Mais uma excelente contribuição de João Baptista, que muito enriquece este blogue e que, em nome dos Fanáticos da Ópera, muito agradecemos.
O concerto do passado dia 6 de Novembro inseriu-se nas
comemorações dos 50 anos do Coro Gulbenkian.
Por
essa razão, o programa foi concebido para mostrar a qualidade e polivalência
dessa formação, quer através da escolha de obras de índole bastante diversa,
quer através da entrega da direcção aos seus três actuais maestros: Paulo Lourenço (maestro assistente), Jorge Matta (maestro adjunto) e Michel Corboz (maestro titular).
O
concerto abriu com uma obra encomendada pela FCG ao compositor português Eurico Carrapatoso, com o título
“Pequeno poemário de Pessanha”. Trata-se de uma obra dedicada ao Coro
Gulbenkian, para coro a cappella (embora com a intervenção de um pequeno
tambor), composta sobre quatro poemas de Camilo Pessanha: “Inscrição”, San
Gabriel”, “Castelo de Óbidos” e “Água Morrente”.
Avançar
com uma opinião minimamente fundada sobre uma obra que apenas se ouviu uma
única vez constitui acto algo temerário. Nessa medida, direi apenas se trata de
uma obra com sonoridades bastante agradáveis, com linhas vocais claras e
simples, sem polifonias complexas, não melismática, permitindo ao coro, em
formação reduzida, mostrar a pureza e precisão dos seus quatro naipes vocais.
A
obras mereceu aplauso entusiasta do público, quer ao Coro e maestro Paulo
Lourenço, quer ao compositor, que agradeceu em palco.
Após,
já sob a direcção de Jorge Matta, foram ouvidas duas obras de Handel, de carácter mais jubilatório: o
hino “The King shall Rejoice”, composto para a coroação de Jorge II, em 1727, e
o famoso “Hallelujah”, da oratória “Messiah”.
Acompanhado
por uma orquestra mais reduzida, o Coro Gulbenkian, em formação de cerca de 80
coralistas, interpretou com brilho esta peça de grande efeito. Para o
“Hallelujah”, juntou-se ao Coro um conjunto de antigos coralistas, para um
apoteótico encerramento da primeira parte do concerto, perante um público que,
correspondendo à tradição iniciada pelo próprio monarca inglês, ouviu de pé. Só
foi pena que os aplausos tenham terminado rapidamente, obstando a um merecido e
esperado “bis”.
Na
segunda parte do concerto Michel Corboz
surgiu em palco para dirigir o Requiem
de Mozart.
Trata-se,
como já se escreveu neste blog, de uma das mais geniais peças de Mozart, dotada
de um poder dramático único e que constituiu o seu canto do cisne.
Foi
tocada a versão completada por Süssmayr, que corresponde àquela que mais
comummente é interpretada, quer em concerto, quer em disco.
Sendo
este Requiem uma das peças que mais admiro, tinha uma expectativa
particularmente alta para esta récita, designadamente por se tratar de um
concerto comemorativo dos 50 anos do Coro Gulbenkian.
Porém,
essas expectativas nem sempre se concretizaram, embora o nível da actuação
tenha sido bastante alto.
Há
muito tempo que não ouvia Michel Corboz, pelo que antecipava uma interpretação
inscrita na tradição mais romântica de um Karl Böhm, de um Karajan ou de um
Kempe. Daí que tenha logo estranhado a pequena dimensão da orquestra,
especialmente nos naipes graves de cordas, com (se contei bem), contrabaixos a
3 e violoncelos a 4. Isto especialmente se tivermos em consideração que o coro
integrava cerca de 80 coralistas.
Os
tempos escolhidos por Corboz foram, no geral, rápidos, excepto nas passagens
corais mais difíceis, como o “Kyrie” (retomado no “Cum sanctis tuis”), em que
os tempos foram mais convencionais. Privilegiou, em termos orquestrais, uma
articulação bastante marcada, ataques incisivos, o uso de baquetas rígidas para
os timbales, tudo na linha das mais recentes «interpretações historicamente
informadas».
De
entre os solistas, destacaria o baixo Markus
Fink, com uma voz profunda e escura, muitíssimo adequada ao relevante papel
que desempenha, especialmente no “Tuba Mirum” (com intervenção perfeita do
trombone). Destacaria igualmente a meio-soprano Clémentine Margaine, que esteve igualmente muito bem
estilisticamente e vocalmente. A sua entrada no “Recordare” foi magnífica, com
a voz etérea surgindo como que a pairar sobre a orquestra. Um momento sublime.
O tenor Christophe Einhorn cumpriu
com sobriedade e a soprano Rachel
Harnisch esteve, na minha opinião, um pouco apagada.
A
leitura de Corboz pareceu-me, no geral, mais serena do que dramática. As massas
sonoras foram sempre mais transparentes e, ao nível dinâmico, os contrastes
foram contidos. Em particular, o “Lacrimosa” pareceu-me algo asséptico. O
planger dos violinos foi pouco convincente e faltou ao Amen final a
carga dramática que penso ser pedida pela música. No “Confutatis” acho que
faltou uma maior pureza no voca me cum benedictus, supostamente cantado
pelos anjos e o “Rex tremendae” não teve o impacto que esperava.
Em
todo o caso, penso que foi uma leitura bastante gratificante, que permitiu ao
Coro Gulbenkian demonstrar que está em boa forma e que continua a ser a grande
referência coral portuguesa.
Concordo inteiramente com a sua apreciação. Os tempos foram excessivamente rápidos, o que tirou muita carga dramática desta obra sublime. Foi pena. Mas, ainda assim, foi um bom espectáculo.
ResponderEliminarNão fui ao concerto, mas já ouvi Corboz e não me admira nada a secura da direcção dele, é assim mesmo - de modo nenhum Bohm ou Karajan, e de modo nenhum da corrente historicista (Gardiner, Harnoncourt...). É espartano radical, conseguindo anular as dinâmicas ao ponto de se tornar enfadonho. De resto, é rigoroso e 'impecavelmente' enxabido. Cumpre.
ResponderEliminarPor preguiça e por não viver em Lisboa há já muito tempo que não frequento a Gulbenkian. Lê-lo fez-me arrepender desta inércia. De tudo o que já cantei em coros amadores o Requiem de Mozart foi o que mais me agradou cantar.
ResponderEliminarNão podia estar mais de acordo. Acho que o que se estranhou imediatamente foi a escolha de um tempo demasiado rápido para o dramatismo da obra. O que se ganhou em velocidade perdeu-se em peso dramático. Como diz, o Amen do Lacrimosa foi "asséptico" ou, diria mesmo, amorfo. Quanto aos cantores, destacou-se Markus Fink. O Coro Gulbenkian esteve muito bem. Quanto à obra de Carrapatoso: achei-a muito interessante, mas precisava de a ouvir outras vezes. Parabéns Coro Gulbenkian!
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