La Cenerentola, opera de G
Rossini com libreto de Jacopo
Ferretti baseado no conto Cendrillon
de Charles Perrault foi diversas vezes comentada neste blogue.
A encenação
apresentada no Teatro de São Carlos,
de Paul Curran, é simples mas
bastante aceitável. Apesar de conter poucos elementos cénicos, a mudança
frequente dos painéis que suportam os cenários dá-lhe um dinamismo
interessante. Aqui e acolá há algumas opções mais discutíveis mas, na
generalidade, vê-se bem.
Rossini não é
para qualquer orquestra nem para quaisquer cantores e isso foi bem evidente
nesta produção.
O maestro Pedro Neves dirigiu a Orquestra Sinfónica Portuguesa que teve
vários desacertos, sobretudo nos metais, e nunca conseguiu ser “rossiniana”.
A Angelina foi interpretada pelo soprano Chiara Amarù. Cantou com dignidade, por
vezes ouvia-se mal, sobretudo quando a orquestra soava mais alto mas, na última
(e principal) aria, esteve bem. A coloratura nem sempre foi fantástica mas a
cantora tem uma voz agradável e bem
audível. Em cena foi aceitável.
Jorge Franco, tenor espanhol, foi um Don Ramiro de voz pequena
mas afinada, que se defendeu ao longo de toda a récita. O papel é exigente e o
cantor cumpriu-o sem deslumbrar. Cenicamente esteve razoavelmente bem, é um
jovem alto e muito magro mas pouco dinâmico nas movimentações em
palco.
O baixo Domenico Balzani foi um Dandini muito
correcto. Tem uma voz encorpada e sempre audível sobre a orquestra. Em cena foi
um dos melhores.
José Fardilha, barítono português que poucas vezes se ouve por
cá foi, de longe, o melhor interprete da noite. Fez um Don Magnifico magnífico!
A voz é grande, bem timbrada e bonita. O cantor ofereceu-nos também uma
interpretação cénica perfeita, ao nível do melhor que se pode ver e ouvir.
As duas filhas
dilectas de Don Magnífico, Clorinda (Carla
Caramujo) e Tisbe (Cátia Moreso)
representaram bem as personagens mas, vocalmente, estiveram em competição para
a categoria de “quem grita mais alto”.
O Alindoro do
baixo Luca Dall’Amico foi
competente, sem impressionar.
No cômputo
global, foi uma récita agradável.
***
Estava na dúvida entre ir ou não. Mas como os bilhetes já estão esgotados e pude por os olhos nesta crítica fiável, acho que não me vou dar ao trabalho de andar atrás dos bilhetes. Fiquei um pouco "traumatizado" com o elenco de Maio passado nesta ópera, se é que me percebe. O FanáticoUm sabe, porque também lá esteve!
ResponderEliminarCaro Plácido,
EliminarSe está a falar da récita de Maio passado na Metropolitan Opera, a encenação que agora se pode ver em Lisboa é francamente melhor.
Já em relação aos cantores, não há qualquer comparação, excepto no Don Magnífico do José Fardilha que não foi inferior.
Caríssimo Fanático_Um,
Eliminara título informativo, deposito no presente espaço a resenha de Manuel Pedro Ferreira à produção aludida: http://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/cinderela-encantada-com-libre-e-modernice-1690467
Relativamente a José Fardilha, estou em crer que a frequência com que tem figurado nas derradeiras "temporadas" do mais emblemático palco operático nacional constituir-se-á, minimamente, relevante, considerando as oportunidades outorgadas a intérpretes autóctones. Neste particular, rememoro o seu Nonancourt em "O Chapéu de Palha de Itália" (2013), bem como o papel-titular em "Don Pasquale" (2012).
Caro Hugo,
EliminarObrigado pelo seu comentário. Conhecia o texto de Manuel Pedro Ferreira. Nem todos partilhamos as mesmas opiniões, o que é salutar.
Quanto a José Fardilha, assisti a todas essas participações que refere, mas dado ser um cantor português e tendo em conta muitos estrangeiros de muito pior qualidade que têm vindo recentemente ao nosso teatro de ópera, tenho pena que ele não apareça mais vezes. Ficaríamos todos a ganhar.
Vi uma récita do primeiro Chapéu e outra do Don Pasquale. Interpretações excelentes por José Fardilha. Os papéis deste tipo caem que nem uma luva à sua voz. Mas como já disse no passado, a Cenerentola não é a minha "praia" e não será o facto de ter apenas um grande nome (de entre os 3 a 4 que a ópera requer) que me vai atrair para uma Cenerentola. Se bem que, a julgar pelas fotografias, a encenação seja de menos mau gosto do que a da Met Opera--o que francamente não é nada difícil. :-)
EliminarAssisti à récita de 29/03. Teria saído do São Carlos mais satisfeito se os papéis do Dom Ramiro e da Angelina tivessem sido bem cantados e representados, o que a meu ver, não foi o caso, nomeadamente a área final, na qual Chiara Amaru foi um desastre. As duas irmãs, Tisbe e Clorinda representaram bem mas gritaram igualmente o bastante. Outro senão foi a má educação do público presente na sala: um telemóvel a tocar em plena área final, a senhora do lado a fazer comentários para a criança ao lado, uma outra criança a falar com voz aguda durante todo o último ato, etc.
ResponderEliminarApesar de tudo, valeu a pena lá ir só pelo prazer de ver e ouvir José Fardilha e Domenico Balzani, de longe os melhores desta récita.
Torres Vedras, 31-03-2015
Manuel Mourato.
Caros amigos Fanáticos,
ResponderEliminarNão fora o facto de ter tido, graças à oportuna indicação de Hugo Santos, a oportunidade de ler noutro local que “o espectáculo é salvo pela fluidez nas mudanças de cena”, creio que nem iria intervir na estimulante conversa que felizmente se desenrola neste blog acerca da La cenerentola que passou no São Carlos.
Porém essa leitura, e também as referências comparativas aqui deixadas entre este espectáculo e a versão de Cesare Lievi no MET em Maio de 2014, beliscaram a minha inércia de repouso, e por isso decidi intervir também, acompanhando Fanático_Um na convicção de que a diversidade de opiniões é salutar.
E se concordo genericamente com a opinião de Fanático_Um no referente à valia dos cantores, já no que se refere à encenação não sei que dizer.
Vê-se que na encenação de Lievi para o MET houve certamente algum trabalho na vertente de representação dos cantores. Mas a cenografia e os figurinos remetem para o imaginário americano do conto de Perrault… à moda de Disney.
A opção de colocar Alidoro com asas douradas de anjo, numa história intencionalmente despojada da vertente mágico-religiosa do conto original, revela a ausência de qualquer projecto para além de uma leitura acéfala do libreto.
Já no espectáculo que pude ver no dia 30 de Março no São Carlos, em que Alidoro é coroado das asas de Mercúrio, pareceu-me estarmos perante uma encenação cuja ideia condutora se não consegue vislumbrar.
O trabalho de Paul Curran, de que vimos no passado em São Carlos Eine Florentinische Tragödie de Zemlinsky, é uma encenação de 2006.
Torna-se por isso difícil de saber até que ponto o conjunto de quadros apresentados, pretensamente cómicos mas na realidade vulgares e de gosto rasteiro, é da responsabilidade do encenador ou de Oscar Cecchi, o responsável pela reposição da encenação tal como aconteceu na temporada passada em Sevilha, onde esta produção foi também apresentada.
Facto é que desde os primeiros momentos do espectáculo, ainda antes do início do desempenho orquestral, a visão que progressivamente se transmite aos espectadores incautos é a de uma movimentação cenográfica extrema cuja finalidade nos escapa.
Depois, e durante toda a representação, assiste-se a uma frenética mudança de cenários cujo nexo dificilmente se compreende.
Vemos telas a subir e a descer, colunas e paredes a deslocar-se pelo espaço cénico sem qualquer intuito lógico discernível, e simultaneamente uma confusa utilização da luz sem qualquer intencionalidade claramente vislumbrável.
É aliás sintomático que o desenho da luz seja um indicador ausente na apresentação do espectáculo em Nápoles, pelo que muito provavelmente será de origem sevilhana.
Sentimo-nos assim no centro de um jogo de efeitos visuais, arrebatados num permanente sobressalto que chega a distrair a nossa atenção do essencial, afinal aquilo que apesar desse alvoroço se vai ouvindo e vendo em representação no palco.
(Por imperativos da edição vou continuar noutro comentário)
JAM
Continuação do comentário a propósito de La cenerentola.
ResponderEliminar...
Sentimo-nos assim no centro de um jogo de efeitos visuais, arrebatados num permanente sobressalto que chega a distrair a nossa atenção do essencial, afinal aquilo que apesar desse alvoroço se vai ouvindo e vendo em representação no palco.
Ora esta inquietação cenográfica e este frenesim luminotécnico poderiam em si mesmos não ser uma má ideia.
Com efeito, e pensando bem, o encenador poderá ter querido utilizá-los como significantes, como marcadores de intenções, adoptando no tratamento dramatúrgico da obra um registo satírico ou burlesco, como num teatro de fantoches ou numa arlequinada, e fazendo assim corresponder visualmente à irrequieta vivacidade da escrita rossiniana o que no palco se vai descobrindo.
Se foi essa porém a sua intenção, ideia que progressivamente se foi esbatendo ao longo do espectáculo, há que reconhecer que infelizmente de intenção não passou neste espectáculo.
Para que a ilusão funcionasse e o expediente resultasse seria necessário conferir aos personagens principais uma consistência formal e uma densidade dramática que não tiveram, e usar todos os artifícios cénicos (cenários, roupas, luzes, coreografias) de modo coerente e compatível com tal intuito. Nada disso se pôde ver no teatro.
Pelo contrário, a coerência foi apenas a da inconsequência da utilização desenfreada dos variados recursos cénicos, e a surpresa os frequentes momentos de muito mau gosto e alguma vulgaridade semeados pelo encenador.
No meu dia os cantores tiveram desempenho mediano, com a clara excepção pela positiva de Chiara Amarú (no papel titular) e pela negativa de Luca Dall’Amico (Alidoro).
O coro esteve vocalmente bem, mas está velho, sem chama, exibindo em passeatas paulatinas pelo palco a sua tarimba profissional.
A orquestra esteve aceitável sob o ponto de vista da execução formal, mas totalmente inexpressiva e lenta sob o comando de Pedro Neves.
Fiquei infelizmente com a sensação de que este jovem e promissor maestro, de quem tenho aliás óptima impressão, terá aparentemente caído na armadilha de aceitar uma tarefa claramente superior às suas capacidades do momento.
JAM 03/04/2015