(review im English below)
Foi com grande satisfação que tive oportunidade de voltar ao Met, onde pude assistir a três espectáculos de ópera (Roméo et Juliette, Lucia di Lammermoor e Armida) em três dias consecutivos.
Das três darei opinião neste espaço. Começo pela Armida, que o Alberto Velez Grilo também viu e sobre a qual escreveu uma excelente crítica no seu blogue Outras Escritas. Guardarei o texto sobre a Lucia di Lammermoor para depois da apresentação da ópera na Gulbenkian (Met Live no próximo Sábado) pois estou com curiosidade em comparar as duas formas tão distintas de assistir ao espectáculo.
Armida é uma ópera de G. Rossini com libretto de Giovanni Schmidt, baseada no poema épico Gerusalemme Liberata de Torquato Tasso. Conta a história de uma princesa árabe de Damasco, Armida, que se apaixona por um cruzado cristão, Rinaldo, que tenta seduzir através dos seus poderes mágicos e, assim, neutralizar os cruzados. Mas, depois de o seduzir num mundo ilusório de prazer, é por ele abandonada, destruindo o palácio do prazer e desaparecendo.
A encenação, de Mary Zimmerman, tem partes interessantes, como o início num oásis perto de Jerusalém onde o palco é rodeado por muros de pedra e, por detrás deles, se vê um templo. Mas outras são algo bizarras, sobretudo o palácio do prazer de Armida no 2º acto em que aparecem, entre outras, criaturas masculinas vestidas de diabos com cornos, rabo comprido e tutus. Não percebi se a intenção da encenadora era ridicularizar a situação ou tentar colocá-la num mundo de magia com algumas originalidades de gosto discutível. Este acto é dominado por um bailado que dura quase meia hora e não acrescenta nada de significativo ao espectáculo, mas aqui a culpa não é da encenadora. O início do 3º acto, no jardim encantado de Armida, com um campo de papoilas de belo efeito cénico, também não se revelou tão interessante quanto a primeira impressão sugeria.
O maestro Riccardo Frizza, especialista em Rossini, foi eficaz mas não encantou. A orquestra do Met esteve, como sempre, em grande nível e o Coro também merece uma palavra de grande apreço, dada a sua excelente interpretação.
O difícil papel de Armida, personagem principal da ópera, é um verdadeiro tour de force para a intérprete que, ao longo da récita, passa por períodos de felicidade, sedução, paixão, ódio e desespero. Foi interpretado pelo soprano americano Renée Fleming. É uma cantora por quem tenho enorme respeito, pois já me proporcionou momentos interpretativos inesquecíveis. Tem um timbre único e uma voz cremosa de grande beleza (o termo não é meu mas parece-me muito bem aplicado). Contudo, não é uma cantora “rossiniana” e isso foi muito evidente na récita. A coloratura, essencial em Rossini, não existiu e, como já havia referido há tempos quando a ouvi na Traviata, acho que iniciou a fase de declínio vocal. A ária mais famosa da ópera, D’amore al dolce impero, no 2º acto, não foi interpretada como um trecho de belcanto. Achei que a voz, mantendo a beleza, foi pequena, teve pouca agilidade (essencial em Rossini) e revelou falta de força. Artisticamente, contudo, continua a ter uma boa presença em palco.
Lawrence Brownlee, tenor americano de timbre claro, foi Rinaldo, o melhor cantor da récita. A voz lírica é de uma beleza notável e, este sim, capaz de uma coloratura adequada a Rossini, aparentemente alcançada sem esforço e recheada de notas agudas de grande qualidade. Vocalmente transmitiu as diferentes emoções da personagem, embora lhe faltasse a força em algumas passagens. Artisticamente, não teve um bom desempenho. Mas a sua ária de remorso, a solo no 3º acto, foi o momento alto da noite.
Em papeis menores (de cruzados) mas significativos ouviram-se mais quatro tenores:
Goffredo, um comandante das forças cristãs interpretado pelo americano John Osborn. Esteve bem, sem encantar. A voz é de timbre claro e os agudos fáceis e quase sempre audíveis.
Gernando que só canta no 1º acto, foi o italiano Antonino Siragusa, que mal se ouviu.
Carlo, que canta só no 3º acto, foi o inglês Barry Banks. Fez-se ouvir bem e mostrou uma voz de qualidade, sobretudo no registo mais agudo.
Ubaldo, que também só canta no 3º acto, foi interpretado pelo Sul Africano Kobie van Resenburg, outro cantor que mal se ouviu.
Um espectáculo interessante mas que ficou aquém das minhas expectativas.
***
Armida - Metropolitan Opera, New York, March 2011
It was with great satisfaction that I had the opportunity to return to the Met, where I could watch three opera performances (Roméo et Juliette, Lucia di Lammermoor and Armida) on three consecutive days.
I will review the three in this blog. I start with Armida, that was also seen by Alberto Velez Grilo and about which he wrote an excellent review on his blog Outras Escritas. I will keep the review of Lucia di Lammermoor for after the presentation of the opera at Gulbenkian (Met Live next Saturday) because I'm curious to compare the two distinct forms to see the performance.
Armida is an opera by G. Rossini with libretto by Giovanni Schmidt, based on the epic poem Gerusalemme Liberata by Torquato Tasso. It tells the story of an Arab princess of Damascus, Armida, who falls in love for a christian crusader, Rinaldo. She tries to seduce him through her magical powers and thus neutralize the crusaders. But after seducing him in an illusory world of pleasure, she is abandoned by him, destroying the pleasure palace and flying away in a rage.
The production by Mary Zimmerman has interesting parts, such as the first scene on an oasis near Jerusalem where the stage is surrounded by stone walls and behind them a temple can be seen. But other parts are somewhat bizarre, particularly Armida's pleasure palace in Act 2 in which appear, among others, male creatures dressed as devils with horns, long tails and tutus. I did not realize if the stage director's intention was to ridicule the situation or try to put it in a world of magic with some questionable options. This act is dominated by a ballet that lasts almost half an hour and adds nothing relevant to the show, but here the fault is not of the stage director. The beginning of the 3rd act, the enchanted garden of Armida, with a field of poppies has a beautiful scenic effect, but afterword it has not proved to be as interesting as the first impression would suggest.
Maestro Riccardo Frizza, a Rossini specialist, was effective but he did not thrilled the audience. The Met Orchestra was, as always, at a high level of performance and the Choir also deserves a word of great consideration, given their excellent interpretation.
The difficult role of Armida, opera's main role, is a tour de force for the singer who, along the performance, lives through periods of happiness, seduction, passion, hatred and despair. It was interpreted by American soprano Renée Fleming. She is a singer for whom I have enormous respect, as she gave me unforgettable moments of marvellous interpretations in the past. She has a unique timbre and a creamy voice of great beauty (the term is not mine but it seems very well chosen). However, she is not a "rossinian" singer and that was very evident throughout the performance. The coloratura, essentially on Rossini, did not exist. As I have already mentioned when I heard her in La Traviata, I think she is in the beginning of the decline of her great vocal capacities. The most famous aria from the opera D’amore al dolce impero, in Act 2, was not interpreted as a belcanto text. I found the voice small, although keeping the beauty, with little flexibility (essential in Rossini) and lacking power. Artistically, however, she continues to be very good.
Lawrence Brownlee, American tenor with a light timbre interpreted Rinaldo. He was the best singer of the performance. His lyric voice is beautiful and is able for the appropriate Rossini coloratura, apparently achieved without effort and full of top notes of great quality. Vocally he was able to convey the different emotions of the character, although it lacked power in some parts. However, artistically, he was poor. But his aria of remorse, the solo in the 3rd act, was the highlight of the evening.
In smaller but significant roles (knight crusades) we have heard four other tenors:
Goffredo, a Christian army commander played by the American John Osborn had a good performance. The timbre was clear and top notes appeared easily and he was almost always audible.
Gernando who only sings in the 1st act, was the Italian Antonino Siragusa. He was barely heard.
Carlo, who sings only in the 3rd act, was the English Barry Banks. He was well heard and proved to have a voice of quality, especially in the upper register.
Ubaldo, who also sings only in the 3rd act was interpreted by the South African Kobie van Resenburg, another singer who was almost not audible.
An interesting show but below my expectations.
***
Caro FanaticoUm
ResponderEliminarObrigado pela referência à minha crítica à Armida do MET. Parece-me que concordamos quase em tudo, principalmente no que diz respeito ao desempenho de Brownlee e de Fleming.
Também assisti a uma récita da Lucia com a Dessay, atrevo-me a dizer que vai gostar mais da Dessay da Gulbenkian do que da Dessay do MET, mas aguardarei.
Publicarei o meu comentário no Outras Escritas durante a próxima semana.
Cumprimentos
Alberto
Caro Alberto,
ResponderEliminarTenho o texto sobre a Lucia já escrito, mas aguardo com interesse a projecção do MetLive na Gulbenkian para posteriormente o divulgar, com comentários também à projecção em HD.
Estou muito curioso em ver quão diferente será o que é transmitido relativamente ao que se assiste ao vivo. Também acho que vou ter surpresas embora, posso desde já adiantar e penso que concordará comigo, a qualidade dos intérpretes principais da Lucia foi muito superior aos da Armida.
Cumprimentos musicais
Fanatico,
ResponderEliminaraqui de longe assisti a esta Armida no MetPlayer. Vou portanto comparar entre o que vi no video e o que ouvi na Antena 2 no fim de semana passado.
Concordo contigo quando dizes que os cantores não estão à altura dos papeis. é um facto. A gravação que vi já tem um ano, mas acredito que não se tenha alterado muito. Ainda assim, devo dizer-te que, comparando a gravação com o que ouvi em directo na Antena 2 (e a que tu assististe), Fleming já se encontra novamente muito mais à vontade como Armida do que há um ano atrás (não te esqueças que este papel foi o que catapultou a soprano para o centro das atenções, e considera-la como uma não Rossiniana, não é o mais adequado. Foi-lo pelo menos em tempos).
Quanto à encenação, discordo totalmente contigo. Achei bastante agradável, muito bem concebida e perfeitamente adequada à ópera. A cena no castelo encantado acho que está perfeita, qual castelo da bruxa da Bela Adormecida. Se ela convoca os espíritos do abismo, estes devem ser demónios. Se estes posteriormente assumem ares de sedução, devem-se transformar. Achei portanto, tudo muito adequado.
A direcção musical, no dvd, é pesada é algo arrastada. do que ouvi na Antena 2, estava melhor, com uma maior dinâmica.
I remember Rene Fleming as Marschallin in "Der Rosenkavalier". A great soprano!
ResponderEliminarI've heard a lot of Lawrence Brownlee. I wish I could get a chance to hear him in Europe.
@ blogger,
ResponderEliminarObrigado pelo seu comentário. Não sei o que se terá ouvido na antena 2 (no próximo Sábado terei oportunidade de ver em HD no Met Live outra ópera a que assisti ao vivo e estou muito curioso em perceber as diferenças, embora saiba que não é a mesma coisa), mas a Renée Fleming, cantora que muito respeito, repito, não está actualmente à altura deste papel rossiniano. Sei que esta ópera foi montada no Met para ela (li isso tudo) mas, ao vivo, peço desculpa mas não consegue cumprir as exigências da interpretação rossiniana, nomeadamente no que à coloratura respeita. E potência vocal é algo que também já lhe falta com frequência.
Em relação à encenação, respeito a sua opinião mas, pessoalmente, houve várias coisas de que não gostei. Que visualmente resulta é um facto, mas os diabinhos de barba e de tutu excedem largamente os ares de sedução, ou porque foram concebidos para gozar com a cena, ou porque foram simplesmente uma opção de gosto discutível.
Esperava melhor no Met mas, como referi, não deixou de ser um espectáculo interessante.
Volte sempre ao comentário neste espaço. A sua opinião é sempre bem vinda, ainda que parcialmente discordante da de um de nós, mas é isso que traz o interesse aos comentários.
@ lotus-eater,
I also like Renée Fleming very much. She has a beautiful soprano voice. However, her vocal interpretation was not at the level that this difficult Rossini role demands. Coloratura and power were both frequently not suitable. Lawrence Brownlee had an excellent interpretation of Rinaldo. I am sure we will have the chance to see him in Europe in the future.
Renée ***
ResponderEliminarwott?
ó fanatico,
ResponderEliminarmas não te deu uma enorme vontade de rir com os diabretes de tutu a dançar? hehe
eu acho que é mesmo isso o espírito de Rossini. é bem disposto! desde o primeiro acto que vês laivos de ironia nas expressões de Armida. e do final não gostaste? com as asas do dragão?
@ blogger,
ResponderEliminarSem dúvida que o espírito de Rossini é, em grande parte das suas óperas, bem disposto, mas a Armida não está claramente nesse grupo. Confesso que não achei grande graça aos diabinhos de tutu naquele enquadramento. Admiti que fosse uma interpretação jocosa da encenadora, subvertendo um pouco a (grande) cena, ma não fiquei seguro disso.
Vamos ter brevemente no Met Live uma ópera em que, aí sim, esse espírito rossiniano será dominante - Le Compte Ory. Veremos que solução inovadora nos proporá Bartlett Sher e, dessa vez, penso que vamos ouvir Rossini em todo o seu esplendor. Os protagonistas têm esssa obrigação porque são especialistas e absolutamente excepcionais.
Não conheço esta ópera de Rossini (desculpem aqui ao Wagneriano...) mas estou a gostar de ler os vossos comentários à crítica do FanaticoUm.
ResponderEliminarSei que há uma gravação em DVD desta produção, a qual também se pode ver pelo Metplayer como o blogger disse. Vale o tempo para se ver ou só mesmo para se gozar com os diabinhos em tutu? :)
Cumprimentos musicais.
Caro FanaticoUm,
ResponderEliminarObrigado pela crónica (aguardo a da "Lucia" e espero poder ir à Gulbenkian no Sábado).
Não pude ouvir a transmissão completa da "Armida" mas o que ouvi não me fascinou. "D’amore al dolce impero" foi desesperante.
Ouvi a Fleming ao vivo na Gulbenkian e, nessa época, já se notavam muito bem as dificuldades na coloratura. A voz era belíssima mas foi nas árias da "Rusalka" e de "Die Tote Stadt" que ela esteve gloriosa.
Caro Paulo,
ResponderEliminarTambém ouvi a Renée Fleming nesse concerto na Gulbenkian e estou inteiramente de acordo com a sua opinião. Apesar de tudo foi um espectáculo marcante e ela esteve gloriosa em algumas interpretações, como bem refere.
O texto sobre a "Lucia" só surgirá depois do Met Live de Sábado pois estou curioso em comparar as duas experiências (Live in Met e Met Live in HD!).
ó Wagner, tudo vale apena quando a alma nao é pequena ! lol
ResponderEliminarMas agora fora de brincadeiras, aacho que vale apena ver. Não é uma obra prima, mas é um momento bem passado. E devo dizer-te, isto é um comentário de quem nao acha grande Piada à opera de Rossini (mas que se vai converter !)
Ah Paulo, a Rusalka! isso sim, é uma opera que adoro ouvir! e a Fleming é brutal! Gostava mesmo que o Met lançasse ~uma gravação da Rusalka da temporada passada. Comprava na hora. Mas a de paris também está muito bem conseguida.
Rusalka e Thais, para mim, os dois grandes papeis de Fleming.
Fanatico e Paulo, espero encontrar-me convosco na Gulbenkian no intervalo desse comte d'ory. Ja tenho saudades da civilização europeia (e de poder falar de outras coisas que nao trabalho!)
Bem sei, FanaticoUm. O texto da "Lucia" só sai depois. Eu é que ainda não sei se conseguirei ver. Não comprei bilhete antes e agora está esgotado. Vou tentar e logo se vê.
ResponderEliminarEspero que consiga o bilhete. A "Lucia" é sempre uma ópera que vale a pena ver, pois é um dos expoentes máximos do belcanto (na minha modesta opinião).
ResponderEliminarI am very happy to hear you had a wonderful time. I see there were some ups and downs, but overall it sounds terrific. Your review is excellent!
ResponderEliminariyi geceler bayanlar ve beyler.. ben araya sessizce girip bu değerli yorumlarınızı okumak suretiyle,opera icraatları hakkında bilgiler ediniyorum.. sizlere ve sevgili Fanatico'ya bu güzel yorumlarınız için teşekkür ederim...
ResponderEliminaresen kalın..
@JJ
ResponderEliminarThank you very much for your comment. Yes, it was an EXCELLENT experience, as it is always when I have the chance to go to the Met. And Ups and downs are the salt and pepper of these terrific experiences, otherwise they would just be gary (even if a very bright gray!), don't you agree?
@ sonsprinter
I also thank you the kindness of your comment, as usually. The google traductor works quite well in the traduction from turkish to portuguese (the same a can not say with other languages, as german for example). Anyway it is a fantastic tool, indeed!
Caros,
ResponderEliminarA Armida de há um ano foi sensivelmente assim, como a descreveram. Uma Fleming desajustada, mas sem percalços técnicos! A coloratura estava ok, embora não seja a de uma vera belcantista! Quanto a Brownlee, pelos vistos, esteve igual a si, na produção original, de Abril'10: UM SONHO!
O que mais me fascinou foi a mise-en-scène, de uma riqueza e profusão de cores magnífica!
Já agora, ENCONTRO MARCADO PARA A LUCIA DE SÁBADO?!!!! No primeiro intervalo, junto ao jardim (vulgo sala de fumo)?
Say something!
@ Dissoluto,
ResponderEliminarObrigado pelo seu comentário, é sempre uma mais valia.
Desta vez não faltarei e lá estarei, no primeiro intervalo, junto ao jardim.
Já conheci uma parte significativa dos bloggers que por aqui passam (ou responsáveis pelos espaços por onde eu passo) mas, confesso, a minha vontade de conhecer pessoalmente o Dissuluto, que tanto admiro, é muito grande. Espero que desta vez o consiga.
Até Sábado