(review in english below)
Chegámos ao final do monumental novo Ciclo do Anel do Nibelungo, da Metropolitan Opera, com este Crepúsculo dos Deuses, visionado ontem na Fundação Calouste Gulbenkian.
Robert Lepage afirma-se, se ainda não o tinha feito antes, como um génio especial. Uma encenação em tudo clássica e fiel ao texto, mas apresentada de uma forma moderna, recorrendo a um mecanismo de grande complexidade tecnológica mas que se projecta de forma aparentemente simples. Será esta a perfeita união entre a encenação clássica e a moderna? Eu penso que sim e é a encenação que Richard Wagner, por certo, gostaria de tido e podido ver em vida.
A excelência desta encenação tem crescido desde o Ouro do Reno, atingindo no Crepúsculo a sua completa potencialidade e maturação de ideias. Lepage traz-nos visualmente e sem controvérsia todos os momentos que, em praticamente todas as outras encenações, é deixado à imaginação daqueles que conhecem a obra, como são exemplo, a viagem de Siegfried pelo Reno com Grane (o cavalo de Brünnhilde que Lepage personifica em boneco mecanizado e gerido electronicamente à distância) e a sua chegada junto de Hagen, Gunther e Gutrune.
Do mesmo modo, Lepage não deixa momentos cénicos em vazio, aproveitando os leitmotif de forma exemplar como é o caso da marcha fúnebre de Siegfried – simplesmente genial Gunther lavar a mão cheia de sangue de Siegfried (depois de o ter amparado após ser ferido por Hagen) nas águas do Reno projectadas na plataforma e esta ficar completamente vermelha.
Ainda mais o é o agarrar da mão de Siegfried por Gunther como manifestação de pesar deste (no fundo ficaram irmão de sangue no 1º acto).
E fantasticamente brutal o aproveitar do leitmotive da espada Notung na marcha, com Gunther a elevar Notung enquanto os seus homens elevam o corpo inerte de Siegfried.
Um momento de genialidade que encontra paralelo na cena da imolação de Brünnhilde, cavalgando Grane até à pira onde Siegfried jaz em chamas, enquanto a plataforma os encobre progressivamente, inicialmente em chamas e depois com as águas do Reno.
E também no final, com a representação da destruição de Walhalla com estátuas dos deuses a se desmoronarem, deixando no final, um fundo azul e a plataforma realizando movimentos simuladores de ondas – Lepage deixa-nos, no final, o local onde tudo começou – o Reno. GENIAL!!!
Jay Hunter Morris já me havia conquistado no Siegfried e ainda mais profundamente me arrebatou neste Crepúsculo. É certo que no prólogo não esteve ao seu mais alto nível, denotando ainda alguma falta de aquecimento da voz mas perfeito, no seu estilo, ao longo de toda a ópera. É genial a forma como tornou o seu Siegfried mais adulto, como se espera, mas com um ou outro momentos de maior ingenuidade. O seu porte faz-nos aceitar que estamos na presença de um verdadeiro herói e o seu olhar tem uma capacidade expressiva invulgar. A sua interpretação da morte de Siegfried é tão naturalmente sentida que até arrepia e o modo como, ferido, tentou agarrar ainda Notung como defesa contra Hagen e não a conseguir elevar, por estar ferido, foi mais do que um simples momento cénico marcante!
Deborah Voigt teve a sua melhor interpretação neste Anel. Voz fabulástica e uma postura de grande confiança. A validar o facto de ter sido ela a escolhida para ser a Brünnhilde desta produção.
Hans-Peter König foi vocalmente perfeito como Hagen. Se formos picuinhas podemos só ter a ousadia de lhe exigir um pouco mais na expressão facial e corporal que, na minha opinião, é algo amorfa em cerca de 70% do tempo. Adorei a sua caracterização capilar, fazendo lembrar o aspecto do seu pai Alberich, no Ouro do Reno.
Iain Paterson foi um Gunther perfeito! Voz de timbre lindíssimo, já elogiada neste blog, postura muito digna e com uma interpretação de elevada qualidade dramática.
Waltraud Meier esteve simplesmente deslumbrante! Mesmo em papel mais curto dos que habitualmente canta em Wagner, não o deixou de fazer de forma marcante.
O modo como conta a Brunnhilde como Wotan aguarda o desfecho em Walhalla foi profundamente tocante.
Wendy Bryn Harmer foi uma Gutrune à altura dos seus companheiros, com voz forte, segura e expressiva.
Eric Owens, na sua fugaz aparição como Alberich, esteve ao seu nível de excelência.
Coro fenomenal e uma Orquestra no global fabulosa (que pecou apenas nos ocasionais momentos menos felizes dos metais como o início do prólogo e da morte de Siegfried) dirigida de modo que me agradou muito por Fabio Luisi, que se começa a afirmar como um bom sucessor de Levine.
Há encenações que marcam a história da Ópera e esta é uma delas. Serão possivelmente precisos muitos anos até que outra encenação atinja esta excelência. Até lá espero que possamos continuar a viver esta com a emoção que se sentiu hoje.
Götterdämmerung - METLive - Calouste Gulbenkian Foundation - February 11, 2012
Robert Lepage sets himself as a special genius. A classic production, faithful to the text, but presented in a modern way, using a mechanism of great technological complexity but projected in an apparently simple way. Is this the perfect marriage between classic and modern staging? I think so and this is the staging Richard Wagner, of course, would have liked to see.
The excellence of this staging has grown since das Rheingold, reaching the full potential and maturation of ideas in this Götterdämmerung. Lepage brings us what is left to imagination in other productions as, for example, the Siegfried’s voyage on the Rhine with Grane (Brünnhilde's horse who Lepage personifies in a mechanical horse, electronically controlled from a distance) and their arrival to Hagen, Gunther and Gutrune.
Similarly, Lepage does not leave empty scenic moments, using the leitmotif in an exemplary manner as in the case of Siegfried's funeral march – simply genious when Gunther washes his hand on the waters of the Rhein, projected on the platform, which become completely red.
Further greatness is seen in Gunther holding Siegfried’s hand with an expression of regret (they became blood brothers in the 1st act).
And excellence is seen when Gunther helds high Siegfried’s Notung when the leitmotiv of the sword is heard.
A moment of genius that is paralleled in the immolation scene of Brünnhilde, when she rides Grane to the pyre where Siegfried lies in flames, while the platform covers them progressively, initially in flames and then with the waters of the Rhine.
And in the end, with the representation of the destruction of Valhalla with statues of the gods falling apart, leaving in the end, a blue background and the platform simulating waves motion - Lepage leaves us, in the end, where it all began - the Rhein. SUPERB!!!
Jay Hunter Morris who has already convinced me in Siegfried, was once again superb. It is true that he was not at his highest vocal level in the prologue but he was perfect throughout the opera. It is fantastic has he gives us a more adult Siegfried but still shows us some moments of naivety. His physical appearance makes us accept that we are in the presence of a true hero and his eyes have an unusually expressive capability. His interpretation of the death of Siegfried is so naturally felt that shivers up and how, wounded, he still tried to grab Notung as a defense against Hagen and was not able to held it high because he was wounded was more than just a special scenic moment!
Deborah Voigt had her best performance in this Ring. Fabulous voice and a posture of great confidence. She showed why she was picked to be the Brünnhilde of this production.
Hans-Peter König as Hagen was vocally perfect. If we want to be nitpicking we can only dare to ask him a little more on facial and body expressivity that, in my opinion, is amorphous in about 70% of the time. I loved the hair characterization, resembling the appearance of his father Alberich in Das Rheingold.
Iain Paterson was a perfect Gunther! Voice of beautiful tone, already praised in this blog, very dignified posture and a dramatic interpretation of high quality.
Waltraud Meier was simply stunning! Even on a shorter than usual role when singing Wagner she was spectacular.
The way she sings how Wotan is waiting the end of the Gods in Walhalla was deeply touching.
Wendy Bryn Harmer was a very good Gutrune with a strong, safe and expressive voice.
Eric Owens, in his brief appearance as Alberich, was at his level of excellence.
The Choir was phenomenal and the Orchestra was globally phenomenal (sinned only in occasional less happy moments in the metal section like the beginning of the prologue and the death of Siegfried). Fabio Luisi begins to assert himself as a good Levine successor.
There are performances that mark the history of the Opera and this is one of them. It will probably take many years until another production achieves this excellence. Until then I hope we can continue to live this with the excitement we felt today.
Partilho consigo o entusiasmo sobre esta produção. Para mim também foi a melhor das 4 óperas deste Anel e tenho pena de não ter apostado nesta para ver ao vivo. Deve ser deslumbrante. Encenação fantástica, cantores todos em grande forma (até Deborah Voigt esteve muito melhor que nas anteriores. Um privilégio assistir a este Crepúsculo dos deuses.
ResponderEliminarObrigado pela excelente crónica!
Caro wagner_fanatic,
ResponderEliminarUma vez mais obrigado pela sua excelente crónica, tão reveladora dos seu conhecimento wagneriano.
Espero vir a poder assistir a este anel pelo menos em DVD, uma vez que, pelo que nos deixou aqui relatado, será muito difícil encontrar um conjunto de qualidade tão exaltante e homogénea.
Hoje, derivando do lirismo operático, segue-se a semana de excelência de conteúdos da FCG: Evegny Kissin. Espero ficar tão deslumbrado como o final do Anel o deixou a si.
Saudações
Excelente crônica,
ResponderEliminara descrição dos cenários e jogo de luz foi tão boa que pude "ver' o seu efeito! Os comentários críticos da parte dramática e musical, como sempre, são de alto nível!
Parabéns e obrigado por compartilhar
Caro wagner_fanatic,
ResponderEliminarUma vez mais obrigado pela sua excelente crónica, tão reveladora dos seu conhecimento wagneriano.
Espero vir a poder assistir a este anel pelo menos em DVD, uma vez que, pelo que nos deixou aqui relatado, será muito difícil encontrar um conjunto de qualidade tão exaltante e homogénea.
Hoje, derivando do lirismo operático, segue-se a semana de excelência de conteúdos da FCG: Evegny Kissin. Espero ficar tão deslumbrado como o final do Anel o deixou a si.
Saudações
Caro Fanático
ResponderEliminarEstou completamente de acordo. Ontem a récita foi de arrasar, como se costuma dizer, foi a síntese perfeita das outras três jornadas. Os cantores deslumbraram, Voigt foi uma Brunhilde tão convincente que quase fui às lágrimas. Hagen portou-se como o arquétipo da maldade e foi soberbo vocalmente, acompanhado por um coro maasculino maravilhoso! Waltraud Meier teve um momento alto de teatro ( tal como Voigt), é uma actriz genial.
Adorei os momentos de música e cena ( e há vários no Crepúsculo que foram devidamente valorizados pela encenação). Aliás, a realização também é notável, valorizando os close-ups nos momentos certos e tornando o drama absolutamente transparente...
O Guarda-roupa também se manteve belíssimo, enfim. Um Ring para se falar nos próximos tempos...
Obrigada pela crónica, vou partilhar no blog e levar também ao Face! Wagner merece, não acham???
( Ontem o público estava particularmente devoto em relação ao nosso «querido mestre», só ouvi elogios a Wagner por aqueles corredores...)
Saudações e continuem com as vossas crónicas maravilhosas!!!
The singers were really great!
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