quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

CREPÚSCULO DOS DEUSES (GOTTERDAMMERUNG) – Royal Opera House – 2 Novembro 2012




O Crepúsculo dos Deuses é, sem duvida, um monumento musical e encerra o Ciclo do Anel que cada vez mais acredito que tem de ser visto como Wagner o entendia, ou seja, em sequência e com poucos dias de intervalo entre as operas. Só assim nos sentimos envoltos na sua trama emocional, nos seus símbolos, na sua magia, e ao mesmo tempo, se nos clarifica a evolução da história. Podemos também criar novas dúvidas e novas interpretações se nos dermos ao trabalho de pensar e não ver a história na sua faceta mais superficial.

Wagner é brutal mas... Isso já todos sabemos, não?

Acho que, pelo menos com este quarto ciclo da sequência de quatro que a Royal Opera levou a cena em Setembro a Novembro de 2012, se fez história em Covent Garden. Nunca assisti a tamanha ovação sabedora no final de cada récita e acho que a Orquestra e Pappano nunca estiveram tão bem em Wagner. A Orquestra esteve sublime neste Crepúsculo, com particular atenção para aquilo que por vezes falha e que são os metais. O dueto entre Brunnhilde e Siegfried, a viagem pelo Reno, a Morte de Siegfried, a marcha fúnebre e o final foram marcantes e da melhor qualidade musical a que já assisti ao vivo em Wagner.

Stefan Vinke continua de forma especial, a personificar um Siegfried inocente. A sua confiança e despreocupação são transmitidas em expressões físicas que lhe saem com uma naturalidade impressionante. A voz transparece esse sentido e talvez por isso seja prazeroso ouvi-lo.


Podem existir outras Brunnhildes na actualidade que possam superar Susan Bullock mas serão poucas. A sua presença em palco, a sua paixão pela representação e por cantar, e a química que revela em palco com Vinke, elevam-na a um patamar de grandeza que era o que esperava encontrar da sua parte. Muitos terão preferido outras Brunhildes, outros não gostarão da voz de Bullock, mas essas opiniões divergentes existirão sempre e principalmente neste papel. Para mim foi um prazer ouvi-la.






John Tomlinson é uma lenda viva! O seu Hagen é soberbo! A voz de Tomlinson nunca teve grande profundidade fruto do seu timbre especial mas a forma como puxa e ainda consegue arrancar um “Hoihos” com personalidade é impressionante.  E toda a sua postura e interpretação do papel, a astúcia, a malvadez, a artimanha, tudo se revela no mais pequeno detalhe, no olhar, no gesto. Se surpreendeu em 2007 ao dizer “sim” a cantar Wotan no lugar de Terfel numa altura em que já não estaria tão vocalmente confortável no papel, em 2012 marca este Anel com o seu Hunding e Hagen colossais!




Wolfgang Koch continuou a surpreender pela positiva com o seu Alberich embora não seja esta a ópera de maior relevo para esta personagem.


Mihoko Fujimura, um dos links com o Anel de 2007, regressou em grande para o pequeno papel mas detentor de passagem vocal das mais agradáveis do Anel.


O mesmo não se pode dizer de Peter Coleman Wright como Gunther, também ele repetindo papel de 2007. A voz perdeu forca, a caracterização da personagem, tal como o seu Donner embora um pouco menos, revela alguma falta de afirmação masculina necessária para a credibilidade da personagem. Iain Paterson, teria sido uma aposta mais de acordo com a qualidade geral.


Rachel Willis Sorensen esteve muito bem como Gutrune, assim como as Norn e as Rheinmaidens.




Da encenação fica-me só uma desilusão. O que cenicamente vemos na marcha fúnebre é demasiado fraco em relação à preocupação geral e melhorada desta reposição com os leitmotivs. Se em 2007 Siegfried se levantava e caminhava sob fundo preto, algo pobre e pouco interessante, em 2012 Siegfried mantém-se inerte no chão e aparece o que me pareceu ser o Wanderer que, após se ouvir o tema da espada, cai de joelhos e deixa de ter foco de luz. Não tem muito nexo Wotan aparecer aqui, na minha opinião. Tal como Waltraute diz a Brunhilde, Wotan permanece em Walhalla esperando o fim dos deuses.

Em resumo, este Anel foi excelente! Uma Orquestra e direcção de grande qualidade, um melhorar de alguns pormenores da encenação original, com uma excelente direcção de actores e a preocupação pelo detalhe e valorização dos leitmotivs, e um leque de cantores em excelente forma vocal e interpretativa. A Royal Opera a mostrar porque é um dos melhores locais fazedores de Ópera e, sem dúvida, onde não me canso de voltar. Talvez o mesmo tenha sentido Bryn Terfel que, inesperadamente surgiu no final da récita, no palco para participar nos agradecimentos, e vinha, tal como é hábito nestes fanáticos deste blog, com uma câmara de vídeo em punho, a guardar este momento para o futuro.

Esta casa de Ópera é especial para mim porque foi nela que assisti pela primeira vez a uma Ópera ao vivo, curiosamente A Valquíria desta produção. Foi aqui e foi esta produção o primeiro Anel completo a que assisti. Mas penso que em nada este valor sentimental me faz exagerar em tudo o que aqui disse. Se para outros isso parecer, não nos esqueçamos que um espectáculo de ópera, ou de outra coisa qualquer, vale o que vale, desde que para nós valha alguma coisa e tenha a magia de nos fazer felizes!


TWILIGHT OF THE GODS (Götterdämmerung) - Royal Opera House - November 2, 2012




The Twilight of the Gods is, without doubt, a musical monument and terminating the Ring Cycle that increasingly believe that has to be seen as Wagner understood it, ie, in sequence and with a few days between the operas. Just so we feel enveloped in its emotional plot, in its symbols, its magic, and at the same time, if we clarify the evolution of history. We can also create new questions and new interpretations if we bother to think and not see the story in its most superficial aspect.

Wagner is brutal but ... That we all know, no?

I think, at least with this fourth cycle of the sequence of four that the Royal Opera took to scene in September to November 2012, history was made in Covent Garden. Never saw such a knowledgeable ovation at the end of each night and I think Pappano and the Orchestra have never been so well in Wagner. The Orchestra was sublime in Twilight, with particular attention to what sometimes fails - the metals. The duet between Siegfried and Brunnhilde, Siegfried’s trip on the Rhine, Death of Siegfried, the funeral march and the end were remarkable and the best quality musical I have ever seen live in Wagner.

Stefan Vinke continues in a special way, to impersonate an innocent Siegfried. His confidence and light living are transmitted in physical expressions in a very natural stunning way. The voice transpires that sense and so maybe it is such a pleasurable listening.


There may be other Brunnhildes nowadays that can overcome Susan Bullock but will be few. His stage presence, his passion for singing and acting, and chemistry that reveals on stage with Vinke, elevate her to a level of greatness that was what I expected to find. Many have preferred other Brunhildes, others will not like the voice of Bullock, but these divergent opinions will always exist and especially on this role. For me it was a pleasure to hear her.






John Tomlinson is a living legend! His Hagen is superb! Tomlinson's voice never had deep sound due to his special timbre but the way he sings and still manages to pull his "Hoihos" with personality is amazing. And his whole attitude and interpretation of the role, cunning, malice, a ruse, all is revealed in the smallest detail, the look, the gesture. If he surprised in 2007 to say "yes" to sing Wotan in place of Terfel at a time when it was no longer so comfortable in the role vocally, in 2012 he marks this Ring with his colossal Hunding and Hagen!





Wolfgang Koch continued to surprise positively with his Alberich although this is not the best of the 4 operas to evaluate this role.


Mihoko Fujimura, one of the links with the 2007 Ring, returned in great style to the small role of Waltraute but where the most enjoyable passages of the Ring, full of leitomivs, is sung.


The same cannot be said about Peter Coleman Wright as Gunther, also repeating this role as in 2007. The voice lost strength, the characterization of the role, such as his Donner, although somewhat less, reveals a lack of male affirmation necessary for the credibility of the character. Iain Paterson, would have been more in line with the overall quality.


Rachel Willis Sorensen was very good as Gutrune as well the Norn and the Rheinmaidens.





The staging was a disappointment to me only in one aspect. What we can scenically see in the funeral march is too weak in relation to this general concern and improved choices with leitmotifs. In 2007 Siegfried stood up and walked under a black background, something poor and uninteresting, Siegfried in 2012 remains inert on the ground and appears what seemed to be the Wanderer on the backstage, who after listening to the theme of the sword, falls to his knees and no longer has a focus light. Not much nexus for Wotan to appear here, in my opinion. As Waltraute says to Brunnhilde, Wotan remains in Walhalla awaiting the end of the gods.

In summary, this Ring was excellent! An orchestra and a direction of great quality, a few details to improve the original staging, with excellent direction of actors and concern for detail and appreciation of leitmotifs, and a range of singers in excellent vocal form and interpretation. The Royal Opera showed that it is one of the best places to see opera and undoubtedly where I never tire returning to. Perhaps it makes sense that Bryn Terfel, unexpectedly appeared at the final curtain call, on stage to participate in the acknowledgments, and went, as usual with the fanatics of this blog, with a video camera in hand, to save this moment for the future.

This opera house is special to me because it was where for the first time I attended a live opera, The Valkyrie curiously the same of this production in 2005. It was here and with this production my first complete Ring. But I believe that this sentimental value did not make me exaggerate any of my comments. If it seemed that way to some of you, let us not forget that an opera performance, or a performance of something else, worths for what it worths, as long as if for us it worths something and has the magic to make us happy!


1 comentário:

  1. @ wagner_fanatic,

    É sempre um privilégio raro poder assistir a um anel inteiro. E, quando a interpretação atinge (ou supera) as expectativas, ainda melhor, como penso ter sido o caso.
    Brevemente espero ser eu a usufruir deste prazer invulgar.
    Obrigado pelo relato e, mais uma vez, parabéns pelas excelentes fotografias.

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