Aqui está o primeiro texto neste blogue sobre uma ópera no Brasil. É mais uma excelente contribuição de Eduardo Vieira ( Visite o seu blogue: http://pitacosdoeduardo.blogspot.com/). Espero que, em particular, os muitos leitores brasileiros do blogue se sintam tão orgulhosos com ele quanto nós.
Muito obrigado, Eduardo, em nome dos Fanáticos da Ópera / Opera Fanatics.
Muito obrigado, Eduardo, em nome dos Fanáticos da Ópera / Opera Fanatics.
Já tinha escrito a maior parte da crítica sobre esta montagem quando soube que esse seria o primeiro texto do blog sobre uma montagem brasileira.
Sendo assim, decidi incluir um preâmbulo sobre o nosso mais tradicional Teatro Lírico, suas origens e sua recente restauração (que terminou ano passado).
Na segunda metade do século XIX, havia na cidade, que era a capital do Império Brasileiro, intensa atividade lírica. O Imperador Pedro II era um verdadeiro fanático por ópera. Para se ter uma ideia, ele esteve presente a inauguração de Bayreuth, alem de ter convidado Wagner para produzir uma ópera no Brasil (pelo que li, o compositor chegou a ficar tentado pela vasta soma, mas amarelou de encarar a "selva").
Existiam diversos teatros onde se levavam óperas e saraus, sendo os dois principais o Theatro Lírico e o São Pedro, mas todos eram muito criticados seja pelas instalações, seja pela qualidade das companhias que se apresentavam.
De 1894 até 1909 (quando foi inaugurado), houveram muitas polêmicas em torno da construção de um Teatro Lírico nos moldes da Comédie Francaise. O projeto acabou sendo a junção de dois finalistas de um concurso. De sua construção participaram diversos artistas famosos da época, como Eliseu Visconti.
Possuindo 4 andares (platéia, balcão nobre, balcão simples e galeria), o Theatro acomoda hoje 2361 lugares.
O TMRJ teve grandes momentos na segunda metade do século XX, quando chegou a ter uma montagem de La Traviata onde Calas e Tebaldi se revezaram no papel principal.
Pessoalmente, é difícil avalia-lo. É onde assisti minha primeira ópera (Rigoletto, em 1989, na última cadeira da galeria!!). Tenho uma ligação emocional com o lugar. Fico muito chateado com a pouca quantidade de récitas que temos anualmente, mas é o meu teatro preferido. Não tem pontos cegos, tem excelente acústica e é lindo (espero que as fotos ajudem). Já passou por diversas reformas, sendo a mais importante a que começou em 2008 e terminou em 2010, da qual apresento o video comemorativo a vocês. (eu assisti dentro do Theatro, na sua reinauguração, quando foi levada uma montagem de Il Trovatore. A montagem foi razoável mas o vídeo foi o ponto alto da noite. Vale a pena ver!
http://www.youtube.com/watch?v=gU7gq8v7bFc
Dito isso, vamos a ópera:
Nabuco é a terceira ópera de Verdi e é o seu primeiro sucesso estrondoso. Eu conhecia a história, já tinha ouvido o coral (quem não ouviu?), mas alem disso, pouco conhecia sobre a mesma. Acreditava até ser um trabalho menor, que teria tido mais sucesso pelo seu oportunismo do que pelos seus méritos musicais em si.
Junte-se a isso o fato de que as últimas produções do TMRJ deixaram a desejar e de termos apenas cantores brasileiros, não esperava muita coisa.
Me enganei redondamente. Nabuco é uma grande ópera. E, na minha opinião, foi levada de forma bastante digna aqui no Theatro Municipal, a despeito de críticas que li (principalmente a do senhor Vicente Depércia, de quem nunca tinha ouvido falar até procurar material para escrever esse texto (http://blogdepercia.blogspot.com/2011/07/opera-nabuco-de-verdi-um-fracasso.html)) e que vou discutir ao final.
Eu gostei da concepção de André Heller de dar um caráter atemporal a história, misturando trajes modernos a símbulos assírios. O próprio texto da ópera é atemporal (se referencia a "filhos de David" e a Moisés quando os eventos dessa ópera aconteceram antes disso). A ópera foi escrita ANTES do holocausto, e até hoje existe preconceito. Para mim faz todo sentido.
Se no conceito as coisas estavam certas, não quer dizer que a execução tenha sido sem mácula. Os figurinos, assinados por Marcelo Marques, só funcionaram onde eram óbvios (judeus de terno, judias de véu, branco predominando na hora da morte). Onde eram mais elaborados, realmente ficaram confusos e eu diria até mal-feitos (máscara de papelão nos soldados assírios? Quem teve essa idéia foi pago para isso?).
Do cenário, assinado por Renato Theobaldo, eu gostei. Diversos painéis feitos com tubos geravam a cada cena efeitos diversos, a decoração assíria e ajudaram a narrativa. A iluminação (Fábio Retti), a meu ver, foi funcional, sem grandes pirotecnias. O efeito especial principal (o cair na cabeça de Nabuco) não funcionou.
Vamos aos cantores: a soprano Eliane Coelho fez bom papel com Abigaille. Não tenho como comparar com outras performances, pois não as conheço, mas mesmo que não esteja no auge de sua forma e que esse não seja o seu papel ideal, funcionou muito bem.
A mezzo Denise Freitas tem uma voz muito bonita, um tom mais escuro, que eu gostei muito e achei adequado para a essa ópera, fazendo um bom contraste com a soprano. É interessante ver a "mocinha" sendo a mezzo, enquanto a "vilã" é a soprano. O papel não dá as mesmas chances que tem Abigaille, mas entendo que foi bem defendido.
O baixo Sávio Esperândio, no papel de Zaccaria, foi o melhor da noite. Seu timbre é excelente e sua postura no palco é altamente convincente. Parecia realmente um profeta fanático pregando, com os olhos arregalados, uma coisa!
O tenor Marcos Paulo, no papel de Ismaele, foi a performance mais fraca entre os principais (embora supere, em muito, o tenor que vi fazendo Tosca em Paris). Entrou frio e não chegou em algumas notas no início. Depois melhorou e não comprometeu.
O barítono Rodrigo Esteves, como Nabuco, tambem aparece discreto no início, mas cresce no fim do segundo ato e canta muito bem a sua ária de arrependimento no 4o. ato.
Os papéis menores não me chamaram atenção.
Quanto ao Coro do Theatro Municipal, acho que teve uma excelente participação, numa ópera onde eles são praticamente um personagem e que possuem o principal momento da noite, que teve que ser bisado dados os efusivos aplausos.
Aliás, todas as eventuais falhas de concepção dessa montagem são perdoadas por esse momento sublime onde vemos, os presos, a espera da morte, se regozijarem com a única coisa que nunca nos podem tirar, nossos pensamentos e nossas lembranças. Se você sabe italiano ou lê as legendas, é impossível não ficar embargado. E a montagem cênica ajuda, com alguns coristas subindo nas grades na hora que a musica cresce, como se a música os levasse junto. Vocês podem me dizer que é piegas, que é obvio, o que for, mas funciona. E muito bem.
Retomo a eterna dúvida da condessa de Capriccio (as palavras ou a música?). Nenhum dos dois, a ópera tem que ser, sempre, as duas coisas juntas. Aquele libreto, declamado, seria bonito, mas não seria o que é. A música, sem o contexto, como aparece na abertura, é bonita, mas não traz nenhum efeito maior. Na peça, no contexto, com o coro cantando é algo totalmente diferente. E o pianíssimo do final é a chave de ouro.
Vejo nessa ópera algumas coisas que o Verdi retomaria em outras obras. O final do primeiro ato me lembrou bastante o fim segundo ato de Aída. E o final da ópera é muito bem feito, com a morte da Abigaille e a profecia de Zaccaria.
Enfim, o que dizer das críticas altamente negativas que li (tirando essa que citei, o principal jornal da cidade (O Globo), viu a parte cênica mais ou menos da mesma forma que eu, mas foi crítico em relação aos cantores)? Não sei. Ambos escreveram sobre a estreia, eu já assisti a terceira récita, o que pode fazer alguma diferença. Eu provavelmente sou um melômano menos exigente e não tão erudito. Mas, na verdade, o que eu enxergo nessas críticas é muita soberba.
A opera foi bastante aplaudida, não há como classifica-la como um "um fracasso anunciado" como o senhor Depércia fez. Se ela não atende aos altos requisitos desse senhor, eu vos digo, a maior parte das apresentações comuns (não estou falando das de gala, com cantores do primeiríssimo time) da Ópera de Paris também não. E o ingresso lá é cinco vezes mais caro!
O nosso Theatro precisa é de mais produções, não de menos. Críticas destrutivas só levam as autoridades a cada vez colocar menos dinheiro na ópera. Isso não quer dizer que tenhamos que aplaudir qualquer porcaria que nos entreguem, mas é preciso ser construtivo. Essa montagem agradou ao público que estava lá, e que pagaria para ver novos espetáculos como o de ontem. O que vai nos levar a perfeição é a prática. Mais montagens nos levarão aos poucos a melhores montagens. Mas aparentemente as pessoas preferem ficar em casa assistindo aos seus DVDs.
Texto de Eduardo Vieira
Caro Eduardo,
ResponderEliminarMuito obrigado por mais este seu excelente contributo que muito enriquece o blogue. Ao contrário de muitos portugueses, eu não conheço o Rio de Janeiro mas, quando lá for, a visita ao Theatro Municipal será obrigatória. As fotos são lindíssimas.
Concordo consigo quando diz que em grandes teatros europeus, por vezes, os elencos não são nada de especial. Essa realidade sim, eu conheço, e corroboro a sua afirmação.
E concordo em absoluto consigo em relação ao que escreveu no último parágrafo, que poderia ser referido ao Teatro de São Carlos, o teatro nacional de ópera do nosso País. Não temos que aplaudir os maus espectáculos que nos oferecem, até porque se gasta também muito dinheiro com eles. Devem ser criticados. Mas a crítica sistemática a tudo, o que também acontece por aqui em Portugal, é nefasta porque pode desencorajar o investimento na ópera (única no nosso caso) o que é, de todo, indesejável. Algumas vezes, mesmo com recursos limitados e recorrendo aos bons profissionais nacionais, conseguem-se espectáculos de qualidade elevada, como aconteceu com os últimos que vimos em Lisboa e sobre os quais aqui escrevi no blogue.
Também tenho tido a sorte de andar por muitos e bons teatros de ópera por esse mundo fora mas, como o Eduardo, para mim, o Teatro de São Carlos é também o melhor, por razões sentimentais, porque foi lá que aprendi a gostar de ópera. Quando comecei as temporadas eram belíssimas, mas foi lá que este mundo maravilhoso se abriu para mim.
Mais uma vez muito obrigado por mais este seu contributo tão especial.
Espero que, em particular, os muitos leitores brasileiros do blogue se sintam orgulhosos com ele.
Um grande abraço de Portugal.
Fanático,
ResponderEliminarEm primeiro lugar, mais uma vez obrigado pelo espaço.
O meu blog anda tão caído... Estou com muitos discos para comentar, mas falta tempo até para ouví-los com calma, ainda mais para escrever sobre os mesmos.
Quanto a ópera, acho que, mesmo com defeitos, a récita ao vivo é muito importante. Precisamos ter boas temporadas de ópera, é isso que forma público.
DVD e CD é para conhecedores. 90% das pessoas se ouvirem 3 versões da mesma ópera não vão perceber diferença nenhuma na parte musical.
Temos que apontar o que pode melhorar, mas nunca podemos deixar de apoiar as iniciativas de montagem nos nossos teatros!
Também gostei muito de ler a opinião do Eduardo e fiquei fascinado com o vídeo do restauro do Teatro Municipal, que não sabia tão deslumbrante.
ResponderEliminarEspero que, no futuro, a qualidade das récitas suba e faça jus à sua beleza.
Caro Eduardo,
ResponderEliminarfiquei muito feliz com a crítica, sou frequentador do Municipal. Infelizmente não pude ver Nabuco. As críticas excessivas provindas das vaidades exacerbadas não nos desanimam nem influenciam, mas infelizmente desencorajam os investimentos. Amo o teatro Municipal e sou fã desse blog. Deixo aqui os meus sinceros parabéns e um grande abraço para você e para os fanáticos sempre tão gentis e enriquecedores!
What a beautiful theater! I have never been to Rio, but it is on my list. When I do go, I will be sure to take in a performance.
ResponderEliminarOriginal e enriquecedor, parece-me, este blogue colectivo sobre ópera, com contribuições e contribuintes de vários lugares, pois vão-nos abrindo perspectivas e horizontes.
ResponderEliminarAcredito que uma verdadeira paixão pela educação poderia levar muito mais gente a descobrir o gosto pela qualidade nas artes e aumentar destas tanto a procura como a oferta.
Bem vindo de volta ao blog, Eduardo!
ResponderEliminarExcelente crítica desta ópera que, por acaso, não é uma das minhas favoritas.
O Teatro é muito bonito, pelas fotos que nos oferece.
Não desespere com o seu blog. Vai ver que, a seu tempo, vai ter mais visitantes.
Cumprimentos musicais.
Thank you so much for the wonderful review and pictures, Eduardo.
ResponderEliminarThe Theatro Rio is beatiful! It reminds me of Opera Garnier Paris and Semperoper Dresden.
I wish you post more about this opera house on your blog. For example, the program of new season, crews, audience, subsidary, problems...
We know very little about what's going on in brasilian opera scene. Which operas, which singers are popular in Brasil, what type of people goes to the opera, and so on.
Last winter I got a chance to hear some singers from Brasil. One of them was Camilla de Falleiro who recently sung in Stuttgart. I like her dark and rich Alto very much. Also she is a beautiful woman with nice body which is not less important as opera singer.
@Antonio Machado e @Paulo
ResponderEliminarO pessoal de cenografia do Theatro é muito bom, o que pega as vezes é a questão das verbas.
Mas o nosso maior problema é justamente a questão dos cantores. É muito difícil conseguir cantores de altíssimo nível para cantar aqui. Acaba saindo tão caro que gera um rombo que atrapalhar outros quesitos da produção.
Os diretores acabam muitas vezes preferindo arriscar com cantores nacionais e fazer uma produção mais caprichada. Acredito ser uma escolha válida.
@JJ
When you come, please make contact and I will try to help you with all the informations you need!
@Wagner_Fanatic,
O maior problema do meu blog não é a falta de visitantes, é a falta de artigos para que os visitantes possam se interessar em entrar lá. Eu preciso escrevê-los!! :)
Em outubro vou assistir Die Walkure em São Paulo e vou fazer a crítica. Espero que goste!
Obrigado a todos pelos comentários!
Caro Eduardo, Die Walkure será em Novembro no Teatro Municipla de São Paulo. Pergunto aos moderadores se existe a possibilidade de publicarem tbm minha crítica dessa récita, para os leitores terem outra visão. Abs Ali.
ResponderEliminarCaro Ali,
ResponderEliminarSeja bem vindo de novo aos comentários neste blogue.
Claro que a sua crítica será recebida com todo o interesse pelo blogue "Fanáticos da Ópera / Opera Fanatics". A crítica a "Die Walküre" e a quaisquer outras óperas que veja e que queira partilhar suas impressões neste blogue.
Se for possível enviar também imagens, será óptimo porque torna os textos mais atractivos.
Pode enviar para o e-mail:
fanaticoum@gmail.com
Cumprimentos de Portugal
Ali,
ResponderEliminarRealmente, eu me enganei. Assistirei a récita do dia 25 de novembro. Infelizmente consegui apenas ingressos de galeria, mas pelo menos são ingressos com visão total do palco (o teatro de SP possui lugares com visão parcial, o que acho uma lástima).
Será muito interessante ter alguem para dar outra visão da mesma récita!
Sds,
Eduardo