(review in english below)
A reposição desta encenação do Così fan tutte de Jonathan Miller é já um clássico das temporadas recentes da Royal Opera House. O trabalho de Miller é de excelente qualidade trazendo todos os pormenores essenciais para a compreensão fácil da obra e, sendo original em várias escolhas, mantém-se fiel a Mozart e Da Ponte. A acção passa-se na sala de Fiordiligi e Dorabella, que aparentam trabalhar no mundo da moda, a qual se pode ver na imagem seguinte.
Ferrando e Guglielmo simulam a ida para o campo de batalha como capacetes azuis da ONU, voltando disfarçados de roqueiros meio punks. Depois, a partir daqui segue-se toda a acção. A partida é acompanhada por reportagem com câmara man da CNN; na cena do adeus, Dorabella salta para o colo de Ferrando enquanto Fiordiligi recusa o que deixa Guglielmo estupefacto, fazendo o clássico sinal do “liga-me” com a mão simulando um telefone; elas vêm de preto depois de eles se irem embora como que de luto pela separação; Dorabella na sua ária “Ah, scostati!” tenta abrir um frasco de aspirinas de embalagem protegida para crianças e não consegue, sendo Despina que lha abre e com facilidade; Dorabella bebe um Starbucks e fica com espuma nos lábios e nariz causando um momento cómico de grande simplicidade; elas voltam como roqueiras aquando da cena do casamento, quando cedem ao amor de ambos; Despina aparece como médica vestida de bata e luvas com sangue, utilizando um desfibrilhador com a ajuda de duas enfermeiras, para acordar os jovens da sua intoxicação por arsénico (aqui uns quantos M&Ms ingeridos com prazer) – mantendo alguma veracidade cénica no evocar do Mesmerismo; o cravo entra na brincadeira ao tocar o toque da Nokia para o telemóvel de Don Alfonso; o contrato nupcial é assinado num computador portátil; no dueto “Il core vi dono”, Guglielmo tira foto em iPhone a beijar mama de Dorabella, a qual depois serve para mostrar a Ferrando a prova da traição da sua amada... E muitos outros apontamento que descritos aqui não conseguem transparecer o brilhantismo ao vivo.
A diferença destas duas récitas foi apenas no maestro. David Syrius optou por um andamento mais rápido do que Colin Davis, principalmente na abertura, algo que me agradou mais até porque me pareceu que a orquestra se identificou mais com Syrius, tocando de forma mais fluente, não se notando tanta rudeza de contacto do arco nas cordas dos violinos e violas quando se tenta tocar mais lento e piano. Não posso deixar de dizer que Davis, em vez de grunhir enquanto dirige (como alguns maestros fazem), canta e canta afinado e no tempo, o que não incomoda e não deixa de ter a sua magia.
Thomas Allen vive a personagem de Don Alfonso de uma forma tão sentida e com uma naturalidade cómica que impressiona muito e nos deixa com vontade de o ouvir e ver e continuar a ouvir e a ver. Um ícon histórico em Mozart que continua a honrar o génio do compositor. Esteve excelente em ambas as récitas.
Malin Byström esteve fantástica, muito expressiva e contrariando um pouco a ideia que dela tinha (muito séria e fria no transmitir corporalmente as emoções). A sua beleza de timbre e potência vocal equilibrada ofereceram uma Fiordiligi apaixonante. O seu “Per pièta” foi impressionante!
Michèle Losier esteve melhor na récita de dia 13, mais solta em palco e vocalmente mais fresca. Convence como Dorabella e, tal como todos, tem uma voz de grande beleza.
Charles Castronovo foi a maior revelação para mim. Ouvi este cantor pela primeira vez e que voz! Espectacular! Um dos grandes tenores da actualidade, com capacidade de transformar tudo o que canta em excelência. A ária “un’aura amorosa” foi muito bem mas em “Tradito” e no dueto com Fiordiligi "Fra gli amplessi..." foi simplesmente brutal!
Nicolai Borchev é um óptimo actor, tem uma voz de timbre agradável, mas foi talvez o que menos me agradou. Muito em parte pela sua postura interpretativa no “il core vi dono” – foi demasiado jocoso, diminuíndo a profundidade da beleza melódica deste dueto, e o seu sentido erótico implícito. É um momento que antecede o consumar da primeira traição e tem que ser apaixonante, sentido, sério na emoção que traz e transmite. Nem tudo tem que ser cómico, nem deve, no Così.
Rosemary Joshua foi, tal como Michèle Losier, uma das intérpretes que esteve melhor na segunda récita, conseguindo a modulação vocal necessária da personagem de forma mais credível e agradável. Esteve também mais convincente na cena em que personifica o médico, uma cena que, por si só, me pareceu a menos consistente da encenação – é pouco provável ter um desfibrilhador, duas enfermeiras, uma bata e luvas com sangue em casa...
Ainda com o Così do São Carlos presente no espírito, de um modo geral, gostei muito desta produção também, embora não consiga dizer que foi melhor em todos os níveis. Gostei mais do par Fiordiligi-Ferrando em Londres, se me permitem que compare com Lisboa, mas a magia da voz, interpretação e cumplicidade de João Merino e Luisa Francesconi foi muito maior que a de Borchev e Losier.
Così fan tutte - Royal Opera House - February 2 and 13, 2012
The Jonathan Miller production of Così fan tutte is already a classic of recent seasons of the Royal Opera House. Miller's work is of excellent quality, bringing every detail for easy understanding of the work and, in several original choices, remains faithful to Mozart and Da Ponte. The action takes place in a room of Dorabella and Fiordiligi house, who appear to work in the fashion world (image below).
Ferrando and Guglielmo simulate a trip to the battlefield as UN peacekeepers, returning disguised as punk rockers through. Then, from here the action takes its way. The game is accompanied by a report from CNN camera man; in the scene of farewell, Dorabella jumps to Ferrando's lap while Fiodiligi does not do the same with Guglielmo leaving him stunned, making the classic sign of the "call me" with the hand mimicking a telephone; the sisters come in black after they're gone like mourning the separation; Dorabella in her aria “Ah, scostati!” tries to open a bottle of aspirins, child proof, and she can not, and Despina opens it easily, helping her; Dorabella drinks a Starbucks coffee leaving the foam on her lips and nose causing a humorous moment of great simplicity; the sisters return dressed as rockers for the wedding scene,; Despina appears as a doctor dressed in gown and gloves with blood, using a defibrillator with the help of two nurses to awake the youth from his poisoning arsenic (here a few M&M’s eaten with pleasure ) - keeping some truth in the recall of Mesmerism; the harpsichord plays the Nokia tune for the mobile phone of Don Alfonso; the marriage contract is signed in a portable computer; in the duet "Il core vi dono," Guglielmo takes pictures with an iPhone kissing Dorabella’s breast, which then serves to show proof to Ferrando of her betrayal... And many others notes that described here cannot show you the live effect.
The difference between these two nights was only in the conductor. David Syrius choosed a faster pace than Colin Davis, especially in the ouverture, something that pleased me even more because I felt that the orchestra was more identified more with Syrius, playing more fluently. I must say that Davis, instead of grunting while conducting, as some conductors do, he sings and sings in tune and in time.
Thomas Allen lives the character of Don Alfonso in such an experienced and natural comic way that leaves us wanting to hear and see and continue to hear and see him. A historical icon that continues to honor the genius of Mozart. He was excellent in both nights.
Malin Byström was fantastic, very expressive and a bit against the idea that I had of her (very serious and cold in giving us her emotions). The beauty of timbre and vocal power offered a balanced and passionate Fiordiligi. Her "Per pieta" was awesome!
Michèle Losier was better in the February 13th, looser on stage and vocally cooler. A very good Dorabella and, like the others, with a voice of great beauty.
Charles Castronovo was the biggest revelation to me. I heard this singer for the first time and what a voice! Spectacular! One of the greatest tenors of our time, able to transform all that he sings in excellence. The aria "un'aura amorosa" was fine, but in "Tradito…" and duets with Fiordiligi in "Fra gli amplessi..." was just brutal!
Nicolai Borchev is a great actor, has a pleasant voice, but was perhaps the one who least pleased me. Much in part by his interpretive skills in the duet “Il core vi dono” - was too facetious, decreasing the depth of the melodic beauty of this duet, and its erotic sense implied. It is a time prior to the consummation of the first treason and must be passionate, felt, and transmiting a true emotion. Not everything has to be humorous, or should, in the Così.
Rosemary Joshua was, as Michèle Losier, better in the February 13th, giving a better necessary vocal inflection of the character making it more believable and enjoyable. She was also more convincing in the scene that embodies the doctor, a scene that, by itself, seemed the least consistent of the production - is unlikely to have a defibrillator, two nurses, a gown and gloves with blood at home...
Even with the Così fan tutte production of the Teatro Nacional de São Carlos very present in my spirit, in general, I enjoyed this production too and a lot, though I cannot say it was better on all levels. I liked the pair Fiodiligi-Ferrando in London more than in Lisbon but the vocal magic, interpretation and complicity of João Merino and Luisa Francesconi was much bigger than that of Borchev and Losier.
Caro Fanático,
ResponderEliminaracompanho com muito interesse as crônicas deste blog. Tenho aprendido a melhor apreciar os espetáculos musicais.
Parabéns e um abraço
Recordo-me, há alguns anos, da relevante prestação de Charles Castronovo na gala de inauguração da Casa da Música.
ResponderEliminarNice shots! I've got a new camera, but still don't know how to choose the right ISO. Last time I set 400, but the pictures were not so clear. What ISO do you set?
ResponderEliminarTomorrow on March 24, at 7 pm, you can watch "Eugene Onegin" live from the Bavarian state opera ( www.staatsoper.de)
Cosi Fan Tutte é a ópera de Mozart que mais gosto. Ainda não tive oportunidade de ver a produção da Royal Opera House, apesar de ter lido muitos elogios sobre ela. Mas este aval positivo no blogue é, para mim, o mais importante, Ainda bem que gostou wagner_fanatic. Espero poder ver esta produção ao vivo brevemente.
ResponderEliminarVi, pela primeira vez, Charles Castronovo em Munique, na Lucrezia Borgia, e fiquei muito bem impressionado.
Hello lotus-eater,
ResponderEliminarI have that Sony camera I once told you and my knowledge of photography is not very good. I usually use the pre-defined options the camera has. If there is good light on stage, I use the option with the "green camera" option. If there is low light on the stage, or if the singers come and the red curtain in down, I use the "easy" option (but if the red curtain is down I recommend to only try for a video because the photos end up to be horrible, even with other camera options).
FanaticoUm is in Munich and he will see the Eugene Onegin live! I will try to see it on the Bavarian State Opera site, as you told me. Thank you.
Poor FanaticoUm! In this Eugene Onegin all male characters are homosexual! It's just illogical and contradictory. They killed the beautiful music of Tschaikowski!!!
ResponderEliminarSummertime greetings from Belgium,Willy
ResponderEliminarCaro Wagner_fanatic,
ResponderEliminarO facto de o Così do TNSC não lhe sair da cabeça, apesar de ter assistido a estas duas récitas na ROH abonam muito a favor do nosso teatro: é que o canto do cisne aqui em Portugal foi mesmo de elevada qualidade. Pena que os directores do TNSC não apostem por menos com mais qualidade. E mais pena tenho, ainda, da desvalorização que se faz da ópera a nível nacional: que estranho não haver empresas interessadas em promover o único teatro de ópera do país...
Saudações