quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

DIALOGUES DES CARMÉLITES. Teatro Nacional de S. Carlos (Lisboa), Fevereiro de 2016




O blogue "Fanáticos da Ópera" agradece mais esta excelente contribuição de José António Miranda:

DIALOGUES DES CARMÉLITES    (Francis Poulenc)
Ópera em três Actos   (1957)
Libreto de Emmet Lavery, baseado num argumento cinematográfico de Georges Bernanos para o filme Le dialogue des Carmélites, de Raymond-Léopold Bruckberger e Philippe Agostini, argumento inspirado no romance Die letzte am Schafott, de Gertrud von Le Fort, por seu turno baseado nos escritos de uma funcionária religiosa católica de Compiègne.

Direcção musical: João Paulo Santos
Encenação: Luis Miguel Cintra
Cenografia: Cristina Reis
Roupas: Cristina Reis
Luzes: Luis Miguel Cintra, Cristina Reis,  Rui Seabra, Paulo Godinho

Marquês de la Force: Luís Rodrigues
Blanche de la Force: Dora Rodrigues
Cavaleiro de la Force: Mário João Alves
Madame de Croissy, Primeira Madre Superiora: Ana Ester Neves
Madame Lidoine, Segunda Madre Superiora: Ana Paula Russo
Madre Marie de l’ Incarnation: Maria Luísa de Freitas
Irmã Constance de St. Denis: Eduarda Melo
Padre Capelão: Carlos Guilherme
Irmã Mathilde: Teresa da Neta
Madre Jeanne de l’Enfance du Christ: Carolina Figueiredo
1º Comissário: João Terleira
Monsieur Javelinot / 2º Comissário / 1º Oficial: Ricardo Panela
Thierry / Carcereiro: Christian Luján
Madre Gerald: Helena Vieira
Irmã Antoine: Helena Afonso
Irmã Catherine: Mariana Castello Branco
Irmã Félicie: Ariana Russo
Irmã Gertrude: Sara Afonso
Irmã Alice: Rita Marques
Irmã Valentine: Rita Crespo
Irmã Anne de la Croix: Inês Madeira
Irmã Marthe: Catarina Rodrigues
Irmã Claire: Nélia Gonçalves
Irmã Saint-Charles: Rita Tavares
Orquestra Sinfónica Portuguesa
Coro do Teatro Nacional de São Carlos    Dir: Giovanni Andreoli
Produção: TNSC (2016)
Co-produção: Teatro da Cornucópia

Com recurso a um vasto elenco de cantores nacionais, que reúne um notável conjunto de vozes de jovens intérpretes e algumas figuras emblemáticas do São Carlos da década de 80 do século passado, conseguiu o nosso primeiro teatro lírico apresentar um espectáculo de grande beleza plástica, e de qualidade acima do habitual no seu palco nos últimos tempos.

Para tal sucesso bastou-lhe associar-se nesta produção à equipa do Teatro da Cornucópia, e entregar a direcção musical do conjunto ao maestro da casa, João Paulo Santos. O resultado surpreendeu pela positiva.
Sob o ponto de vista dramatúrgico o encenador escolheu uma abordagem austera e rigorosa, que se traduz cenicamente no despojamento e simplicidade dos cenários.  Estes são constituídos por grandes painéis que se deslocam no espaço cénico, e de algum modo delimitam e enquadram o tempo da narrativa.

Pela sua extrema singeleza esta opção cenográfica faz concentrar a nossa atenção no conteúdo dramático da obra, conferindo-lhe desse modo uma universalidade que extravasa o concreto contexto a que se refere o libreto.

Para tal compreensão contribui também fortemente o cuidadoso trabalho de actores realizado com os cantores. Estes conseguem assim, na sua maioria, obter uma assinalável expressividade dramática.
Simultaneamente os movimentos adoptados em palco, os dos cantores isolados ou os de grupo, habilmente conjugados com as movimentações de cenários, pontuam a cronologia da narrativa cénica contribuindo de forma decisiva (nem é necessário abrir ou fechar a cortina do palco) para acentuar o seu trágico desenlace.

Complementando estes vectores da componente teatral da obra deve realçar-se o notável trabalho realizado com a luz, cuja qualidade supera largamente o habitual neste teatro, conseguindo por vezes quadros de extraordinária beleza e profunda expressão plástica.

Sob o ponto de vista musical, a primeira e imediata diferença verificou-se a nível da orquestra. É evidente que continua a ser claro que a orquestra do teatro não existe actualmente como tal, nem aliás seria possível esperar tal milagre no contexto da sua actividade recente.
Mas sob esta direcção (JP Santos) ela melhorou muito, e embora seja claro o seu funcionamento irregular, com altos e baixos ditados não se sabe bem por quê, a expressividade existe e passa para fora do fosso, graças a uma direcção musical inexcedível de rigor.

Um pouco do mesmo se passou com os cantores nos papéis principais, marcando claramente o resultado do trabalho colaborativo que se adivinha ter existido na fase de preparação do espectáculo: alguns altos e alguns baixos como é normal, e um extraordinário empenhamento e vontade expressivos por parte de todos.

Como pontos altos do trabalho lírico destacaram-se Dora Rodrigues e Maria Luísa de Freitas. No amplo conjunto de intérpretes importa porém salientar a prestação do barítono Ricardo Panela, estreante neste palco, que apesar de ter apenas a seu cargo pequenos papéis secundários foi de longe o melhor em cena.

Trata-se de um cantor com um timbre belíssimo e notáveis qualidades técnicas e expressivas, no início de uma carreira que, se tudo se passar como é habitual no São Carlos, teremos provavelmente que seguir fora do país nos tempos mais próximos.

No final, meditando perante a beleza que nos é desvendada da partitura de Poulenc e a actualidade flagrante do libreto, neste momento em que terror, violência, martírios e mortes são parte substancial do contexto diário, perante a simbólica despojada da encenação, fica porém no ar o sabor amargo de não podermos ter sabido como seria o espectáculo se esse despojamento cenográfico tivesse sido mais trabalhado.

Como seria se, para além de não haver cruzes em cena, as freiras não usassem o hábito carmelita? Como seria se usassem burkas, por exemplo? Como seria se o capelão aparecesse vestido como um imã? Como seria se nenhum símbolo religioso específico fosse mostrado em cena? Como seria …? Como seria…?


JAM    06/02/2016

7 comentários:

  1. Também assisti, à última récita, e foi um espectáculo gratificante. Concordo com quase tudo o que escreveu José António Miranda.
    Encenação austera mas eficaz, boa prestação da orquestra, excelente o maestro João Paulo Santos e um conjunto muito digno de cantores nacionais.
    A juventude impôs-se e, para mim, os dois melhores em palco foram Eduarda Melo e Ricardo Panela.

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  2. Concordo consigo Fanático Um. Mais uma vez se demonstra que nem sempre é necessário ir lá fora procurar para se conseguir apresentar um espectáculo lírico de bom nível.

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  3. Caro Plácido Zacarias, deixe-me agradecer a sua sugestão pois não conhecia o RP e encontrei alguns videos do nosso compatriota.
    Mas atenção, o link correcto é apenas o seguinte:
    https://youtu.be/zCLwiHIhvK8

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    1. Caro JAM-
      Sou um grande apreciador dos "Puritanos" e esta ária representa, para mim, um pináculo da arte de Bellini. Tendo como referência um bom conjunto de gravações, atendendo que este jovem está mais do que em posição para se aperfeiçoar, permita-me reiterar a minha anterior interjeição: "uau!"
      Saudações do seu leitor e blogger em tempos livres,
      P.Z.

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  4. Em minha opinião, foi um bom espectáculo. Mas devo dizer que, embora eficaz, creio que a encenação pecou por uma excessiva austeridade criativa: limita-se a seguir o texto e o sucessivo deslocar de painéis não acrescentou nada de relevante. Antes pelo contrário: acrescentou a frustração de nada adicionar ao desenrolar da acção. Nem uma sugestão de ideia nova. Nem a mais pequena sombra de génio. Mas cumpriu e, como diz JA Miranda, a direcção de actores foi boa, bem como a luz. A orquestra esteve apenas razoável, mas é difícil pedir-lhe muito mais. Quanto aos cantores, houve uma heterogeneidade muito grande. Sobressai a beleza tímbrica de Eduarda Melo (a melhor voz e presença cénica): creio que, a par com Luís Rodrigues, se encontra uns furos acima dos demais. Pena não lhe atribuírem papéis mais relevantes!

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    1. Caro camo_opera, deixe-me apenas precisar o meu ponto de vista em relação à cenografia.
      É que me parece que o facto de a sucessiva deslocação dos painéis não acrescentar nada de relevante, como diz, é precisamente um dos aspectos interessantes do espectáculo.
      Não adicionando de facto nada ao desenrolar da acção, é no entanto essa deslocação que marca o tempo da narrativa, pontuando-o subtilmente.
      Já no que respeita ao facto de não haver sugestão de novas ideias tendo a estar mais de acordo consigo, e por isso as minhas interrogações finais.
      Mas teremos de reconhecer que é exactamente o facto de se ter apresentado uma encenação despida de referentes que nos permite esta conversa e a sensação de que o tema poderia efectivamente ter sido abordado fora do quadro preciso indicado no libreto.
      Ideias que não teríamos e coisas que não aconteceriam se estivéssemos perante uma versão mais tradicional...

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