sábado, 30 de abril de 2011
IL TROVATORE – Met, NY – 27 Abril 2011
(review in english below)
Regressado há poucas horas de Nova Iorque onde, como sabem, estive com o FanaticoUm a assistir a uma fantástica sequência operática: 2 Valquírias, 1 Rigoletto e 1 Il Trovatore (o FanaticoUm ainda ficou mais um dia para um Orfeu e Euridice), e não tendo disponibilidade para hoje comparecer na Gulbenkian para reviver o Il Trovatore através do MetLive, deixo aqui o meu comentário em relação a esta produção.
Antes de mais deixem-me dizer que o Met é um dos locais mais fantásticos para se assistir a Ópera. Ambiente descontraído, qualidade cénica e interpretativa elevada, apoiadas numa cidade com espírito singular onde a grandiosidade se revela no plano da arquitectura mas também no mais pequeno pormenor como a amabilidade das pessoas que a constituem.
De todas as récitas, o Trovador foi a mais equilibrada em termos vocais e, por isso, a eleita como a melhor, apesar de saberem que sou um fervoroso wagneriano...
A encenação é clássica, como a grande maioria das do Met, facilitando a interpretação dos cantores e, ao mesmo tempo, apaixonando quem assiste.
A orquestra, sob a direcção consistente de Marco Armiliato, esteve sem falhas.
Marcelo Álvarez foi Manrico, estando ao seu mais alto nível. O lirismo celestial das sua voz foi evidente durante toda a récita e particularmente nos momentos de canto sem a presença física em palco (passagens do 1º e último acto). Como gostava que tivesse cantado o Duque no Rigoletto da noite anterior... Mas sobre isto falará o FanaticoUm.
Sondra Radvanovsky esteve muito bem. Não digo excelente porque não o foi, apesar dos gritos e aplausos efusivos do público do Met. Sondra é uma verdadeira força vocal em palco. Canta com uma potência invejável (a um nível que a colocaria como excelente cantora wagneriana), capaz de encher uma sala equivalente a 4 Met’s. Mas está a cantar em 1 só Met e sempre que a potência se eleva acima do que é necessário ocorre o que se passou: a voz (que é rica em harmónicos graves) perde beleza de timbre. Após ingerir o veneno no último acto, o timbre recuperou a beleza que guardava em memória das récitas do Cyrano com Domingo a que tive o prazer de assistir no passado em Londres e Valência. Tudo isto porque diminuiu o volume ao tamanho de 1 só Met... De resto, sem nada a apontar de negativo, muito pelo contrário, em termos de capacidade dramática, lirismo e actuação cénica em palco, os quais foram sublimes.
Dmitri Hvorostovsky foi o Conde di Luna. Espectacular!!! Ouvi-o pela primeira vez ao vivo e comprovou a minha excelente impressão a partir de audições radiofónicas prévias. Uma voz de barítono de beleza inigualável, aliada a uma presença de palco forte e segura, deslumbrou em todas as suas intervenções.
Dolora Zajick encarnou Açucena. A mezzo norte-americana é talvez a melhor intérprete do papel desde há alguns anos a esta parte. O seu conhecimento do papel é profundo, permitindo com a sua fantástica voz, transmitir toda a complexidade dramática da personagem. A forma como introduz uma entoação quase falada em algumas das passagens foi arrepiante.
Stefan Kocán foi Ferrando. Este jovem cantor apresenta claramente uma técnica acima da média mas um timbre que se torna pouco bonito quanto mais grave for a tessitura do papel que interpreta. Assim, bem melhor esteve como Ferrando no Trovador do que como Sparafucile no Rigoletto da noite anterior.
A récita de 27 de Abril foi gravada em vídeo (varias eram as câmaras em locais estratégicos) e provavelmente será lançada em DVD. A se confirmar, estamos na presença de um DVD a guardar na estante de qualquer melómano como uma das melhores de sempre.
Espero que a récita de hoje no MetLive seja ao mesmo nível.
Sei que todos os leitores assíduos deste blog esperam os meus comentários sobre A Valquíria... Deixem-me dizer que o facto de ter assistido às 2 récitas abonou em relação a Jonas Kaufmann: ao contrário do que o FanaticoUm achou, Kaufmann esteve banal (e atrevo-me a dizer abaixo do exigido) no dia 25... Depois de levantar um pouco o véu neste comentário, o resto seguir-se-á lá para 4ª feira.
Deixo-vos com o já tradicional vídeo da chamada ao palco do final do Il Trovatore de Giuseppe Verdi no MET.
IL TROVATORE - Met, NY - April 27, 2011
Returning a few hours ago from New York where, as you know, I was with the FanáticoUm to attend a fantastic operatic sequence: 2 Die Walkure, one Rigoletto and one Il Trovatore (the FanaticoUm stayed one more day to see an Orpheus and Euridice) and not having availability to attend the Gulbenkian today to revive the Il Trovatore by MetLive, here are my comments regarding this production.
First of all let me say that the Met is one of the hottest spots to watch the opera. Relaxed atmosphere, high scenic and interpretative quality, supported in a city with a unique spirit and sense of grandiosity which reveals itself in terms of architecture but also in the smallest detail like the friendliness of the people who live in it.
Of all the operas seen, Il Trovatore was the most balanced in terms of vocal quality and therefore elected the best, although you all know that I am an ardent Wagnerian...
The scenario is classic, as the vast majority of the Met productions, facilitating the interpretation of the singers and the passion of the audience.
The orchestra, under the consistent direction of Marco Armiliato, was flawless.
Marcelo Álvarez was Manrico, being at his highest level. The heavenly lyricism of his voice was evident throughout the opera, and particularly in moments of singing without the physical presence on stage (passages of the first and last acts). I wished he had sung the Duke in the Rigoletto of the night before... But about this FanaticoUm will talk more.
Sondra Radvanovsky was very good. I do not say excellent because she was not, despite the cheers and applause from the audience at the Met. Sondra is a real vocal strength on stage. She sings with an enviable power (at a level that would place her as an excellent Wagnerian singer), capable of filling a room equivalent to 4 Met's. But she is singing in just one Met and when the power rises above what is needed it happens what happened: the voice (which is rich in bass harmonics) loses beauty. After ingesting the poison in the final act, the tone regained the beauty that I held in memory of the Cyrano productions with Domingo which I had the pleasure of watching in the past in London and Valencia. All this because the volume diminished to the size of a single Met... In terms of dramatic ability, lyricism and scenic action on stage she was sublime.
Dmitri Hvorostovsky was the Count di Luna. SUPERB!!! I heard him live for the first time and proved my excellent impression from previous radio broadcasts. A baritone voice of incomparable beauty, coupled with a strong and secure stage presence, dazzled in all his interventions.
Dolora Zajick embodied Azucena. The American mezzo is perhaps the best interpreter of the role for several years now. Her knowledge of the role is deep, allowing, with her fantastic voice, to convey the full dramatic complexity of the character. The way she introduces an almost spoken intonation in some of the passages was creepy.
Stefan Kocán was Ferrando. This young singer clearly presents a technique above-average but a tone that becomes less pretty the lower pitched the tessitura of the role gets. Thus, as Ferrando he was much better than in Rigoletto as Sparafucilethe night before.
The opera on the April 27 was recorded on video (many were the cameras in strategic locations) and will probably be released on DVD. If this is confirmed, we are in the presence of a DVD to store on the shelf of any music lover as one of the best ever.
I hope that today, at the MetLive, the final result ends to be the same.
I know that all the frequent readers of this blog are waiting for my comments on Die Walkure... Let me say that the fact of having attended it for 2 times abbonates in favor of Jonas Kaufmann: on the contrary of what FanaticoUm thought, Kaufmann performance on the 25th was common (and dare I say less than hoped, expected and allowed)... After this small comment on the Wagner opera, I leave you in expectation for the rest which will follow here by next Wednesday.
I leave you with the traditional video of the final curtain call of Il Trovatore by Giuseppe Verdi at the MET.
terça-feira, 26 de abril de 2011
Jonas Kaufmann e Eva-Maria Westbroek – Gémeos fantásticos no Met / Fantastic twins at the Met
(text in English below)
Die Walküre de Richard Wagner, na nova produção de Robert Lepage, estreou no Met no passado dia 22 de Abril, com alguns problemas tanto na “máquina” milionária concebida para a encenação como com Eva-Maria Westbroek que não terminou a récita, por doença.
Já muito se escreveu sobre esta Valquiria. Também aqui, no blogue, a sua apreciação pormenorizada surgirá em breve. Contudo, gostaria de deixar uns breves apontamentos iniciais sobre dois dos cantores que mais me impressionaram – os gémeos Siegmund e Sieglinde.
Jonas Kaufmann foi um Siegmund fantástico mas diferente dos outros tenores que habitualmente abordam o papel. A voz, apesar do seu característico tom baritonal, é de um lirismo marcante, dando à personagem muita credibilidade quando canta o seu amor por Sieglinde. O timbre é único, aveludado e os agudos surgem fortes, luminosos e, aparentemente, sem esforço, sempre sobre a orquestra.
Não compreendo as críticas que alguns fazem a Kaufmann, atribuindo o sucesso mais ao bom aspecto físico do que às qualidades da interpretação vocal. Duvido que o tenham ouvido ao vivo.
(algumas fotografias são de Ken Howard, Metropolitan Opera / some photos are from Ken Howard Metropolitan Opera)
Eva-Maria Westbroek foi uma Sieglinde ao nível de Jonas Kaufmann. A voz é grande, limpa, bem projectada e também luminosa. A cantora é detentora de um soprano de elevada qualidade e de grande beleza, sempre audível, mesmo quando a orquestra toca forte. A presença em palco foi igualmente notável e muito convincente tanto nas cenas de amor por Siegmund como, posteriormente, quando se põe em fuga com Brünnhilde.
O resto fica para mais tarde, pois há muito que comentar tanto sobre a encenação como sobre o maestro, orquestra e outros cantores com interpretações arrebatadoras.
Mas assistimos, de facto, a uns gémeos fantásticos no Met.
Jonas Kaufmann and Eva-Maria Westbroek - Fantastic twins at the Met
Die Walküre, Richard Wagner's new production by Robert Lepage, premiered at the Met on last April 22 with problems in both the millionaire "machine" designed for the staging, and with Eva-Maria Westbroek that was replaced after the first part of the opera, due to illness.
Much has been written about this Valkyrie. Here in this blog its detailed revision will appear soon. However, I make some brief notes on two of the singers who impressed me most - the twins Siegmund and Sieglinde.
Jonas Kaufmann was a fantastic Siegmund, different from other tenors who usually interpret the role. The voice, despite its characteristic baritonal tone, is of a striking lyricism, giving the character high credibility when he sings his love for Sieglinde. The sound is unique, velvety and top notes are strong, bright and apparently without effort, always over the orchestra.
I do not understand the criticism that some make to Jonas Kaufmann, attributing his success to his good looks rather than the qualities of his vocal interpretation. I doubt that they have heard him live.
Eva-Maria Westbroek was an excellent Sieglinde, at the same high level of quality of Jonas Kaufmann. The voice is big, clean and bright. Her soprano is of top quality and great beauty and always audible, even when the orchestra plays forte. Artistically she was also remarkable and convincing in her scenes of love for Siegmund and, subsequently, when she was running away with Brünnhilde.
The rest will come later, because there is much to comment about the staging, the conductor, the orchestra and some other singers with fabulous interpretations.
But, indeed, we watched amazing twins at the Met.
domingo, 24 de abril de 2011
CAPRICCIO – Met Live em HD, Fundação Gulbenkian, Abril de 2011
(review in English below)
Capriccio é a última ópera, em um acto, de Richard Strauss com libretto de Clemens Krauss e Richard Strauss. Aborda a relação entre a música e as palavras, tema que sempre interessou Strauss e que lhe foi sugerido como assunto para uma ópera pelo libretista Stefan Zweig depois de analisar o libretto da ópera de António Salieri Prima la musica e poi le parole.
Várias personagens reúnem-se na mansão da Condessa Madeleine por ocasião do seu aniversário. Ouve-se um sexteto para cordas do compositor Flamand. O poeta Olivier escreveu uma peça que será encenada por La Roche e interpretada pela actriz Clairon e pelo Conde, irmão de Madeleine. Debate-se o que é mais importante, a música ou as palavras. Tanto o compositor como o poeta declaram, secretamente, o seu amor à condessa. Dois cantores italianos cantam um dueto de amor. A condessa sugere a composição de uma ópera contemporânea, sobre eles próprios. Olivier pede à condessa para dizer como deverá terminar a obra. Ela reflecte sobre as qualidades da música e da poesia e, também, sobre de quem gosta mais, Flamand ou Olivier. Não consegue decidir e sai para o jantar cantando uma música de Flamand, inspirada num soneto de Olivier.
(algumas fotografias são da Metropolitan Opera / some photos are from Metropolitan Opera)
A encenação de John Cox transportou a acção do século XVIII para as primeiras décadas do século XX. Foi eficaz, sem deslumbrar.
O maestro Andrew Davis deu-nos uma leitura muito correcta da obra, proporcionando um equilíbrio notável entre a orquestra e os cantores.
Renée Fleming, soprano norte americano, cantou de forma soberba o papel da condessa. De entre as interpretações que tenho visto à Fleming, penso que esta é uma das melhores e mais notáveis (a este nível, só as de Thais e Rusalka). Esteve quase sempre em palco e, quando a partitura o permitia, foi resplandecente e impregnou a interpretação de grande lirismo.
Flamand foi cantado pelo tenor canadiano Joseph Kaiser. Cumpriu o papel com qualidade mas cenicamente esteve aquém do desejável. Nunca foi credível na expressão do seu amor pela condessa. A voz, contudo, é de beleza apreciável e o cantor conseguiu impregná-la de nuances interessantes e bem enquadradas no papel.
O barítono canadiano Russell Braun foi um Olivier que também não impressionou na expressão da sua paixão pela condessa. Contudo, a voz é decente e foi bem projectada.
O baixo britânico Peter Rose foi La Roche. Possuidor de uma voz grande e escura, deu-nos uma das melhores interpretações masculinas da tarde.
Clairon esteve a cargo do mezzo-soprano Sarah Connolly e o Conde foi interpretado pelo barítono Morten Frank Larsen. Ambos tiveram boas interpretações, contribuindo para o bom nível do espectáculo.
Muito bem esteve o par de cantores italianos, o soprano russo Olga Makarina e o tenor britânico Barry Banks. Os papéis foram pequenos mas a qualidade de ambos foi notável. Transbordaram alegria, afinação e boa movimentação em palco.
Um espectáculo muito agradável que primou pela boa qualidade dos intérpretes.
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Capriccio - Met Live in HD, Gulbenkian Foundation, April 2011
Capriccio is the last opera in one act by Richard Strauss with libretto by Clemens Krauss and Richard Strauss. It is about the relationship between music and words, a topic that always interested Strauss. The theme was suggested as a subject for an opera by librettist Stefan Zweig after reviewing the libretto of the opera by Antonio Salieri Prima la musica poi le parole.
Various people gather at the mansion of the Countess Madeleine at the time of her birthday. A string sextet by the composer Flamand is heard. The poet Olivier wrote a text that will be staged by La Roche and played by actress Clairon and by the Count, brother of Madeleine. A debate arises about what is most important, music or words. Both the composer and the poet declare, secretly, their love for the countess. Two Italian operas singers sing a love duet. The countess suggests the composition of a contemporary opera about themselves. Olivier asks the Countess to decide how the opera should end. She reflects on the qualities of music and words, and also about who she loves best, Flamand or Olivier. She can not decide and leaves singing a music by Flamand inspired on a sonnet by Olivier.
The production by John Cox transported the action from the eighteenth century to the early decades of the twentieth century. It was effective, without being fascinating.
Conductor Andrew Davis gave us a very accurate reading of the work, providing a remarkable balance between orchestra and singers.
Renée Fleming, North American soprano, sung superbly the role of the Countess. Among the interpretations I have seen by Fleming, I think this was one of the best and most remarkable (at this high quality, only Rusalka and Thais). She was almost always on stage and whenever the score allowed she was brilliant, with great lyrical interpretation.
Flamand was sung by Canadian tenor Joseph Kaiser. He sung with quality but artistically he was below my expectations. He has never been credible in the expression of his love for the countess. The voice, however, was of considerable beauty and the singer managed to impregnate interesting nuances.
Canadian baritone Russell Braun was an Olivier who also failed to impress in expressing his love for the countess. However, his voice was decent and he could be well heard.
British bass Peter Rose was La Roche. A great and dark voice, one of the best male performances of the afternoon.
Clairon was sung by mezzo-soprano Sarah Connolly and the Count was interpreted by baritone Morten Frank Larsen. Both had nice interpretations, contributing to the overall good level of performance.
Excellent was the pair of Italian singers, Russian soprano Olga Makarina and British tenor Barry Banks. The roles were small but the quality of both was remarkable. They were joy, in perfect tune, and with excellent movement on stage.
A very nice performance mostly due to the uniform good quality of the singers.
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quarta-feira, 20 de abril de 2011
UM REQUIEM ALEMÃO / EIN DEUTSCHES REQUIEM, Frauenkirche, Munique, Abril de 2011
(review in English below)
Tive a sorte de estar em Munique no dia em que foi realizado um concerto de solidariedade para com o povo japonês, na sequência do devastador terramoto (e tsunami) de há poucas semanas.
Foi fácil obter o bilhete pela Internet, através do site da Bayerische Staatsoper, responsável pela organização, apesar de os lugares terem esgotado muito rapidamente.
O local do concerto foi a belíssima Catedral da Nossa Senhora, Frauenkirche.
A Orquestra e Coro da Bayerische Staatsoper, os coros da Catedral e juvenil de Windsbacher e os solistas Michael Volle (barítono) e Soile Isokoski (soprano) interpretaram o Requiem Alemão de Johannes Brahms, sob a direcção do maestro Kent Nagano.
Assistir a este Requiem foi um acontecimento que jamais esquecerei. Já há muito que conheço e aprecio a beleza da peça mas ouvi-la assim cantada (coros e solistas superlativos) com a sonoridade só conseguida numa catedral como esta foi uma experiência arrepiante que, durante aquela breve hora, nos transportou para uma dimensão etérea. Não há palavras para o descrever.
Mais uma vez, o civismo do povo alemão foi notável. Os bancos corridos da catedral estavam numerados no topo (para os portadores de bilhete “sentado”) e, mesmo quando havia muito espaço vazio e largas dezenas de pessoas em pé (os com bilhete “em pé” que eram a maioria), ninguém se sentou indevidamente.
No final do concerto houve um período de silêncio absoluto de cerca de cinco minutos. Depois, todos saíram tranquilamente, sem um aplauso sequer, mas várias pessoas ainda com lágrimas nos olhos.
Confesso que tenho grande admiração pela Alemanha e, neste dia, ter-me-ia sentido muito orgulhoso se fosse alemão. Quão pequeninos e humildes somos na grandiosidade espiritual e humana de um momento sublime como este!
EIN DEUTSCHES REQUIEM, Frauenkirche, Munich, April 2011
I was lucky to be in Munich on the day that a concert for the people of Japan was performed, following the devastating earthquake (and tsunami) a few weeks before.
It was easy to get a ticket on the Internet, through the website of the Bayerische Staatsoper that organized the concert, although the seats were sold out (free of charge) very quickly.
The venue was the beautiful Cathedral of Our Lady, the Frauenkirche.
The Orchestra and Chorus of the Bayerische Staatsoper the choir of the Cathedral and the children’s choir Windsbach and soloists Michael Volle (baritone) and Soile Isokoski (soprano) interpreted the German Requiem (Ein Deutsches Requiem) directed by Kent Nagano.
Before the concert, the archbishop and the governor of Bavaria said some few words about the solemnity of the moment (five minutes both) and Eri Nakamura, Japanese soprano, sang two Japanese children's songs.
This concert was an experience I will never forget. I know and appreciate the beauty of the musical piece from long ago, but the chance to hear it in a cathedral, with the sonority that can be heard only in this setting, played and sung as it was (orchestra, choirs and soloists were excellent) was a unique experience that, during that brief hour, transported us to an ethereal dimension. There are no words to describe it.
Again, the behaviour of the German people was remarkable. The benches of the cathedral were numbered (some people had numbered tickets) and even when there were several sitting places available and many dozens of people standing (those without numbered tickets), no one sat down without the correct ticket.
At the end of the concert there was a period of absolute silence for about five minutes. After that, everyone left quietly, without any applause, but many people were still in tears.
I confess that I admire Germany. This day, I would have felt very proud to be German. How small and humble we are, towards the sublime spiritual greatness of a moment like this!
domingo, 17 de abril de 2011
THOMAS HAMPSON - MAHLER - Fundação Calouste Gulbenkian - 16 e 17 Abril 2011
(review in english below)
O barítono Thomas Hampson, um dos melhores interpretes mahlerianos de sempre, presenteou-nos, no sábado, com algumas das canções do ciclo Des Knaben Wunderhorn. É visível que Hampson já interpretou estas canções milhares de vezes. A sua postura em palco e as suas expressões faciais transparecem um profundo conhecimento da obra. Mahler é já uma parte de Hampson. Quase com 56 anos, o timbre permanece bonito, a voz sai sem esforço, com dinâmica perfeita, aliado a um charme galã que lhe é bem conhecido. Para mim, a mais emblemática das canções deste ciclo é o “Wo die schönen Trompeten blasen” e foi com grande pena que, depois de uma interpretação brilhante, o público da Gulbenkian abalou por completo o silêncio celestial com um bafo de tosse e limpar de gargantas... Embora compreenda que não teria tido muito nexo por pertencer a outro ciclo, gostaria de ter ouvido, como extra, o “Ich bin der Welt” dos Rückert Lied e não outra canção do ciclo presenteado.
Mas se a qualidade da primeira parte foi um risco de causar um enfarte agudo do miocárdio, a segunda, com a 1ª Sinfonia de Mahler, a Titã, foi de arrasar por completo a sala. O som mahleriano produzido esteve digno do que de melhor se tem assistido na Gulbenkian. A direcção de Philippe Jordan foi de uma plasticidade emotiva no gesto, digna do mais virtuoso bailarino. O corpo seguindo a linha melódica, vibrava ao mesmo tempo que pedia da Orquestra uma resposta que foi, nos seus jovens elementos, dada com a expressividade e alegria de quem ama Mahler.
No domingo, o adagio da 10ª sinfonia, a inacabada, foi interpretado com a mesma qualidade orquestral e de direcção. Não posso dizer que considere este andamento ao nível de muitos outros que Mahler escreveu sem a presença da voz (como por exemplo o final da 3ª, da 5ª e da 9ª) mas talvez ainda não o tenha ouvido vezes suficientes para que reconheça o seu valor.
Este fim-de-semana Mahleriano terminou com Das Lied von der Erde, onde o tenor Burkhard Fritz se juntou a Thomas Hampson. Fritz esteve bem, embora abafado pela orquestra durante várias passagens do primeiro andamento. Hampson brilhou novamente com qualidade interpretativa superlativa, principalmente em Der Abschied.
Na passagem dos 100 anos sobre a sua morte, mais uma vez, na Fundação Calouste Gulbenkian, a sua memória foi elevada com um fim-de-semana de qualidade invejável.
Pedido desculpa aos intérpretes, dirijo agora algumas palavras aos expectadores da Gulbenkian: evitem as tosses e catarros desnecessários entre andamentos e, principalmente, durante as interpretaçóes; acabem com os comentários sussurados entre andamentos e, principalmente, durante as interpretações; senhoras: não levem brincos que chocalham nem pulseiras que tilintam; senhores: não passem com frequência as mãos sobre as calças de bombazine, de ganga ou outro tecido, ou sobre as gabardines e casacos; pousem o programa no chão durante o espectáculo e não façam um ruído de virar de página principalmente porque, com a luminosidade da sala, não se consegue ler nada; em resumo: procurem passar ao lado do “Síndroma da Pacovice Intelectual” e elevem-se, respeitando cantores e expectadores que vão ao concerto para ver a verdadeira estrela da sala: a Música.
Quem quiser explorar mais um pouco Thomas Hampson cantando Mahler, recomendo a clássica gravação com Bernstein e o seu recente CD, ambos com ciclos de canções do compositor.
THOMAS HAMPSON - MAHLER - Calouste Gulbenkian Foundation - April 16 & 17, 2011
The baritone Thomas Hampson, one of the best interpreters of Mahler of all times, presented us on Saturday, with some of the songs from Des Knaben Wunderhorn cycle. It is apparent that Hampson has sang these songs a thousand times. His posture on stage and his facial expressions are apparent in-depth knowledge of the work. Mahler is already a part of Hampson. Almost 56 years-old, the tone remains beautiful, the voice comes out effortlessly with perfect dynamics, coupled with his unique charm. For me, the most iconic song of this cycle is "Wo die schönen Trompeten blasen" and it was with great sadness that, after a brilliant interpretation, the audience broke the ending silence with a heavenly breath of coughing and clearing of throats ... I would have liked to hear, as an extra, "Ich bin der Welt" instead of another song of the Des Knaben Wunderhorn cycle but I understand that it would not have been suitable, because it belongs to another song cycle.
If the quality of the first part was a risk of causing an acute myocardial infarction, the second with the 1st Symphony by Mahler, the Titan, was to blaze the way through the room. The mahlerian sound produced was worthy of the best that there has been at the Gulbenkian. The direction of Philippe Jordan was of such an emotional plasticity in the gesture, that it would have been worthy of the most virtuoso dancer. The body, following the melodic line, vibrated at the same time calling for a response from the Orchestra which was in its youth elements, given with the expressiveness and joy of one who loves Mahler.
On Sunday, the Adagio of the 10th symphony, the unfinished, was interpreted with the samequality. I can not say I consider this adagio to be of the same level of many others that Mahler wrote without the presence of the voice (eg: the end of the 3rd, the 5th and the 9th symphonies) but maybe I have not heard it often enough to recognize its value.
This Mahler weekend ended with Das Lied von der Erde, where the tenor Burkhard Fritz joined Thomas Hampson. Fritz was good, though muted by the orchestra for several passages during the first movement. Hampson shone again with an interpretation of superlative quality, especially in Der Abschied.
On the celebration of 100 years since his death, once again, at the Calouste Gulbenkian Foundation, Mahler’s memory was elevated with a weekend of enviable quality.
Those wishing to explore Thomas Hampson singing Mahler, I recommend the classic recording with Bernstein and his recent CD, both with the composer's song cycles.
quarta-feira, 13 de abril de 2011
LUCREZIA BORGIA, Bayerische Staatsoper, Munique, Abril de 2011
(Este foi o único cartaz com que a Bayerische Staatsoper anunciou espectáculo!)
(This was the only poster used by the Bayerische Staatsoper announcing the opera!)
(Review in English below)
Lucrezia Borgia é uma ópera de Gaetano Donizetti com libreto de Felice Romani, segundo Lucrèce Borgia de Victor Hugo.
Lucrezia Borgia, uma mulher conhecedora de venenos, adúltera e assassina, faz o que pode para viver com uma imagem como concebida pelos homens e empenha-se em encontrar novas identidades. O seu filho Gennaro encanta-se por ela à primeira vista, sem saber que é sua mãe. O círculo de amigos denigre o seu nome. Don Alonso, marido de Lucrezia, convencido que Gennaro é seu rival, decide matá-lo, envenenando-o. Contudo, é salvo por Lucrezia que lhe dá um antídoto. Mais tarde são todos envenenados por ela uma segunda vez. Quando Lucrezia se apercebe que o filho está no grupo dos homens envenenados, confessa-lhe que é sua mãe e oferece-lhe novamente o antídoto. Ele recusa e morre também.
A encenação, de Christof Loy, é moderna e simples. O palco está despido e tem em fundo o nome LUCREZIA BORGIA que, com o desenrolar da acção, vai desaparecendo pela esquerda, muito lentamente, sem que antes Genaro arranque o B de Borgia, ficando ORGIA, com as conotações da nova palavra também constantes do libretto. De resto, umas cadeiras simples, ocasionalmente uma mesita e pouco mais. Mas, sem deslumbrar, funciona.
(Some photos are from Bayerische Staatsoper website or programme)
O maestro foi o italiano Paolo Arrivabeni.
O dificílimo papel de Lucrezia Borgia foi interpretado pelo soprano eslovaco Edita Gruberova. Apesar da presença de vários cantores de elevada qualidade, diria que Edita Gruberova é, quase 200 anos depois de o compositor ter escrito a obra, a Lucrezia Borgia de Donizetti. A voz é bela, os pianíssimos são de uma qualidade, frequência e altura inultrapassáveis, o legato perfeito e a coloratura sublime.
Na sua cena inicial Com’è bello! Qualle incanto, no prólogo, consegue transmitir uma afectividade tocante, em total contraste com cenas posteriores. No 2º acto em que Gennaro está prestes a apunhalá-la, depois de cantar uma nota sobreaguda em fortíssimo, faz um momento de silêncio e diz num registo grave un Borgia sei!. O efeito cénico é arrepiante e o diálogo seguinte, com Gennaro, transborda tristeza. Depois da morte do filho, transmite de forma marcante dor e culpa na ária Era desso il figlio mio. Termina expressando raiva e revolta, numa sequência alucinante de cascatas de notas graves a sobre-agudas, finalizando com uma prolongada nota estratosférica (penso que um mi sobreagudo) em fortíssimo. Avassaladora!
Gennaro foi interpretado pelo jovem tenor norte-americano Charles Castronovo. O papel é exigente e extenso. Castronovo (que nunca tinha visto ao vivo) deu-nos uma interpretação marcante. A voz é encorpada e de grande beleza tímbrica. O artista tem uma excelente presença em palco. Pertence à nova geração de cantores que, nas suas apresentações, junta a representação ao canto, com grande efeito tanto para o espectáculo como para o público.
Don Alfonso foi interpretado pelo baixo-barítono canadiano John Relyea. Possuidor de uma voz grande, bonita e expressiva, a presença em palco foi também muito boa. Foi mais um grande artista da noite, não deixando por mãos alheias a representação da personagem.
A jovem mezzo-soprano de coloratura espanhola Sílvia Tro Santafé foi um Maffio Orsini, amigo de Gennaro, de excepcional qualidade. O papel, aparentemente secundário, é enorme e a artista teve garra e presença para o colocar sempre no centro da acção. Ofereceu-nos uma voz cheia, escura e quente, de grande extensão e beleza. A presença cénica esteve ao mais alto nível. Apesar da figura franzina, foi outra das grandes da noite.
Terminada a ópera, o público aplaudiu como nunca havia visto na Alemanha. Exuberante e de forma efusiva, com gritos de bravo e outras expressões, sobretudo dirigidos a Edita Gruberova. A cantora teve que voltar ao palco inúmeras vezes.
Existe uma gravação recente desta produção com Edita Gruberova.
Houve magia nesta noite gloriosa de ópera em Munique!
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Lucrezia Borgia, Bayerische Staatsoper, Munich, April 2011
Lucrezia Borgia is an opera by Gaetano Donizetti with libretto by Felice Romani, according to Victor Hugo's Lucrèce Borgia.
Lucrezia Borgia, an adulterous assassin woman knowledgeable of poisons, does what she can to live with an image as conceived by men, and strives to find new identities. His son Gennaro was well impressed by her at first sight, not knowing that she is his mother. His circle of friends reject and say the worst about her. Don Alonso, Lucrezia's husband, is convinced that Gennaro is his rival and decides to kill him by poisoning him. However, he is saved by Lucrezia that gives him an antidote. Later they are all poisoned by her a second time. When Lucrezia realizes that her son is poisoned within the male group, she confesses to him that she is her mother and gives him the antidote again. He refuses and dies.
The staging by Christof Loy is modern and simple. The stage is empty and has written in the background the name LUCREZIA BORGIA that, along the performance disappears very slowly by the left side. Prior Gennaro destroys the B of Borgia, getting ORGIA, with the connotations of the word also contained in the libretto. Simple chairs and occasionally a small table complete the scenary.. But, without a great scenic impact, it works.
The conductor was Italian Paolo Arrivabene.
The difficult role of Lucrezia Borgia was interpreted by the Slovak soprano Edita Gruberova. Despite the presence of several high-quality singers, Edita Gruberova, almost 200 years after the composer had written the piece, is Donizetti's Lucrezia Borgia. The voice is beautiful, the frequent pianissimi are of an exquisite quality, associated to a perfect legato and sublime coloratura.
In its opening scene Com'è bello! Qualle incanto in the prologue, she transmits a kind affection, in stark contrast to later scenes. In Act 2 in which Gennaro is about to stab her, after singing a top note in fortissimi, a moment of silence comes and then she says in low register un Borgia sei!. The scenic effect is amazing and the following dialog, with Gennaro, overflows with sorrow. After the death of her son, she transmits markedly pain and guilt in the aria Era desso il figlio mio. She ends the opera expressing anger and outrage in an impressive sequence of low to top notes, finishing with a prolonged stratospheric note in fortissimi. Overwhelming!
Gennaro was interpreted by American young tenor Charles Castronovo. The role is demanding and long. Castronovo (who I had never seen live) gave us a remarkable interpretation. The voice is full-bodied and has a beautiful timbre. The artist has a great stage presence. He belongs to the new generation of opera singers who, in their presentations, joint artistic acting to singing, with an excellent effect both for the performance and the audience.
Don Alfonso was sung by Canadian bass-baritone John Relyea. A great voice, beautiful and expressive, and also very good acting. He was another great artist of the night.
The young Spanish coloratura mezzo-soprano Silvia Tro Santafe was a Maffio Orsini, friend of Gennaro, of exceptional quality. The role is remarkable and the artist had the strength and presence to always be in the center of the action. She offered us a full voice, dark and warm, with great beauty and length. Artistically she was also excellent.
After the opera, the audience applauded as I had never seen in Germany. Exuberant and effusive applauses, with shouts of bravo and other expressions, mainly directed at Edita Gruberova. The singer had to come to the stage numerous times.
There is a recent recording of this production with Edita Gruberova
There was magic in this glorious night at the opera in Munich!
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