Já por diversas
vezes eu e outros escrevemos neste blogue que seria muito interessante e
importante que os cantores líricos portugueses fossem mais vezes ouvidos nos
espectáculos de ópera em Portugal. Deixo alguns “porquês” que não consigo
compreender.
Há uma geração de
bons cantores consagrados (alguns com carreiras internacionais de topo) e outra
de jovens muito talentosos que raramente conseguimos ouvir em Portugal. Porquê?
Ao ver a presente
temporada do Teatro Nacional de São Carlos (TNSC), o único teatro nacional de
ópera, é chocante a quase ausência total de cantores portugueses. Porquê?
Assisti há dias à
primeira ópera da temporada do TNSC e única das que considero popular e bem
conhecida de todos, a Carmen. Todos os papéis principais foram interpretados
por cantores estrangeiros. Se tivesse assistido a umas belas interpretações,
enfim, mas foram todas francamente más (embora umas piores que outras). E os
portugueses só cantaram (e bem) os papéis secundários. Porquê?
Ainda sobre a
temporada do São Carlos, ela é a antítese do que seria uma temporada
interessante e apelativa para um público que se tem visto privado de ópera de
qualidade nos últimos anos. Poucos espectáculos, óperas agrestes para o “grande
público” e, com excepção da Carmen, ausência de óperas populares que ajudam a
cativar e a conquistar novos públicos. Porquê?
Tive conhecimento
muito recentemente (pelo JAM que também escreve neste blogue e dele aqui
transcrevo algumas palavras) que corre na net
uma petição com reivindicações dos cantores líricos portugueses, que pode ver
aqui, caso não a conheça:
Embora concorde com muito do seu conteúdo, não vou assiná-la porque
discordo da forma como está escrita, num tom excessivamente panfletário que, em
minha opinião, lhe tira força. Mas merece ser discutida e poderia servir de
pretexto para uma análise mais séria da realidade do TNSC e das políticas
domésticas em relação ao espectáculo lírico.
Entretanto, é com grande tristeza que vejo que os nossos cantores líricos,
para poderem sobreviver, ou vão dedicar-se à agricultura, ou têm que emigrar (como milhares
de outros portugueses). A geração mais jovem, para conseguir alguma dignidade e
independência, foi quase escorraçada do País, que ainda virá a pagar um preço
muito elevado. Porquê?
Será que no TNSC não há quem perceba todo este despautério? Que tal, para
começar, fazer uma aposta num par de óperas populares com cantores portugueses
nos papéis principais (e há várias possibilidades em Mozart, Verdi e
Puccini)? Estou certo que (evitando
encenações pseudo-modernas e agressivas, e aproveitando os telões que estão no
espólio do teatro) seria uma aposta ganha e poderia ser um bom começo para
dignificar as temporadas do TNSC. Porquê
não apostar?
Já passa um bom tempo desde que começámos a discutir esta questão e a sua sugestão final aqui pela blogosfera. Continuo a subscrevê-lo e, embora tenha reconhecido algum mérito à encenação desta Carmen e tenha achado a intérprete principal num plano superior, também me parece que o espectáculo foi só "mais um" e uma alocação de recursos mal feita. Não sinto nenhum efeito placebo por saber que são estrangeiros um Escamilo medianamente competente, uma Micaëla insípida e um Don José aparentemente tão... amador. Ainda se permitisse economias ao teatro... mas será esse o caso? Não estou chocado com esta "Carmen" mas estou de facto um bocado surpreso por a temporada não ter portugueses.
ResponderEliminarNa minha modesta óptica, a temática em apreciação, tal como plasmada na petição em curso, redunda algo redutora pelo aparente simplismo de que se reveste.
ResponderEliminarDe facto, creio, firmemente, que a exiguidade de cantores nacionais em papéis de superior relevância constituir-se-á mera decorrência de um acentuado défice estrutural corporizado na ausência de uma rede de temporadas líricas regionais que permitam a intérpretes autóctones a criação de todo um reportório, habilitando-os a um efectivo acesso a teatros de maior nomeada.
Ainda que, parcialmente, discutível no âmbito de uma temporada de laudatório equilíbrio (lastimo não secundá-lo neste particular, caríssimo Fanático_Um), a priorização de corpos artísticos alóctones em papéis como Micaela ou Silvio em Pagliacci afigura-se exemplo sintomático de um desolador panorama que persiste.
Caro Fanático, agradeço-lhe mais uma vez a menção e garanto-lhe que não é por falta de vontade minha (ou de insistência) que não venho mais vezes a Portugal.
ResponderEliminarDeixo-lhe um grande abraço e olhe... pode ser que para o ano! A ver vamos, como diz o cego. :)
O problema só se resolve se houver uma companhia de cantores líricos portugueses num teatro, por exemplo, o da Trindade. Mas será difícil convencer o Ministério da Cultura a dar um subsídio ao Inatel.
EliminarOs cantores portugueses (em Portugal) têm sido sistematicamente votados ao ostracismo pelos pseudo-intelectuais que têm pululado nas audiências do S. Carlos.
ResponderEliminarNo dizer do excelente barítono que foi Hugo Casaes, a desgraçada abolição da ópera no Trindade tratou-se de um autêntico "genocídio cultural". De facto, o Trindade era uma verdadeira escola de cantores e um ponto de partida para a democratização da arte lírica. Já poucos terão memória do que lá se fez. As fitas com gravações de todos os espectáculos encontram-se a ganhar bolor nas catacumbas do Inatel (antiga FNAT). No Trindade leccionaram Judite Lupi Freire, Tomás Alcaide, Gino Bechi e Giovanni Voyer.
O director (Dr. José Serra Formigal) foi "saneado" não obstante o pedido dos cantores e dos funcionários.
E assim ficámos. Para a criação de um novo teatro de ópera secundário são precisos fundos. Quem pagará? Aceitam-se mecenas.