(text in English below)
Voltei ontem a Londres, 37 meses
depois, para
o adeus da Renée Fleming a Covent
Garden. Por isso a noite foi de relevância grande para o mundo da Ópera.
Fiquei em choque quando cheguei e apanhei aquelas alterações todas no
átrio. Confesso que me senti triste porque parecia que aquela já não era a
minha Royal Opera... Mas o importante é que tudo o resto se mantém
relativamente igual, principalmente a mantida certeza de que sempre que lá se
vê Ópera, se vê do melhor que se pode ver.
E que noite excelente! A nova produção do Carsen está um pouco deslocada para a frente no Tempo mas é
clássica, com um guarda roupa fenomenal e de grande estilo. Acho que o terceiro
acto funcionou muito melhor do que o que habitualmente se vê em outras
encenações (incluindo as clássicas) - a estalagem onde o Barão Ochs janta (e
planeia o resto que sabemos) com um Octavian disfarçado de criada da Maria
Teresa é uma casa de prostituição e em vez de termos esqueletos ou fantasmas a
causar-lhe pseudo-alucinações de medo, aqui as escolhas cénicas são mais leves,
interessantes e cómicas.
Do ponto de vista da Orquestra, o Andris
Nelsons (que está cada vez mais gordo) foi simplesmente brutal. Só lamento
que o meu lugar tenha sido na 2ª fila do Stalls Circle, não pela visão que é
excelente mas porque alguns pormenores orquestrais perdem a homogeneidade
sonora de "todo" ao sobressaírem mais.
A Renée Fleming esteve
deslumbrante. Além da sua superlativa interpretação musical e emotiva, a
presença em palco, com os vestidos que a produção oferece, realçam a sua ainda
beleza da maturidade dos 56 anos. A sua saída de cena no final do primeiro acto
em linha recta do centro do palco para o fundo, passando pelas diversas portas
do palácio e com a simplesmente perfeita contribuição orquestral para o momento
(sem falhas nas entradas ou na dinâmica), foi um momento de arrepiar.
A Alice Coote entrou um pouco
contida na voz mas abriu para uma interpretação também fenomenal. A sua acção
cénica no 3º acto foi magnífica.
Sophie Bevan foi uma Sophie de
arrasar, na minha opinião. A cena da apresentação da Rosa foi, mais uma vez, de
arrepiar. Aqueles agudos que caracterizam a sua intervenção nesta passagem foram
de uma precisão irrepreensível, com estabilidade ao longo da frase e confesso
que me emocionei porque são raras as vezes que alguém consegue este feito
(mesmo em gravações). Senti aquela emoção de início rápido que é um misto de
consciencialização de que estamos mesmo ali, a ouvir algo que achamos perfeito
e onde culmina tudo o que se fez para chegar ali (levantar cedo, o voo a partir
às 6h30, a vigilidade forte para vencer o sono de uma semana de trabalho e
pouco descanso, a sensação de estarmos vivos!).
Matthew Rose foi um Ochs divinal.
Quando entrou parece que marcou o início de uma récita memorável. Até então, e
como disse em relação à Coote, achei que se estavam a retrair um pouco em
termos de potência de voz. A entrada de Rose, marcou a viragem em intensidade
vocal. Acho que vai ser um dos melhores neste papel por muito anos. Tem o
porte, tem a classe da voz e a facilidade cénica.
Outros pontos altos: O papel de tenor (Giorgio
Berrugi) foi por um cantor que não conheço mas... que voz!!!
E sempre que
houve canto em dueto ou terceto, conseguia-se ouvir cada uma das vozes, sem
supremacia de uma ou de outra, em perfeita harmonia de intensidade com a
orquestra. O que, no fundo, é o que define a qualidade nestas passagens.
Straussamazing!
DER ROSENKAVALIER, Royal Opera House, London, January 2017
I returned to London yesterday, 37 months later, for Renée Fleming's farewell to Covent
Garden. So the night was of great relevance to the world of Opera.
I was shocked when I arrived and picked up all those changes
in the lobby. I confess that I felt sad because it seemed that it was no longer
my Royal Opera ... But the important thing is that everything else remains
relatively the same, especially the certainty that whenever Opera is seen
there, one sees the best that can be seen.
And what an excellent night! Carsen's new production is a little off the beaten track in time
but it's classic, with a phenomenal and stylish dresses. I think the third act
worked much better than what is usually seen in other stagings (including the
classic ones) - the inn where Baron Ochs dines (and plans the rest we know)
with an Octavian disguised as Maria Teresa's maid is a house of prostitution
and instead of having skeletons or ghosts causing pseudo-hallucinations of
fear, here the scenic choices are lighter, interesting and comical.
From the Orchestra's point of view, Andris Nelsons (who is getting fatter) was simply brutal. I only
regret that my place was in the 2nd row of Stalls Circle, not because of the
view that was great but because some orchestral details lose the homogeneity of
"everything" when they excel more.
Renée Fleming was
stunning. In addition to her superlative musical and emotional interpretation,
the presence on stage, with the dresses that the production offers, highlight
her still beauty of the maturity of 56 years old. Her exit from the scene at
the end of the first act in a straight line from the center of the stage to the
background, through the various doors of the palace and with the simply perfect
orchestral contribution for the moment (without failures in the entrances or
the dynamics), was a chilling moment.
Alice Coote started
a little contained in the voice but opened for a terrific interpretation too.
Her stage performance in the 3rd act was magnificent.
Sophie Bevan was
a Sophie of bashing, in my opinion. The scene of the presentation of the rose was
once again shivering. Those top notes that characterize her intervention in
this passage were of an impeccable precision, with stability throughout and I confess
that I was moved because it is rare that somebody gets this achieved (even in
recordings). I felt that quick-onset emotion that is a mixture of awareness
that we are right there, hearing something that we think is perfect and that
everything that was done to get there compensates (getting up early, the flight
at 6:30 am, strong vigilance for win the sleep of a week of work and little
rest, the feeling of being alive!).
Matthew Rose was
a divine Ochs. When he came in it looks like he marked the beginning of a
memorable recital. So far, and as I said about Coote, I thought they were
shrinking a bit in terms of voice power. Rose's entry marked the turn in vocal
intensity. I think he's going to be one of the best in this role for many
years. He has postage, has voice class and scenic facility.
Other highlights: The role of tenor (Giorgio Berrugi) was by a singer I did not know ... what a voice
!!! And whenever there was singing in a duet or a trio, one could hear each one
of the voices, without supremacy of one or the other, in perfect harmony of
intensity with the orchestra. What, in the end, is what defines quality in
these passages.
Straussamazing!
Também estive por lá na semana passada. Foi um espectáculo delicioso, cheio de ironia e com bastante espaço para discussão nos actos II e III. A cena da apresentação da rosa foi notável, com um dueto marcante e o trio final entrava directamente na alma. O conde de Alice Coote deixou-me com algumas reservas, maioritariamente no registo agudo. Fleming foi um deleite, com sensibilidade e bom gosto imbatíveis. É verdade que a projecção já está comprometida; porém, as virtudes interpretativas dominam. Partilho da sua opinião que Sophie Bevan seja um nome para recordar mas, sem sombra de dúvida, a intervenção que não esquecerei será a do Ochs. Saudações ao amigo Wagnerfanatic!
ResponderEliminarCaros Wagner_fanatic e Palcido Zacarias, esta mesma produção de 2016, uma encenação de Robert Carsen, foi agora transmitida para os cinemas na sua versão nova-iorquina, dado que a New York Metropolitan Opera, tal como o Teatro Colon de Buenos Aires, foi co-produtora do espectáculo.
ResponderEliminarComo é habitual na política do MET, o programa de sala omite estes factos, mas isso não é relevante para o que nos interessa agora.
O que nos interessa é que pudemos assim assistir na FCG no passado dia 13 de Maio a uma transmissão em diferido de um dos espectáculos de Março passado no MET.
E se o elenco desta récita foi muito diferente do que viram no Covent Garden, pois aparentemente apenas a Renée Fleming integra ambos, creio que o mais importante aqui é assinalar tratar-se de uma nova encenação.
Por me parecer que neste caso a novidade não é a única característica a merecer realce pela positiva, deixem-me brevemente explicar as razões de tal ideia.
É que me parece que a proposta de Carsen transforma este espectáculo numa referência cénica impossível de ignorar doravante para esta ópera do Strauss, pois revela com grande inteligência a profundidade do libreto de Hofmannsthal, tornando assim possível a sua leitura fora do estreito quadro convencional em que habitualmente ela é feita.
Se por um lado se torna mais evidente a natureza satírica da história, proporcionando-nos momentos de franca comicidade, o que aliás ambos assinalam, por outro lado a ultrapassagem do anacronismo habitualmente associado à sua apresentação permite ultrapassar essa característica.
Assim a ópera deixa de ser, como um musical, uma quase contínua valsa apimentada por alguns episódios da petite histoire dos salões da aristocracia imperial vienense do apogeu do império austro-húngaro, para se transformar num lúcido e perspicaz mergulho sociológico no ambiente intemporal das classes dominantes.
Situando a acção na Viena de antes da I Guerra Mundial, a bela e estudada cenografia de Paul Steinberg consegue porém fazer emergir a natureza intemporal dos eventos narrados, transformando de facto desse modo o espectáculo numa reflexão agridoce sobre a vida e o tempo.
O cómico e o trágico de mãos dadas revelam assim de forma magistral toda a melancolia subjacente à história pessoal da Marechala, e enquadram essa revelação na lúcida perspectiva sociológica exemplificada pelo pastiche das valsas dançadas por caricaturas de militares.
Em vez de um musical vienense condimentado com o fait-divers da Marechala, a proposta de Robert Carsen revela-nos as emoções associadas à vida e à morte, ao tempo e ao modo da vida, explicitadas no contexto agradável (o doce) mas lúcido (o amargo) que o libreto de Hofmannsthal tão brilhantemente desenha.
Um prazer total para os olhos, mas infelizmente para nós na sala da FCG, limitados à transmissão do MET, uma perfeita tragédia para os nossos ouvidos.
Temos de reconhecer que desta vez a realização cinematográfica de Gary Halvorson esteve irreconhecível, muito melhor quando comparada com anteriores desempenhos seus. Muito provavelmente tal melhoria ter-se-á ficado a dever à influência do encenador, ou no mínimo da encenação apresentada.
Mas como é habitual nestas transmissões a captação e trabalho do som foram catastróficos: sobrevalorização e uniformização das vozes, remetendo a orquestra para o papel de um monocórdico acompanhamento de fundo, como se estivéssemos num drive-in para ver um serial B.
Numa música em que a riqueza tímbrica e o colorido harmónico são genialmente utilizados para suportar o desenvolvimento melódico e os contrastes tonais das vozes, o som transmitido não pode classificar-se senão como um verdadeiro crime.
A partir deste tipo de registo torna-se por isso impossível de qualificar quer a direcção e o desempenho orquestral, quer os cantores.
Mas como de novo este exemplo confirma, na iniciativa do MET a música é apenas um pretexto, e não a razão principal para o espectáculo.
JAM 18/05/2017