quinta-feira, 17 de março de 2016

O CREPÚSCULO DOS DEUSES / GÖTTERDÄMMERUNG, Gran Teatro del Liceu, Barcelona, Março / March 2016

(in English below)

O Crepúsculo dos Deuses de R. Wagner foi levado à cena em Março de 2016 no Liceu de Barcelona. A encenação foi de Robert Carsen. Não vi nenhuma das 3 outras óperas deste Anel, pelo que não consigo enquadrar esta última no que se terá passado anteriormente.

No início há uma sala desactivada, com parte da mobília empilhada ou tapada e presa com cordas, os fios dourados que traçam o destino que as Nornas tecem, prendendo algumas peças. Aparecem como empregadas domésticas inicialmente a lavar o chão.
Toda a ópera decorre essencialmente em três cenários. Um espaço aberto (o rochedo) onde estão depositados despojos militares, entre eles roupas, armas, capacetes e espadas. É aqui que surgem inicialmente Siegfried (vestido de camuflado) e Brünhilde, e será também neste cenário que ocorrerá o diálogo entre Brünhilde e Waltraute.
O palácio dos Gibichung é uma enorme sala de uma instalação militar com bandeira vermelha com faixa branca a meio e lareira ao fundo e com uma grande secretaria central. Gunther é o militar de mais alta patente e está rodeado por outros. Hagen está vestido à civil. Siegfried quando chega vem desarranjado, ao contrário de todos os militares impecavelmente fardados. Não sabe o que é o agrafador ou o telefone que estão sobre a secretária.
O 1º acto termina no cenário já referido em que Siegfried, transformado pelo elmo em Gunther, procura Brünhilde. Nesta produção é o próprio Gunther que aparece, faz os movimentos bocais como se cantasse, mas quem canta é o Siegfried nos bastidores. A ideia não resulta cenicamente.


No 2º acto, novamente no grande salão militar, Brünhilde chega vestida de noiva, e não é reconhecida por Siegfried, que está com Gutrune, impecavelmente vestida. O coro é um grande grupo de militares, em determinado momento agitando muitas bandeiras idênticas. Aqui o efeito cénico é excelente. As analogias com o nazismo são evidentes, mas a cena poderia passar-se em qualquer outro enquadramento.

O 3º acto abre com as filhas do Reno sujas, a lavarem-se na água de um Reno poluído, com toda a espécie de materiais velhos: pneus, armas, um televisor, rodas empenadas, alguidares, etc. É neste cenário que Siegfried é assassinado por Hagen (com o cabo de uma bandeira) e levado, morto, para a grande secretária do salão militar. Surge Brünhilde mas a cortina desce e ela interpreta em palco o impressionante final sem qualquer suporte visual até à imolação pelo fogo que surge de todos os lados do palco.

A direcção musical, excelente, foi do maestro Josep Pons. A Orquestra Sinfónica e, sobretudo, o Coro do Gran Teatre del Liceu estiveram ao mais alto nível, como raramente se ouvem no Liceu.



Num conjunto de cantores de primeira água, as 3 Nornas (Cristina Faus, Pilar Vásquez, Jacquelyn Wagner) cantaram bem mas foram as que menos impressionaram. Já as 3 Filhas do Reno (Isabel Gaudí, Anna Alàs i Jové, Marina Pinchuk) foram óptimas. 



Alberich foi interpretado de forma banal pelo barítono Oskar Hillebrandt, num papel pequeno. 
A mezzo Michaela Schuster foi uma grande Waltraute, de voz firme, bem colocada e expressão cénica impecável.
 Gutrune foi cantada pela soprano Jacquelyn Wagner. Esteve muito bem e tem uma excelente figura, o que ajudou à personagem. Vocalmente foi uma das menos fortes porque a voz, bonita e lírica, não é encorpada e, ocasionalmente, foi abafada pela orquestra.


O tenor Lance Ryan foi o Siegfried. Cantou bem mas não é o heldentenor que se deseja para a personagem porque lhe falta corpo vocal. Tem figura de Siegfried, cumpre todas as notas, mas há quem o faça de forma mais imponente. Contudo, foi uma boa interpretação.


O Gunther do barítono Samuel Youn foi óptimo. O cantor tem uma voz potente e bem timbrada, muito agradável e afinada. Esteve também muito bem no desempenho cénico.


O baixo Hans-Peter König foi absolutamente fabuloso como Hagen. É o melhor da actualidade neste papel. Voz poderosíssima e de uma beleza invulgar, interpretação absolutamente irrepreensível, cénica e vocal.


E que dizer da Brünhilde do soprano Iréne Theorin? Que foi a melhor da noite? Que foi excelente tanto cénica como vocalmente? Que interpretou a personagem de forma absolutamente impecável e convincente? Que a voz foi imponente e sempre sobre a orquestra? Que na cena da imolação, sozinha em palco, foi comovente e arrasadora? Sim, foi tudo isso! Uma das melhores interpretações que vi e ouvi até hoje da personagem. Fabulosa!



Um Crepúsculo dos Deuses ao mais alto nível no Liceu de Barcelona.








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TWILIGHT OF THE GODS / Götterdämmerung, Gran Teatro del Liceu, Barcelona, ​​March 2016

The Twilight of the Gods by R. Wagner was on stage in March 2016 in Liceu de Barcelona. The staging was Robert Carsen. I did not see any of the three previous operas of this ring so I cannot fit in the latter that will have passed before.

At the beginning there is a disabled room, with part of the furniture stacked or covered and secured with ropes, the golden threads with which the Norns trace the destiny (presented as maids initially washing the floor). The whole opera takes place essentially in three scenarios. An open space (the rock) which has deposited military remains, including clothing, weapons, helmets and swords. It is here that initially Siegfried (dressed in camouflaged) and Brünhilde, appear, and will also be in this scenario that the dialogue between Brünhilde and Waltraute will occur.
The Gibichung’s Palace is a huge room of a military set with a red flag with white band in the middle, a fireplace in the background and a large central desk. Gunther is a high-ranking militar and is surrounded by others. Hagen is dressed in civilian clothes. Siegfried arrives deranged, in opposition to all impeccably uniformed military men. He does not know what is the staple or the phone on the desk. The 1st act ends in the scenario mentioned above in which Siegfried, transformed by the helmet in Gunther, looks for Brünhilde. In this production it is Gunther himself that appears, make the mouth movements like singing, but who is singing is Siegfried behind the scenes. The idea does not result well.

In the 2nd act again in the great military hall, Brünhilde arrives dressed as a bride, and is not recognized by Siegfried, who is with an elegantly dressed Gutrune. The choir is a large group of military people, at some point wielding many identical flags. Here the scenic effect is excellent. The analogies with Nazism are evident, but the scene could happen in any other framework.
The 3rd act opens with the dirty daughters of the Rhine washing themselves in the water of a polluted Rhine with all sorts of debris: tires, weapons, a TV, warped wheels, bowls, etc. It is in this scenario that Siegfried is murdered by Hagen (with the handle of a flag) and led, dead, to the large desk military hall. Brünhilde appears but the curtain comes down and she sings in the final stunning immolation scene without any visual support. Finally fire that comes from all sides of the stage.

The excellent musical direction was the conductor Josep Pons. The Symphony Orchestra and, above all, the Gran Teatre del Liceu Choir were at the highest level, as I rarely heard at the Liceu.

The three Norns (Cristina Faus, Pilar Vásquez, Jacquelyn Wagner) sang well but were less impressive than the 3 daughters of the Rhine (Isabel Gaudí, Anna Alàs i Jové, Marina Pinchuk) that were great.

Alberich was interpreted by the baritone Oskar Hillebrandt, in a small banal role. Mezzo Michaela Schuster was a great Waltraute, with a firm voice, well tuned and impeccable scenic expression.

Gutrune was sung by soprano Jacquelyn Wagner. She was very good and has a nice figure, which helped to the character. Vocally she was one of the less impressive because the voice, beautiful and lyrical, is not full-bodied and occasionally was drowned out by the orchestra.

Tenor Lance Ryan was Siegfried. He sang well but is not the heldentenor you want for the character because he lacks vocal potency. He looks like a Siegfried, sings well all the notes, but a more imposing singer would fit better. However, it was a good interpretation.

Baritone Samuel Youn was an impressive Gunther. The singer has a powerful, very nice and refined voice. He was also very good on stage.

Bass Hans-Peter König was absolutely fabulous as Hagen. At present times, he is the best present in thisrole. Powerful and unusually beauty voice. His performance was absolutely irreproachable, scenic and vocal.

And what about soprano Iréne Theorin’s Brünhilde? Was she the best of the night? Was she excellent both scenic as vocally? She played the character absolutely flawless and convincing? Her voice was imposing and always above the orchestra? At the scene of the immolation, alone on stage, was she touching and overwhelming? Yes, it was all! One of the best performances I have ever seen and heard of this Brünhilde. Fabulous!

A Twilight of the Gods at the highest level in the Liceu de Barcelona.


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