terça-feira, 26 de março de 2019

LA FORZA DEL DESTINO, Royal Opera House, Londres / London, Março / March 2019


(text in English below)

A Royal Opera House apresentou a ópera de Verdi La Forza del Destino, com libreto de Francesco Maria Piave, a principal e mais esperada nova produção da temporada londrina. É uma ópera que vive essencialmente da música e do canto, dado que o argumento é dos mais inverosímeis entre os usados nas óperas de Verdi.



Em Sevilha, o Marquês de Calatrava tem dois filhos (um terceiro morreu em criança), Carlo e Leonora. Ela apaixona-se e tenciona fugir com Álvaro, filho de um nobre espanhol e uma princesa inca. O pai opõe-se e, ao confrontar Alvaro, este devolve a arma mas esta dispara acidentalmente e mata o Marquês que lança uma maldição à filha. Os dois amantes separam-se. Leonora vai para um convento e vive uma vida de ermita. Carlo decide vingar a morte do pai, matando Alvaro e a irmã. Entretanto (Alvaro e Carlo) vão para a guerra em Itália. Sem conhecerem a identidade um do outro, Alvaro salva Carlo da morte e tornam-se amigos para sempre. Depois é Alvaro que é ferido com gravidade, deixando os seus pertences a Carlo, que descobre a sua verdadeira identidade. Desafia Alvaro para um duelo, ele recusa e vai também para um convento (o mesmo em que está Leonora). Anos mais tarde acaba por ser encontrado por Carlo, batem-se em duelo, Carlo é ferido mortalmente e, antes de morrer, fere também mortalmente a irmã Leonora, tudo na presença de Alvaro, quando os dois amantes se reencontram.



A encenação de Christof Loy traz a acção para o Séc XX. O início é muito interessante, durante a abertura vemos os 3 filhos do Marquês de Calatrava, inicialmente crianças, a morte de um deles, depois adolescentes e finalmente jovens adultos. O primeiro acto, a casa do Marquês de Calatrava, passa-se num cenário com uma grande porta a meio, um grande lustre, uma janela lateral e uma mesa central e várias cadeiras. Este mesmo cenário acaba por sofrer pequenas alterações para todas as restantes cenas dos 3 actos seguintes. A única mudança mais relevante é a substituição da janela lateral por uma arcada com um grande cristo cruxificado suspenso, nas cenas no mosteiro. Para além do cenário há projecções ocasionais da morte acidental do Conde de Calatrava e da maldição por ele lançada a Leonora (não vi grande mais valia nelas). No último acto o cenário é igual ao do primeiro, o que poderá querer transmitir alguma claustrofobia, sobretudo para a Leonora, mas o efeito não é fantástico.
Vê-se bem, mas foi uma encenação que começou por prometer muito mas acabou por desiludir.



A direcção musical do maestro titular Antonio Pappano foi óptima. A Orquestra da Royal Opera House esteve muito bem e o Coro foi excelente e os bailarinos também.





Quanto aos cantores solistas, o elenco de estrelas seguramente que contribuiu para que os bilhetes tenham esgotado muito poucos minutos após a abertura da bilheteira online e terem sido vendidos no mercado negro a milhares de libras! Corria o rumor (a condizer com a má fama desta ópera) que o Kaufmann poderia cancelar porque tinha faltado aos ensaios gerais… e como o menino é um dos que sofre regularmente de “cancelite”, temi que tal acontecesse,… mas não.

O Marquês de Calatrava foi interpretado pelo baixo Robert Lloyd. É um papel relativamente pequeno mas foi uma boa interpretação, cénica e vocal.



 Dona Leonora foi Anna Netrebko. Que dizer da melhor cantora da actualidade? A voz encorpou, está perfeitamente adaptada a este tipo de reportório, e mantém todas as qualidades de excepção, timbre lindíssimo, agudos luminosos, potência brutal, afinação perfeita. Foram momentos únicos vividos na Royal Opera House sempre que esteve em cena. No La Vergine Degli Angeli foi divinal, na cena mais feliz da opera, não só pela sua interpretação, como pela de Furlanetto e pelo momento mais conseguido da encenação, com velas acesas num efeito magnífico. Avassaladora!





O Don Alvaro interpretado pelo Jonas Kaufmann esteve também ao mais alto nível. É um cantor de que muito gosto, já não canta com a exuberância de outrora, mas tem um timbre baritonal muito bonito, uns pianissimi arrebatadores e, no registo agudo é notável, conseguindo um belo tom heróico. Foi muito expressivo em cena, o que contribuiu para a excelência da interpretação.



O barítono Ludovic Tézier não deixou os seus créditos por mãos alheias e fez um Don Carlo de voz poderosa, afinada e sempre audível sobre a orquestra. Foi muito convincente no papel malévolo que lhe coube. Em período de grande escassez qualitativa, é seguramente um dos melhores barítonos verdianos da actualidade. Os duetos com o Kaufmann foram sublimes e foi, sem dúvida, um dos melhores cantores em palco!




Outro cantor fabuloso foi o baixo Ferruccio Furlanetto como Padre Guardiano. É sempre um prazer ouvi-lo pois associa de forma perfeita capacidade interpretativa, voz gigante e belíssima, com um timbre grave de fazer tremer o chão. Fantástico.




O barítono Alessandro Corbelli interpretou o Fra Melitone com muita graça e correcção, sempre afinado e audível. E mais uma excelente em palco.



A mezzo Veronica Simeoni foi uma Preziosilla com bom desempenho cénico, mas não na interpretação vocal. Foi um erro de casting, o papel não se ajusta à sua voz, nem a qualidade esteve ao nível dos restantes.


Nos papéis secundários houve homogeneidade e óptimas interpretações, Roberta Alexander (Cura), Michael Mofidian (Alcaide), Carlo Bosi (Mastro Trabuco) e Jonathan Fisher (Cirurgião).






Um espectáculo fabuloso na Royal Opera House, a confirmar as mais elevadas expectativas que tinha gerado.





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LA FORZA DEL DESTINO, Royal Opera House, London, March 2019

The Royal Opera House presented Verdi's opera La Forza del Destino, with libretto by Francesco Maria Piave, the main and most anticipated new production of the London season. It is an opera that lives essentially on music and singing, since the argument is one of the most unlikely among those used in the operas of Verdi.

In Siviglia, Marquis di Calatrava has two children (a third died as a child), Carlo and Leonora. She falls in love and intends to run away with Alvaro, the son of a Spanish nobleman and an Inca princess. The father opposes and, in confronting Alvaro, this one returns the gun but it accidentally shoots and kills the Marquis that sends a curse to his daughter. The two lovers separate. Leonora goes to a convent and lives a hermitage life. Carlo decides to avenge the death of his father, killing Alvaro and his sister. Meanwhile (Alvaro and Carlo) go to war in Italy. Without knowing each other's identity, Alvaro saves Carlo from death and become friends forever. Then it is Alvaro who is seriously injured, leaving his belongings to Carlo, who discovers his true identity. He defies Alvaro for a duel, Alvaro refuses and also goes to a convent (the same one where Leonora is). Years later Carlo finally finds Alvaro, Carlo is mortally wounded and, before dying, he also stabs mortally his sister Leonora, all in the presence of Alvaro, when the two lovers meet again.

Christof Loy's staging brings action to the 20th century. The beginning is very interesting, during the opening we see the 3 children of the Marquis di Calatrava, initially children, the death of one of them, then adolescents and finally young adults. The first act, the house of the Marquis of Calatrava, passes in a scenario with a large half-door, a large chandelier, a side window and a central table and several chairs. This same scenario ends up undergoing minor changes for all the remaining scenes of the next 3 acts. The only more relevant change is the replacement of the side window by an arcade with a large cruxified Christ suspended in the scenes in the monastery. Beyond the setting there are occasional projections of the accidental death of the Marquis di Calatrava and the curse he cast Leonora (I did not see much added value in them). In the last act the scenario is the same as the first, which may want to convey some claustrophobia, especially for Leonora, but the effect is not fantastic.
It is a pleasant staging that started by promising a lot but ended up disappointing.

The musical direction of maestro Antonio Pappano was excellent. The Orchestra of the Royal Opera House was very well and the Choir was excellent.

As for soloist singers, the cast of stars surely contributed to the fact that the tickets sold out very few minutes after opening the online box office and were sold on the black market for thousands of pounds! A rumor was running (to match the bad reputation of this opera) that Kaufmann could cancel because he had missed the dress rehearsals ... and as he is one of those who regularly suffer from "cancellitis", I feared that would happen, ... but no.

The Marquis di Calatrava was performed by bass Robert Lloyd. It's a relatively small role but he was a good on stage and vocal performance.

 Dona Leonora was Anna Netrebko. What to say about the best singer of today? The voice is perfectly matched and adapted to this type of repertoire, and she maintains all the qualities of exception, beautiful timbre, luminous top notes, brutal power, perfect tuning. They were unique moments lived in the Royal Opera House whenever she was on stage. In La Vergine Degli Angeli she was divine, in the happiest scene of the opera, not only for her interpretation, but also for that of Furlanetto and for the most accomplished moment of the staging, with candles lit in a magnificent effect. Overwhelming!

Don Alvaro played by Jonas Kaufmann was also at the highest level. He is a singer that I like, he no longer sings with the exuberance of before, but he has a very beautiful baritonal tone, fine pianissimi, and in the top register he is remarkable, achieving a beautiful heroic tone. He was very expressive on the scene, which contributed to the excellence of the interpretation.

Baritone Ludovic Tézier did not leave his credits by the hands of others and made a Don Carlo of tuned powerful voice, always well audible over the orchestra. He was very convincing in his malevolent role. In a period of great qualitative scarcity, he is surely one of the best verdian baritones of the present time. The duets with Kaufmann were sublime and he was one of the best singers on stage!

Another fabulous singer was bass Ferruccio Furlanetto as Father Guardiano. It is always a pleasure to listen to him because he associates perfect interpretive ability, a giant and beautiful voice, with a bass tone to make the floor shake. Fantastic.

Baritone Alessandro Corbelli interpreted Fra Melitone with great grace and correction, always tuned and audible. He was another great artist on stage.

Mezzo Veronica Simeoni was a Preziosilla with good scenic performance, but not vocal interpretation. She was a miscasting, the role does not fit her voice, nor the quality was at the top level of the other soloists.

In the secondary roles there was homogeneity and great interpretations, Roberta Alexander (Cura), Michael Mofidian (Alcaide), Carlo Bosi (Mastro Trabuco) and Jonathan Fisher (Surgeon).

A fabulous performance at the Royal Opera House, confirming the highest expectations it had generated.

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