(review in English below)
La Fille du Régiment de Donizetti é uma ópera verdadeiramente “da treta”, com uma história
ridícula e sem interesse. Contudo, para os amantes de belcanto e do fogo de
artifício vocal é um pitéu. A produção da Metropolitan
Opera de Nova Iorque é em parceria com a Royal Opera de Londres e com a
Ópera estatal de Viena e já foi comentada neste blogue várias vezes porque,
para além destes teatros, também tem sido apresentada noutros, incluindo
Barcelona e Paris.
A encenação de Laurent Pelly é
muito bem conseguida, situa a acção na altura da primeira guerra mundial e é
cheia de momentos cómicos que ajudam a relativzar o ridículo do argumento. O 1º
acto passa-se nas montanhas do Tirol (feitas de uns mapas gigantes) e o 2º numa
sala do castelo da Marquesa de Berkenfield. A Marie é a única rapariga, uma
maria-rapaz que veste calças e marcha no meio de um grande regimento. É levada
pela “tia” (que é a mãe) para o seu castelo para ser educada como uma
verdadeira senhora e casar com o filho da Duquesa de Krakentorp, por
conveniência familiar. Nada disto acontece e a ópera acaba com um elogio à
França. Só visto se consegue avaliar um espectáculo a qualidade cénica do espectáculo.
Fui com as expectativas em alta e, apesar de vários condicionantes, não saí
defraudado.
Os condicionantes:
- Já vi esta produção umas 3 vezes, por isso não haveria grande surpresa na
componente visual e cénica.
- É cantada e falada em francês. Estava ao meu lado um casal de franceses a
quem, no intervalo, perguntei se estavam a perceber o que se dizia ou cantava
no palco. Disseram-me que não, que tinham que ler as legendas (!). Nenhum dos
cantores era francês e até eu percebi que o que se falava não soava a francês
decente.
- Vi duas récitas com o Juan Diego Florez (talvez o meu tenor ligeiro
favorito de sempre) como Tonio e com a Natalie Dessay como Marie. Para mim, ela
é a referência absoluta no papel de Marie, uma actriz que cantava e que terá
sido a intérprete que Donizetti, quando escreveu a ópera, sabia que um dia
surgiria. Nunca haverá melhor e, possivelmente, nem igual. É pena que já se
tenha retirado.
Mas..., apesar disto, foi um espectáculo deslumbrante, graças aos dois
cantores solistas e ao Laurent Pelly:
- O tenor mexicano Javier Camerana
tem uma voz arrepiante, fabulosa, com um registo agudo maravilhoso em beleza,
intensidade e afinação. Tivemos não 9 mas 18 dós de peito pois bisou o Pour
mon ame… E se o público do Met é muito generoso para com todos os
cantores, bons e maus, nesta récita a casa veio abaixo com os aplausos e outras
manifestações de apreço! Reconheço que foi melhor que o Florez quando o vi no
mesmo papel.
- A soprano sul-africana Pretty
Yende. é actualmente a melhor cantora neste registo. Tem uma voz limpa e
cristalina, com um timbre lindíssimo, e de qualidade homogénea no registo médio
e agudo. A desafinação forçada na lição de canto do 2º acto foi do mais
hilariante que tenho visto. E as áreas dramáticas são de um lirismo arrepiante.
Mas tem que se ouvir, não se consegue descrever por palavras. Como referi, a
Natalie Dessay é passado porque já não canta ópera, muito menos estas que são
extremamente exigentes.
- Apesar de ser uma ópera cómica, tem árias de grande lirismo e intensidade
dramática, primorosamente interpretadas pelos dois solistas, mas sobretudo pela
Yende.
- Os momentos de comicidade são muito bem concebidos e têm realmente muita
graça. Na parte falada do 2º acto atingem o expoente máximo com a mistura de
algumas expressões inglesas no francês e até com a evocação da Flauta Mágica (zu hilfe, zu hilfe) num momento de
apuros do Hortensius, o mordomo da Marquesa. Mas é preciso ver. A Yende nos
ensaios do 2º acto é também brilhante neste aspecto e quando se abraça ao Tonio
com a condecoração e se magoa nela, também os dois são espectaculares.
O maestro Enrique Mazzola esteve bem, a Orquestra da Metropolitan Opera óptima
e o Coro fantástico.
A mezzo
norte-americana Stephanie Blythe foi
uma Marquesa de Berkenfield de peso (em todos os sentidos)
o barítono italiano Alessandro Corbelli foi um óptimo Sulpice,
o protector da Marie,
o papel falado da Duquesa de Krakenthorp foi interpretado
pela norte-americana Kathleen Turner de voz marcadamente grave,
e o mordomo
Hortensius (baixo norte-americano Paul
Corona) não destoou.
Um espectáculo
fantástico!
*****
LA FILLE DU
RÉGIMENT, METropolitan Opera, February, 2019
La Fille du Régiment by Donizetti is a truly "trash" opera, with a ridiculous and
uninteresting story. However, for lovers of belcanto
and the vocal firework is a “must see”. The production of the Metropolitan Opera of New York is in
partnership with the Royal Opera of London and with the State Opera of Vienna and
has already commented previously and several times on this blog because it has
also been seen in other cities such as Paris and Barcelona.
The staging
by Laurent Pelly is very well concieved,
situates the action at the time of the first world war and is full of humorous
moments that help to relativize the ridiculous of the argument. The first act
takes place in the mountains of Tyrol (made of giant maps) and the 2nd in a
room of the castle of Marquise of Berkenfield. Marie is the only girl, a
wearing trousers and marching girl in the middle of a great regiment. She is
taken by her "aunt" (who is in fact her mother) to her castle to be
brought up as a true lady and to marry the son of the Duchess of Krakentorp for
family convenience. None of this happens and the opera ends with a compliment
to France. To appreciate the real quality staging of the opera you have to see
it.
I went with
high expectations and, despite several conditions, I was not disappointed.
The
conditions:
- I've seen
this production about 3 times, so there would be no big surprise in the visual
and scenic component.
- It is
sung and spoken in French. I was standing next to a couple of French people
who, at the interval, told me that they could not understand what was being
said or sang on the stage, they had to read the subtitles in French (!). None
of the singers was French and I even realized that what was being said did not
sound decent French.
- I saw two
performances with Juan Diego Flórez (perhaps my favorite light tenor ever) as
Tonio, and with Natalie Dessay as Marie. For me, she is the absolute reference
in the role of Marie, an actress who sang and who would have been the
interpreter that Donizetti, when he wrote the opera, knew that one day would
arise. There will never be better and possibly not even as good as. It's a
shame she's already retired.
But ...
despite these, it was a dazzling performance, thanks to the two soloist singers
and to Laurent Pelly:
- Mexican
tenor Javier Camerana has an amazing,
fabulous voice, with a marvelous register of beauty, intensity and tuning. We
had not 9 but 18 high Cs because he gave an encore
of the most famous aria Pour mon ame ...
And if the audience of the Met is very generous to all the singers, good and
bad, in this performance the house came down with the applause and other
manifestations of appreciation! I admit he was better tonight than Flórez when
I saw him in the same role.
- South
African soprano Pretty Yende is
currently the best singer in this register (liric coloratura soprano). She has
a clean and crystalline voice, with a beautiful timbre, and of homogeneous
quality in the mid and top registers. The detuning in the second act's singing
lesson was the most hilarious thing I've ever seen in the several performances
of this opera. And the dramatic areas are of a touching lyricism. But you have
to listen, I can not describe it in words. As I mentioned, Natalie Dessay is
past because she no longer sings opera, in particular these extremely demanding
roles.
- Although
it is a comic opera, it has Arias of great lyricism and dramatic intensity,
exquisitely interpreted by the two soloists, but mainly by Yende.
- The
moments of comedy are very well designed and really have a lot of fun. In the
spoken part of the 2nd act they reach the maximum with the mixture of some
English expressions in tne French and even with the evocation of the Magic
Flute (zu hilfe, zu hilfe) in a
moment of trouble of Hortensius, the butler of the Marquise. But it has to be
seen. Yende is also brilliant in the rehearsals of the second act, and when she
embraces Tonio with the decoration that hurts her. Here the two are
spectacular.
Maestro Enrique Mazzola was fine, the Orchestra and the Choir of the Metropolitan
Opera were fantastic.
American
mezzo Stephanie Blythe was a weight
(in every sense) Marquise of Berkenfield, Italian baritone Alessandro Corbelli was a terrific Sulpice, Marie's protector, the
spoken role of the Duchess of Krakenthorp was played by Kathleen Turner with a markedly bass voice, and the butler
Hortensius (American bass Paul Corona)
was also very good.
A fantastic
performance!
*****
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