É com grande satisfação que apresento de um novo amigo, colega e fanático, um texto sobre um espectáculo em Madrid. Quem deveria fazer esta introdução era o wagner_fanatic mas, como anda por terras britânicas a saborear Mozart, cabe-me a mim agradecer ao camo_opera esta sua primeira excelente contribuição para o nosso blogue que, como sempre, publicamos na íntergra:
Assistimos à penúltima récita da sessão dupla (Iolanta de Piotr Ilych Tchaikovsky e Pèrsephone de Igor Stravinsky) que o Teatro Real de Madrid propunha numa nova produção conjunta com o Teatro Bolshoi.
A encenação esteve, para ambas as obras, a cargo de Peter Sellars.
A primeira a ser interpretada foi Iolanta de Tchaikovsky. É uma última ópera do compositor e é marcada por um texto belíssimo (sem se basear em autores russos, mas na obra Henrik Hertz “A Filha do Rei René”) e música como só Tchaikovsky sabe compor. E não podia ter sido melhor! Assistimos de facto a um espectáculo de elevadíssima qualidade.
A encenação de Peter Sellars foi brilhante. É daqueles casos em que o rejuvenescimento cénico se agradece.
Não só foi muito eficaz, como traduziu o texto e emoções na ópera contidas. De realce o magnífico jogo de luzes e cores (nomeadamente entre vermelho e branco quando Iolanta não distingue as cores e Vaudémont se apercebe da sua cegueira), a alternância de sombras e de luzes, bem como os contrastes que foi provocando com a mudança de painéis. Os pórticos simples e eficazes que permitiram a criação das 4 cenas sem qualquer mudança de cenário foi, igualmente, uma ideia excelente e muito bem conseguida.
O jovem maestro grego — Teodor Currentzis — com formação na Rússia fez-nos sentir Tchaikovsky. Talvez um pouco exuberante em demasia no gesto, apresentou-nos uma interpretação com brilho e plena de harmonia romântica. Destacamos a beleza do quarteto e ária de Iolanta na primeira cena e a mestria com que dirigiu o coro a capela da última cena, glorificando-se Deus pela recuperação da visão de Iolanta. Esse foi um momento em que quase sentimos a sua presença mística.
A soprano russa — Ekaterina Scherbachenko — foi magnífica. Com um timbre muito bonito, seguro e expressivo, encheu a sala do Teatro Real com a emoção inocente de uma Iolanta desconhecedora do mundo da luz e das cores que habitava. Esteve soberba no dueto mais famoso da ópera. Sem dúvida um nome a reter!
O tenor que encarna Vaudémont — Pavel Cernoch — esteve, igualmente em bom plano. Com uma voz agradável, captou a atenção do público com uma interpretação jovial, sem que, todavia, brilhasse ao nível de outros elementos do elenco.
O baixo que interpreta o Rei René — Dmitry Ulianov — foi fantástico. Tem uma voz de enorme potência e brilho constantes, encheu sempre a sala com a sua interpretação carregada do desejo da cura da filha e do sofrimento que a sua impotência perante a sua cegueira lhe causava.
O famoso barítono Willard White foi um Ibn-Hakia muito bom. Com uma interpretação contida (
O barítono Maxim Aniskin apresentou-se em grande nível no papel de Robert, duque de Borgõna. Tem uma belíssima voz e sabe colocá-la de um modo impecável. A destacar a ária em que exalta Matilde, a sua amada: perfeito!
O tenor Vasily Efimov foi igualmente muito bom a interpretar o escudeiro do Rei. Cumpriu com mestria o pequeno papel que lhe foi atribuído e destacou pela potência da voz no finale em que todo o elenco canta em conjunto.
O trio feminino de personagens — Marta (Ekaterina Semenchuk, contralto), Brigitta (Irina Churilova, soprano) e Laura (Lettia Singleton, mezzosoprano) — esteve em elevadíssimo nível, cumprindo com todas as solicitações dos seus registos com mestria e vozes límpidas e harmoniosas. Destacou (a realçar alguma) Ekaterina Semenchuk.
O Coro apresentou uma enorme qualidade. E foi divinal na cena à capela já referida.
Em suma, foi um espectáculo digno de uma casa que pretende afirmar-se como uma das referências internacionais do mundo da ópera. Tenho muita dificuldade (mas também não o desejo) em encontrar pontos negativos.
A segunda obra - Pèrsephone de Stravinsky - não é nem uma ópera, nem um oratório, nem um bailado. É, sim, um melodrama apresentado pela primeira vez em 1934 em Paris . Apresenta um texto de André Gide de elevada qualidade e a partir do qual se podem tirar diversas interpretações, nomeadamente, da origem da religião.
Encaixa com a ópera Iolanta, na medida em que partilha parte dos ensinamentos que se podem retirar do texto, apresentando diversos elementos de ligação com a primeira obra apresentada, o que permite justificar a sua encenação conjunta.
O encenador optou por utilizar os mesmos elementos cénicos, alternando os efeitos de luz e cores novamente com muita mestria. O bailado, com elementos simples, foi bonito, expressivo e representativo da história. Podemos dizer que foi muito eficaz e que serviu totalmente o texto e o propósito da obra.
De realçar a forma como conseguiu dar dimensão aos contrastes da escuridão das profundezas do Hades e da luz da vida ao cimo da Terra, na qual se pode ler uma metáfora de teor agrícola bem patente no facto de Persèphone ser a Deusa dos cultivos e Eumolpe, o Deus dos mortos: da terra (escuridão representada pelo Hades) brota a vida (luz existente na terra).
O maestro Vicente Alberola foi quem dirigiu esta obra. E fê-lo com qualidade, mostrando conhecimento do estilo musical de Stravinsky.
O tenor Paul Groves em Eumolpe foi magnífico. Num papel muito difícil pela construção melódica que Stravinsky pouco adaptou à língua francesa (desconsiderado que as suas palavras são, por regra, agudas) esteve muito seguro, apresentando um timbre em todos os momentos muito agradável, transmitindo toda a emoção da personagem. Muito bom!
A narradora Dominique Blanc foi auxiliada por amplificação digital (necessária?) e foi eficaz. Sem nada a apontar.
Os bailarinos do Amrita Performing Arts do Camboja (Sam Sathya em Persèphone; Chumvan em Déméter; Khon Chansithyka em Pluton; e Nam Narim em Mercure, Démophoon e Triptolème) tiveram um enorme destaque dado pela encenação e foram, com os elementos de dança simples, capazes de transmitir não só a história, como as suas emoções.
O Coro esteve, novamente, num nível muito elevado, destacando-se igualmente o Coro infantil muito bem orientado.
Em conclusão, apesar de não ser o nosso tipo musical preferido, nem a música de Stravinsky nesta obra atingir a qualidade de Le Sacre du Primtemps, é uma obra muito interessante com um excelente texto e que permite muitas reflexões. Valeu bem a pena conhecer!
Queremos deixar, ainda, uma pequena nota sobre a iniciativa do Teatro Real em realizar um comentário pré-concerto 30min antes de cada récita: é muito informativo e de elevada qualidade. Aliás, o senhor que fez este comentário (e creio que fará os outros) é um excelente comunicador.
Teatro Real, Madrid - a place I have been! We were there in the late 1990s, after a renovation. Beautiful! I also remember a fantastic restaurant. Thank you for the memory.
ResponderEliminarAgradeço a este novo autor o texto elegante que escreveu. As óperas referidas não pertencem ao meu repertório preferido mas, depois de ler esta crítica, fiquei curioso em vê-las.
ResponderEliminarAcho que o senhor de que fala é José Luís Téllez quem e certamente um excelente comunicador. Foi muitos anos, ate a reforma, director e presentador de muitos magníficos proramas na "Rádio Clásica" espanhola.
ResponderEliminarhttp://www.youtube.com/watch?v=UgsiJpx_ePQ
http://es.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_Luis_T%C3%A9llez
Acho que o senhor de que fala é José Luís Téllez quem e certamente um excelente comunicador. Foi muitos anos, ate a reforma, director e presentador de muitos magníficos proramas na "Rádio Clásica" espanhola.
ResponderEliminarhttp://www.youtube.com/watch?v=UgsiJpx_ePQ
http://es.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_Luis_T%C3%A9llez
Parabéns pelo novo colaborador e pela crônica publicada!
ResponderEliminarO mundo da arte agradece!
Um grande abraço
Bem vindo ao Blog, caro amigo camo_opera!!! E que crítica fantástica de duas obras que poucos conhecem (incluindo eu). De todos os cantores, o que melhor conheço é Paul Groves, que é realmente um grande tenor com uma voz lindíssima. Acredito que Iolanta ficará a ser ainda mais conhecida, por terras espanholas, na próxima temporada - rumores indicam Anna Netrebko numa produção no Gran Teatro del Liceu, Barcelona...
ResponderEliminarCaros,
ResponderEliminarObrigado pelos comentários e pela recepção.
É com muito agrado que me junto aos meus colegas e amigos wagner_fanatic e FanaticoUm nestas jornadas entusiasmantes pelo mundo da ópera.
Em minha opinião, a ópera Iolanta é muito interessante, pelo que recomendo a sua visualização.
A esse propósito: a récita de 24 de Janeiro já foi transmitida no canal Mezzo e terá nova transmissão dia 23 de Fevereiro às 12h30 (horas portuguesas). Haverá outras duas transmissões no Mezzo HD em horários que poderão consultar em mezzo.tv
Caro AdMiles: tem toda a razão. O senhor que fez o comentário pré-ópera trata-se, de facto, de José Luis Téllez. Foi um gosto enorme ouvi-lo.
Saudações musicais
Ainda em relação à transmissão no Mezzo: a realização não é brilhante, bem como a própria qualidade da gravação, pelo que creio que não corresponde (aliás, nunca corresponde) à dimensão qualitativa da visualização que se teve ao vivo.
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