Texto de wagner_fanatic
(review in English below)
Um
Parsifal impressionante em Toulouse!
A
encenação de Aurélien Bory começa na abertura com um
fundo em pano cinzento claro onde se projectam por trás, várias lâmpadas
compridas florescentes / led tipo sabre da Guerra das Estrelas, que começam
todas em fila indiana na horizontal e vão formando símbolos e letras ao longo
da abertura (significado específico, se tinham, não captei) e terminando na
mesma posição como começaram. No centro do palco uma estrutura rectangular tipo
rede, 7 por 9 quadrados, com ramos de folhas entrelaçados e que tenta
representar a floresta de Monsalvat.
Gurnemanz,
os cavaleiros mais novos, Kundry vão-se elevando pelos quadrados e há um jogo
de projecção de sombras numa tela posterior branca, côncava. A simulação da
chegada de Kundry é com uma luz que se vai mexendo nesta estrutura e projectando
o reflexo da folhagem na tela dando a noção da visão que Kundry teria ao se
deslocar entre os ramos da Floresta. O bálsamo é uma bola com luz.
Quando
chega Amfortas é transportado nos braços de vários homens com máscaras cirúrgicas
dando aqui a noção indirecta de cuidadores médicos ao homem com a ferida. Nesta
fase, a estrutura retangular já se elevou para trás e deixa Gurnemanz sentado e
Amfortas com o seu monólogo nos braços dos homens. Com a saída de Amfortas,
volta a baixar a estrutura retangular sobre as cabeças de Gurnemanz e
cavaleiros mais novos, cada um ficando como que preso num destes quadrados que
a formam.
A
narração do Graal tem projecções posteriores na tela, da lança que é a tal luz
que refiro na descrição da entrada. Quando há referências a Titurel este
aparece vestido de branco e caminha ao longo da tela com um ramo de folhagem na
mão, sobre um fundo de sombras da folhagem da floresta. Pouco antes do final da
narração de Gurnemanz, Parsifal surge vestido de branco e traz numa mão um
pequeno cisne e uma luz na outra e é ele próprio projecta a imagem do cisne na
tela de fundo branco onde estão já as sombras dos ramos da floresta.
Quando
a música sugere a morte do cisne, Parsifal faz cair o reflexo do cisne no chão
e é agarrado e colocado no meio da estrutura rectangular. A projecção da sua
sombra é agora o que se vê na tela, sombra enorme mas definida e que demonstra
a sua importância nesta fase e, ao mesmo tempo, coloca-o como réu.
A
acção desenvolve-se e a estrutura rectangular é retirada para cima não sem
antes vários homens vestidos de negro, cada um deles, ficar com um ramo de
folhagem em cada mão, deixando a estrutura completamente despida. Estes homens
dividem-se em 3 grupos e cada grupo envolve Gurnemanz, Parsifal e Kundry,
simulando-os envoltos no mistério da floresta de Monsalvat e estes a afastarem
os ramos quando falam ou quando se movem, conseguindo-se assim manter de forma
simples mas eficaz e não sem sentido, a noção do local original onde se encontram.
Quando
Parsifal se sente a desmaiar ao saber que a sua Mãe morreu, a água que Kundry
leva é feita pela projecção de luz de uma lanterna sobre as suas mãos e depois
“derramada” sobre a cabeça de Parsifal.
Na
cena da transformação, a estrutura rectangular fica vertical e na parte de trás
do palco, simbolizando o castelo. Amfortas faz monólogo no mesmo tipo de apoio
que já referi. O Graal surge como imagens de reflexo de luz na tela posterior
após desaparecimento da estrutura rectangular por cima do palco.
O
início do 2º acto volta a ver as projecções das lâmpadas compridas mas desta
vez na vertical e central do palco. Ao subir a tela vemos um Klingsor vestido
de branco, com capa, sentado com a lança na vertical à frente e agarrando-a com
as 2 mãos. Só que a mão direita não é do Klingsor mas sim de um duplo deste que
está por traz dele, vestido igual. No fundo, no que se desenvolve este duplo é
na própria “mão direita” de Klingsor, dado que é ele que vagueia pelo palco,
ficando Klingsor estático no centro, e enfeitiça Kundry e “activa” as mulheres
flor agarrando-as, elevando-as pela cintura e abanando-as.
As
mulheres flor tem vestidos corridos e véus que mais as fazem parecer cadáveres
do que flores. Todo o dueto de Parsifal e Kundry é à frente de um paralelepípedo
com as dimensões similares à grelha rectangular do 1º acto, ou seja, o símbolo
do reverso do mundo do Graal que é o mundo criado por Klingsor. Este paralelepípedo
vê impresso por detrás imagens de corpos desnudos de homens e mulheres,
enquadrando assim o já sabido mundo carnal de Klingsor.
No
3º acto, não há lâmpadas como no início dos outros actos, mas sim várias sobras
de homens com armadura e com lança, vagueando de um lado para o outro, em
simbolização do à deriva de Parsifal até voltar a Monsalvat. Gurnemanz, que tal
como os cavaleiros, está careca no 1º acto, aparece agora com cabelo, sendo o
mesmo válido para os cavaleiros e Amfortas quando mais tarde aparecem. Parsifal,
por sua vez, com cabelo no 1º acto e agora careca. O encenador, no meu
entendimento, coloca aqui a noção de imortalidade dada pelo Graal, com o
crescimento do cabelo a simbolizar o envelhecimento dos cavaleiros e de
Amfortas por este não celebrar o ritual, ao passo que Parsifal, iluminado pela
lança como extensão sagrada do Graal, atinge essa imortalidade.
Monsalvat
é agora um ambiente de palco escuro, ficando novamente com uma estrutura
geométrica quadrangular, feita por fios verticais com lampadas que se acendem e
apagam em padrões ao longo do acto. A simbolização da água que lava os pés e a
cabeça de Parsifal é feita novamente por uma luz de lanterna. Durante a final
intervenção vocal de Parsifal, em vez do original toque da lança para curar a
ferida de Amfortas (que aqui nunca se define, nunca se vê), este vai como que injectando
em Amfortas várias lâmpadas compridas (= várias lanças) até Amfortas se tornar
novamente são e caminhar pelo seu pé para fora de palco.
A
lança extingue-se assim em Amfortas, Parsifal agarra do chão último um ramo da
floresta original, que oferece a Amfortas mas este recusa, saindo de palco.
Parece-me que assim se simboliza que agora é a ele que cabe renovar esta
Monsalvat, “reflorestar” como estaria no passado (1º acto) mas que será muito
mais forte. E sabemos que será mais forte porque desce uma estrutura em grelha
do cimo do palco até à base, com alicerces muito mais espessos que a grelha do
1o acto, caindo sobre um Gurnemanz e uma Kundry que com lanternas acesas
reforçam a ideia que se sente ao longo de toda a encenação - a luz como símbolo
do Poder do Bem (o bálsamo que Kundry traz das Arábias é uma bola luminosa, a
água que conforta o desfalecido Parsifal é a luz duma lanterna, a água que o
lava antes do baptismo e a água que o baptiza é a luz de uma lanterna, a lança
é uma lâmpada, o Graal é um reflexo de luz...) e que é com essa luz, esse
poder, que se renovará Monsalvat e o Graal.
Chuva
de “boos fáceis” para o encenador no final, altamente injusta, de uma plateia
claramente inculta nesta obra, para uma encenação sem controvérsia, com sentido
e, sendo diferente, mantendo-se mesmo assim fiel à original de Wagner.
A
par com a encenação, o que mais me impressionou foi a Orquestra, dirigida por
Frank Beermann. Esta produziu uma sonoridade e dramatismo do mais alto nível,
conseguindo algo muitas vezes ausente e que é a clara definição de cada naipe e
linha melódica (algumas por vezes abafadas em muitas produções), sem contudo se
perder a noção do conjunto. Precisão e lirismo irrepreensíveis.
A
expressividade facial e corporal quer de Peter
Rose quer de Nikolai Schukoff
foram impressionantes, com o baixo a produzir uma representação sólida de
Gurnemanz, apesar de alguma bem disfarçada (com clarear de voz e alguns
rebuçados mascados) menor saúde vocal muito possivelmente fruto da época
invernal, e Schukoff a oferecer um Parsifal expressivo, bem transformado ao
longo da récita e com um brilho e resistência vocal de excepção. Foi excelente
a sua prestação corporal durante a narração de Kundry sobre a sua Mãe.
Não
obstante, não posso deixar de achar que no dueto com Kundry no 2º acto faltou
algo... não sei se foi a sua projecção forte, sem harmónicos mais graves, ou
alguma linearidade de expressão vocal em algumas passagens mas faltou algo que
me agarrasse à cadeira.
Sophie Koch começou sem deslumbrar muito no 1º
acto e início do 2º mas abriu vocalmente para uma potente interpretação no
dueto com Parsifal, embora com um ar matrona. Conseguiu-se notar algum
nervosismo de 1ª vez no papel e por isso aqui estou a dar-lhe esse desconto mas
acredito que possa triunfar neste papel com a experiência, tal como tem feito
em muitos outros.
O
lirismo de Matthias Goerne na sua 1ª
intervenção foi sublime, progredindo para uma excelente oferta de contrastes
expressivos no monólogo do 1º acto mas aqui pecando pelo facto de os harmónicos
da voz serem muito baixos e por vezes como que metralhando o som vocal. No
monólogo final voltou a oferecer contrastes vocais correctos para o texto mas
um dos problemas é a tessitura da voz, que pelas suas características
harmónicas graves, empobrecem e dificultam os agudos.
O
Klingsor (Pierre-Yves Pruvot) posicionalmente
muito estático, cumpriu com um timbre vocal muito bom.
O
Titurel (Julien Veronèse)...
perfeito!
Coros excelentes, embora tivesse gostado
de ouvir uma maior distância dos coros fora de palco do 1º acto mas talvez não
seja fisicamente possível de fazer neste teatro.
PARSIFAL,
Theater du Capitol, Toulouse, January 2020
Text by Wagner_fanatic
An
impressive Parsifal in Toulouse!
Aurélien Bory's direction begins at the opening with a
background in light gray cloth where projecting from behind, several long
blossoming lamps / led lights similar to Star Wars, which all start in single
file horizontally and form symbols along opening (specific meaning, if they
had, I didn't capture) and ending in the same position as they started. In the
center of the stage a rectangular structure, 7 by 9 squares, with intertwined
leaves and branches that tries to represent the Monsalvat forest.
Gurnemanz,
the younger knights, Kundry rise up through the squares and there is a game of
casting shadows on a white, concave rear screen. The simulation of Kundry's
arrival is with a light that moves in this structure and projects the
reflection of the foliage on the screen, giving the notion of the vision that
Kundry would have when moving between the branches of the Forest. The balm is a
ball with light.
When
Amfortas arrives, he is transported in the arms of several men with surgical
masks, giving here the indirect notion of medical caregivers to the man with
the wound. At this stage, the rectangular structure has already risen behind
and leaves Gurnemanz sitting and Amfortas with his monologue in the arms of
men. With the departure of Amfortas, he lowered the rectangular structure over
the heads of Gurnemanz and younger knights, each one as if trapped in one of
these squares that form it.
The
narration of the Grail has posterior projections on the screen, of the spear
that is the light that I refer to in the description of the entrance. When
there are references to Titurel, he appears dressed in white and walks along
the screen with a branch of foliage in his hand, against a background of
shadows from the forest's foliage. Shortly before the end of Gurnemanz's
narration, Parsifal appears dressed in white and carries a small swan and a
light in the other and is himself projecting the image of the swan on the white
background canvas where the shadows of the branches of the forest are already.
When the
music suggests the death of the swan, Parsifal causes the reflection of the
swan to fall to the ground and is grabbed and placed in the middle of the
rectangular structure. The projection of his shadow is now what is seen on the
screen, a huge but defined shadow that demonstrates its importance at this
stage and, at the same time, puts him as a defendant.
The action
develops and the rectangular structure is lifted upwards without first having
several men dressed in black, each of them, with a branch of foliage in each
hand, leaving the structure completely naked. These men are divided into 3
groups and each group involves Gurnemanz, Parsifal and Kundry, simulating them
wrapped in the mystery of the Monsalvat forest and these moving away from the
branches when they speak or when they move, thus being able to keep it simple
but effective and not meaningless, the notion of the original place where they
are.
When
Parsifal feels faint when he learns that his Mother has died, the water that
Kundry takes is made by the projection of light from a lantern over his hands
and then “poured” over Parsifal's head.
In the
transformation scene, the rectangular structure is vertical and at the back of
the stage, symbolizing the castle. Amfortas makes a monologue in the same type
of support that I have already mentioned. The Grail appears as images of light
reflection on the back screen after the rectangular structure above the stage
disappears.
The beginning
of the 2nd act sees the projections of the long lamps again but this time in
the vertical and central stage. When we go up the screen we see a Klingsor
dressed in white, with a cape, sitting with the spear vertically in front and
grabbing it with both hands. Only the right hand is not from Klingsor, but from
a double of the one behind him, dressed the same. Basically, as this double
develops, it is in Klingsor's own “right hand”, since it is he who wanders
around the stage, with Klingsor static in the center, and bewitches Kundry and
“active” the flower women by grabbing them, raising them by the waist and
fanning them.
Flower
women have flowing dresses and veils that make them look more like corpses than
flowers. The entire duet of Parsifal and Kundry is in front of a parallelepiped
with dimensions similar to the rectangular grid of the 1st act, that is, the
symbol of the reverse of the Grail world, which is the world created by
Klingsor. This parallelepiped sees printed behind images of naked bodies of men
and women, thus framing Klingsor's already known carnal world.
In the 3rd
act, there are no lamps as at the beginning of the other acts, but several
leftover men with armor and spear, wandering from side to side, symbolizing the
drifting of Parsifal until returning to Monsalvat. Gurnemanz, who like the
knights, is bald in the first act, now appears with hair, the same being valid
for the knights and Amfortas when they later appear. Parsifal, in turn, with
hair in the first act is now bald. The director, in my understanding, puts here
the notion of immortality given by the Grail, with the growth of the hair
symbolizing the aging of the knights and Amfortas for not celebrating the
ritual, whereas Parsifal, illuminated by the spear as a sacred extension of the
Grail, reaches that immortality.
Monsalvat
is now a dark stage environment, again having a quadrangular geometric
structure, made by vertical wires with lamps that turn on and off in patterns
throughout the act. The symbolization of the water that washes Parsifal's feet
and head is done again by a flashlight. During the final vocal intervention by
Parsifal, instead of the original touch of the spear to heal Amfortas' wound
(which is never defined here, you never see it), he goes as if injecting several
long lamps (= several spears) into Amfortas to Amfortas become healthy again
and walk your foot off the stage.
The spear
is thus extinguished in Amfortas, Parsifal grabs a branch of the original
forest, which he offers to Amfortas but he refuses, leaving the stage. It seems
to me that it is symbolized that now it is up to him to renew this Monsalvat,
to “reforest” as it would have been in the past (1st act) but that it will be
much stronger. And we know it will be stronger because it descends a grid structure
from the top of the stage to the base, with foundations much thicker than the
grid of the 1st act, falling on a Gurnemanz and a Kundry that with lit lanterns
reinforce the idea that one feels when throughout the performance - the light
as a symbol of the Power of Good (the balm that Kundry brings from Arabia is a
luminous ball, the water that comforts the faint Parsifal is the light of a
lantern, the water that washes it before the baptism and the water that
baptizes him is the light of a lantern, the spear is a lamp, the Grail is a
reflection of light ...) and it is with this light, this power, that Monsalvat
and the Grail will be renewed.
A lot of
“easy boos” for the director in the end, highly unfair, from a clearly
uncultured audience in this opera, to a staging without controversy, with
meaning and, being different, while remaining faithful to Wagner's original.
Along with
the staging, what impressed me most was the Orchestra, conducted by Frank Beermann. They produced a sound
and drama of the highest level, achieving something often missing and that is
the clear definition of each suit and melodic line (sometimes muffled in many
productions), without however losing track of the ensemble. Flawless accuracy
and lyricism.
The facial
and body expressiveness of both Peter
Rose and Nikolai Schukoff were
impressive, with the bass producing a solid representation of Gurnemanz,
although some well disguised (with lightening of the voice and some chewy
candies) lower vocal health quite possibly a result of the season winter, and
Schukoff to offer an expressive Parsifal, well transformed throughout the performance
and with exceptional shine and vocal resistance. His bodily performance was
excellent during Kundry's narration about his mother.
Nevertheless,
I cannot help thinking that in the duet with Kundry in the 2nd act something
was missing ... I don't know if it was his strong projection, without more low
harmonics, or some linear expression in some passages but something that
grabbed me was missing the chair.
Sophie Koch started without dazzling much in the 1st act
and beginning of the 2nd but opened up vocally for a powerful interpretation in
the duet with Parsifal, although with a matronly air. It was possible to notice
some nervousness from the first time on the role and that is why here I am
giving her this discount but I believe she can triumph in this role with
experience, as she has done in many others.
The
lyricism of Matthias Goerne in his
1st intervention was sublime, progressing to an excellent offer of expressive
contrasts in the monologue of the 1st act, but here sinning because the
harmonics of the voice are very low and sometimes as if subtracting the vocal
sound. In the final monologue he again offered correct vocal contrasts for the
text, but one of the problems is the weaving of the voice, which, due to its low
harmonic characteristics, impoverishes and makes the top notes difficult.
Klingsor (Pierre-Yves Pruvot) positionally very
static, fulfilled with a very good vocal timbre.
Titurel (Julien Veronèse) ... perfect!
Excellent
choirs, although I would have liked to hear a greater distance from the choirs
offstage of the 1st act but it may not be physically possible to do in this
theater.
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