos de pormenor, esta desadequação é enfatizada em comparação com a visão do espectáculo na sala.
Que esta circunstância seja indiferente para uma parte substancial do público habitual de alguns teatros de ópera, e que tal indiferença seja aproveitada pelos directores dessas casas para delinearem as suas políticas de programação e difusão, pouco interessa em abstracto.
Mas em verdade este é um dos motivos principais para compreender por que razão estes teatros vivem cada vez mais momentos de aperto financeiro e os seus programadores verificam que os públicos definham por falta de renovação e rejuvenescimento.
Mais facilmente ainda se compreende também que divulgar em grande escala registos em vídeo cuja elaboração não tem em conta aquela circunstância não será uma forma sustentável de aumentar rendimentos ou renovar audiências.
Mas esta compreensão não cabe aparentemente na perspectiva do MET.
JAM - 23/04/2017