Turandot é a principal atração
do XV Festival de Ópera do Theatro da Paz, toda a genialidade melódica de
Puccini está presente nessa obra, não por acaso ela é sucesso desde a estreia.
Turandot é uma ópera repleta de curiosidades: Puccini não a terminou, faleceu
antes de completar o gran finale, esta tarefa ficou a cargo de Franco Alfano. A
regência da estreia coube a Toscanini, dizem as más línguas que o famoso
maestro não gostou do final composto por Alfano e parou a récita informando ao
público "senhoras e senhores, aqui parou Giacomo Puccini",
interrompeu a recita por alguns minutos e depois retornou. Turandot é a
protagonista, mas está longe de ser a heroína querida deste petardo de Puccini,
a moça odeia um casamento e corta a cabeça do nobre que não decifrar os três
enigmas por ela propostos, pensa que assim nunca vai se casar, isso não cria
empatia. Liu é a personagem queridinha do público, canta árias belíssimas e se
mata em nome do amor que nutre pelo protagonista, nada mais emocionante que
isso. Dito isso ao respeitável leitor vamos a Turandot apresentada no Theatro
da Paz no dia 23 de Setembro.
A direção
de Caetano Vilela representa o respeito à obra de Puccini, ultimamente diversos
compositores tem em diretores de cena como sócios que adoram modificar e muitas
vezes profanar a obra. Felizmente não é o caso de Vilela, a falta de cabelos e
o calor paraense não queimou seus neurônios, ambientou a ópera na china
imperial conforme está no libreto. Sua direção cênica prima pelos detalhes
exemplo disso é o posicionamento dos solistas e a movimentação das massas
corais, sempre correto e de acordo com o enredo. As cabeças penduradas, mais de
70 feitas de Meriti são a lembrança do que acontece com quem se atreve a
desafiar os enigmas de Turandot e são uma inteligente contextualização. Coloca
o rei, este munido de um figurino amarelo imperial, no alto dando-lhe
majestade. O contraste das cores dos figurinos deixa o espaço cênico com beleza
inconfundível. Sua heroína é fria, gelada e densa na emoção, seu vestido branco
é símbolo da pureza e da frieza. O painel do terceiro ato destoa dos dois
primeiros, a perca de padrão é compensada com cores que se alternam conforme o
andar da cenas. O final é uma apoteose, Turandot simbolicamente perde a pureza,
nela é colocado um manto vermelho, deixa assim de ser a pura e gélida heroína
para se tornar uma mulher apaixonada. Some o painel e o vermelho toma conta da
cena, lado a lado Turandot e Calaf sobem as escadas e celebram a eternidade do
amor. Uma leitura tradicional e ao mesmo tempo moderna da obra, com sacadas
inteligentes e soluções criativas.
Os cenários são
grandiosos e perfeitamente adaptados ao palco do Theatro da Paz, Roni Hirsch o
recheia com referências chinesas, o jogo Tangram e o ano do Tigre são algumas
delas. Peças montadas e desmontadas no palco incrementam o enredo. Os figurinos
de Adán Martinez lembram a China imperial e estão de acordo com o proposto pela
direção. A montagem é digna de um grande teatro, tem nível para ser apresentada
nos grandes palcos do mundo.
Destaque de Turandot
é o Coro Lírico do Festival de Ópera do Theatro da Paz, a preparação de Vanildo
Monteiro é primorosa, lembro aos leitores que seus componentes são amadores.
Com preparação exaustiva o regente consegue uma sonoridade digna dos coros
profissionais, o equilíbrio nos naipes e a correta sonoridade é resultado de
toda a dedicação. A Orquestra Sinfônica do Theatro da Paz regida por Miguel
Campos Neto mostrou sonoridade correta com andamentos compatíveis com a
ópera.
Como disse acima
a personagem Liu tem árias de grande beleza, isso não quer dizer que sejam
moleza para o soprano. Luciana Tavares tem um timbre que navega entre o lírico
e o potente, só não consegue uma Liu irretocável devido à carência técnica.
Quem não tem falta de técnica e sabe como emocionar o público com seu vozeirão
é o tenor Richard Bauer. Apresentação irretocável com grandes agudos,
potentes firmes e seguros aliados a uma interpretação cênica correta fazem de
seu Calaf uma apresentação memorável.
Esperava mais do
soprano Eliane Coelho, não adianta falar que já cantou aqui ou acolá nos
melhores teatros do mundo. Sua Turandot foi mediana no segundo ato, voz sem
brilho e um timbre inconsistente. Melhorou no terceiro com volume e potência
exibindo um lirismo peculiar, mas nada empolgante. Sua apresentação cênica
esteve correta, fria como o branco de seu vestido. Quando penso em Turandot
imagino uma voz explosiva e quente de soprano dramático com um timbre escuro,
agudos potentes e não gritados, dicção e fraseado impecáveis e uma superlativa
capacidade de penetrar profundo na alma apenas com o poder vocal. Infelizmente
esses atributos passaram longe de Belém.
É com imensa
alegria que vejo bons cantores se dedicando e explorando possibilidades em
papéis menores. A começar pelo vozeirão de Homero Velho (Ping), um barítono
detentor de graves volumoso, a correção vocal e sensibilidade interpretativa de
Mauro Wrona (Altoum), a excelente atuação cênica de Sávio Sperândio (Timur) e
pelos agudos sempre afinados de Giovanni Tristacci (Pong). Idaías Souto
(Mandarim) tem que evoluir como cantor, conseguiu falhar, quebrando notas em
sua curta apresentação
O XV Festival de
Ópera do Theatro da Paz está na maturidade, à formação do público é uma
realidade constatada pelos ingressos sempre esgotados para todas as récitas e
pelos comentários ouvidos do público dizendo que sempre assiste aos eventos.
Fiquei comovido ao ouvir um relato de uma senhora, diz ela que chegou no
primeiro dia de vendas de ingressos as sete da manhã e viu a fila dar volta no teatro.
Não se deu por vencida, saiu as onze com os bilhetes desejados na mão. Isso faz
que acreditemos na ópera como arte que atrai interesse . O Festival de Ópera do
Theatro da Paz é o maior do Norte do país e o público responde com sua
presença. Que continue por muitos anos!
Ali Hassan Ayache viajou à
Belém do Pará a convite da direção do XV Festival de Ópera do Theatro da Paz.
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