FALSTAFF PUNK NO TMSP. CRÍTICA DE ALI HASSAN AYACHE DO BLOG
DE ÓPERA E BALLET.
Os comentários do
público conhecedor de ópera sobre
Falstaff de Verdi que estreou no
Theatro Municipal de São Paulo no
último dia 12 de Abril eram um só, Ambrogio Maestri. O burburinho do teatro
estava todo em volta dele, desde as escadarias até os camarins todos falavam
nas qualidades vocais do barítono italiano. Muitos lembravam que ele
interpretara esse mesmo título no Metropolitan Opera House de Nova Yorque em
Dezembro de 2013, ópera transmitida nos cinemas nacionais.
Uma senhora
emperequetada comentou com ar de sabedoria às amigas (no teatro as pessoas adoram
mostrar intelectualidade), que não perderia por nada desse mundo a única ópera
cômica de Verdi. Pensei com meus botões e lhe informei que Falstaff é a segunda
ópera cômica de Verdi, a primeira, Um Giorno di Regno, escrita na juventude do
compositor não fez sucesso algum e é quase desconhecida do público. Parece que
a madame não gostou muito da argumentação, fez cara de poucos amigos e saiu da
roda rapidinho. Quando entrou no teatro essa senhora ficou assustada, sua
maquiagem quase derreteu devido a tamanho rubor, foi apresentada a punks se
embebedando no palco, sem entender muito que se passava ela se acomodou em seu
lugar e tirou as fotos de praxe.
Ambrogio Maestri é a encarnação viva de
Falstaff, especialista no papel título tendo cantado ele mais de duzentas vezes
pelo mundo afora. Maestri não decepcionou os fãs. O corpanzil adequado ao
personagem munido de uma voz de timbre equilibrado e de invulgar beleza,
projeção impecável que enche o teatro sem o menor esforço, graves consistentes
e uma interpretação cênica convincente fazem dele ser o Falstaff quase
perfeito. Maestri tem todas as qualidades necessárias a um excelente Falstaff e
a utiliza de maneira primorosa, consegue unir comicidade cênica e voz de
maneira certeira. Os longos aplausos do público paulistano (vinte minutos
segundo alguns) foram mais que merecidos.
Outro que sempre
mostra qualidades vocais é Rodrigo
Esteves, o jovem barítono fez um Ford portentoso, defendeu suas passagens
com voz de graves quentes e uma solidez técnica impressionante. Cativou o
público com uma bela interpretação do personagem. Virginia Tola exibiu bons agudos e encarnou com boas qualidades
cênicas Alice Ford. Destaco que todos os demais solistas se apresentaram de
maneira condizente e em alto nível.
A montagem se
mostrou confusa e complexa. O universo imaginado pelo diretor Davide Livermore é a Inglaterra onde
desfilam punks bêbados e seres estranhos. Homens verdes participam da ação e
não acrescentam nada, em outro momento eles estão de preto e só atrapalham. Os
cenários misturam Londres com o Teatro Municipal de São Paulo em mais uma ideia
sem nexo. Tudo estático e sem o menor desenvolvimento cênico. Os figurinos
seguem a mesma filosofia e abusam do xadrez britânico, tudo de um mau gosto
tremendo. A luz simples, arroz com feijão acrescenta pouco. A ação se salva
pelas grandes interpretações dos solistas e pelo dinâmico libreto de Arrigo
Boito. A fábrica de cultura alardeada pela direção está virando a fábrica do
motejo.
A Orquestra Sinfônica Municipal regida
por John Neschling se perdeu em
algumas passagens no primeiro ato, a música não casava com o canto. A partir do
segundo ato as coisas melhoraram e as belas melodias verdianas apareceram com
clareza. O Coro Lírico Municipal de São
Paulo mostrou equilíbrio nas vozes, nele desfilam vozes talentosas, muitos
deles com nível de solista.
John Neschling anda
alardeando pelas redes sociais que o Municipal estava lotado na récita de
estreia, não estava caro amigo. Diversos lugares vazios no balcão simples e na
galeria provam o contrário, ou será que para John esses setores não fazem parte
do teatro? Era só perguntar quantas pessoas entraram no teatro e comparar com a
capacidade total e você veria a diferença. Outra promessa não cumprida é os
novos uniformes, desenhados por um famoso estilista (colete que parece de
motoboy, camisetas polo e de malha com estampas, na feira da madrugada no Brás
tem aos montes) não deram o ar da graça. O que se viu foram funcionários
vestidos com o pretinho básico. E para piorar as coisas os problemas após a
troca da empresa que vende os ingressos continuam: Muitos em duplicidade, uma
página da internet confusa que sequer confirma a compra, enormes filas para a
retirada e ingressos que não passam pelos leitores do código de barra são
problemas comuns.
A grande dúvida que
permeia a mente desse escriba é porque os teatros brasileiros não trocam suas
produções. Isso já ocorreu no passado de forma tímida, na atualidade impera o
isolamento teatral. Exemplos não faltam de óperas feitas em uma cidade e pouco
tempo depois uma nova produção estrear em outro local. Tivemos ano passado
Falstaff no Theatro São Pedro e esse ano o mesmo título está em cartaz no
Municipal de São Paulo. Carmen de Bizet está sendo apresentada no Municipal do
Rio e em Maio outra produção estará em São Paulo. Salomé de Strauss está
programada para o mesmo Municipal de São Paulo e dizem que outra produção será
apresentada no Rio de Janeiro. Será que é difícil os diretores de teatro
pensarem na racionalidade econômica e trocarem suas óperas. Infelizmente a
lógica do capital público não é racional nesse país. Viva a gastança!
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