A temporada
lírica do Teatro Nacional de São Carlos
abriu com a opera Werther de Jules Massenet.
Transcrevo o
texto de Pedro
Moreira que nos dá um excelente
enquadramento da obra:
A acção de Werther desenrola-se
em Frankfurt. Foi numa Primavera, símbolo do amor e da natureza, que o jovem
Werther conheceu Charlotte, resultando desse encontro uma paixão muito intensa.
Apesar de tão nobres sentimentos os unirem, o seu amor era impossível, uma vez
que Charlotte, no leito de morte da mãe, prometera casar com Albert. A temática
do suicídio resultante do amor impossível, juntamente com a escrita musical
fortemente marcada pelo uso da técnica do leitmotiv, traduz-se assim numa
agradável combinação de factores que tornam este trabalho numa ópera de culto.
A encenação de
Graham Vick foi estreada em Lisboa há 10 anos. Coloca a acção em meados do
século XX, mas tem diversas incoerências (onde o que se canta não é o que se
vê) que culminam no último acto, décadas depois dos outros, em que a Charlotte
é uma idosa parkinsónica (pelo menos desta vez serviu para mostrar as
excelentes qualidades cénicas da solista, mas já lá iremos) e o Werther um
zombie. Mas é uma encenação vistosa, dinâmica e o guarda-roupa é muito
agradável.
O tenor
brasileiro Fernando Portari foi o
Werther. Estava com alguma curiosidade em o ouvir, sobretudo tento em mente o
que sobre ele já foi escrito neste blogue pelos nossos amigos brasileiros. Fez
um Werther muito credível. Tem uma voz poderosa, agradável, mas a linha de
canto nem sempre foi regular. Esteve melhor nos 2º e 3º actos. É um tenor de
qualidade superior aos que temos ouvido em São Carlos nos últimos tempos. Em cena esteve regular, mas contracenar com uma Charlotte como a desta
récita não é para todos.
Dos restantes
cantores Pierre-Yves Pruvot foi um
óptimo Bailio, Cristiana Oliveira
foi uma agradável Sophie por vezes com alguma tendência para a estridência, João Merino brilhou como Johann e Mário João Alves não esteve num dia de inspiração.
(João Merino)
Desde o ano
passado que desconfio que há “lebres” no teatro para os aplausos. Hoje voltei a
senti-lo, mas foram totalmente desnecessárias, pois foi um bom espectáculo.
***
Depois de um ano de "seca" vai ser muito agradavel voltar ao São Carlos. La estarei no próximo sábado.
ResponderEliminarEsperemos que a temporada, embora curta, seja de qualidade. Todos o esperamos dado que, em Lisboa não temos outras possibilidades de assistir a espectáculos de ópera ao vivo. Restam-nos as transmissões das grandes catedrais de ópera do mundo como a Metropolitan Opera de Nova Iorque, a Royal Opera House de Londres, o Scala de Milão ou a ópera de Viena, mas não é, de todo, a mesma coisa!
EliminarPena não poder assistir... mas anteontem foram As Bodas, amanhã vou ao Barbeiro e abro o fim de semana com a Tosca! ;-)
ResponderEliminarCom essa disponibilidade de três grandes óperas em apenas uma semana, diria que a opção não seria difícil para mim, estivesse eu em São Petersburgo, como penso ser o seu caso. Aproveite ao máximo e conte como foi...
EliminarTambém assisti à récita de estreia do “Werther” que inaugura a temporada 2014/15 do TNSC.
ResponderEliminarEstou de acordo com a apreciação do Fanático_Um em praticamente todos os aspectos que abordou na sua excelente crítica.
Gostaria apenas de deixar algumas impressões que a assistência à récita me suscitou.
1 – Embora a encenação não seja nova no TNSC, eu nunca a tinha visto. É bastante interessante e, acima de tudo, consiste numa determinada visão da obra, contribuindo para a sua compreensão mais perfeita, ao contrário de muitas encenações que vão surgindo por este mundo fora, que são feitas não para servir a obra, mas apesar da obra. Penso que a visão de Graham Vick centra o cerne da obra no remorso de Charlotte, que não conseguir superar o dever para obedecer ao amor, em contraste com a coerência (doentia) de Werther, que se suicida perante a impossibilidade de consumação. Daí que no acto IV sejamos transportados para muitas décadas depois do acto III e nos surja uma Charlotte infeliz, quebrada e assombrada ao longo de toda a sua vida pelo fantasma de Werther.
2 – Achei a prestação da orquestra, em especial nos I e II actos, muito deficiente, em especial nos metais e nas cordas, não poucas vezes claramente desafinadas. Todavia, na 2ª parte penso que esteve já bastante melhor. A direcção de Cristóbal Soler foi correcta e sóbria.
3 – Concordo com a apreciação sobre a prestação de Portari. Surpreendeu pela positiva, tendo composto um Werther bastante perturbado e menos hedonístico do que outros cantores. A voz é bonita e clara, embora se tenham notado deficiências na respiração, com prejuízo para o fraseio e a continuidade da linha vocal.
4 – Também saí do TNSC com a ideia de que a Charlotte foi a melhor da noite. Subscrevo integralmente as palavras do Fanático_Um.
5 – Ouvi perfeitamente a “lebre”, gritando “bravo” e “bravi” de modo algo excessivo e quase antes de terminar a música. Embora a récita tenha sido de qualidade acima do normal, pelo menos tomando por base os últimos tempos do TNSC, penso que era escusado.
6 – De lamentar, mais uma vez, o comportamento pouco adequado de algum público, com os inevitáveis toque de telefone durante o “Pourquoi me rèveiller” e em momentos posteriores. Ao meu lado estava uma senhora que, não só passou o tempo todo a agitar-se na cadeira, a mexer na mala, a consultar o telemóvel de 5 em 5 minutos, a cochichar com o seu acompanhante ao lado, a desfolhar o programa, como ainda deixou tocar o dito telemóvel durante o espectáculo...
Obrigado pelos seus comentários, que são uma mais valia na apreciação deste espectáculo.
EliminarNão sou grande apreciador do Werther literário e tenho dificuldade em render-me à ópera francesa por isso fui, há dez anos, ouvir para tentar ultrapassar esta "falha". Fiquei rendido à encenação de Vick. O confronto de Charlotte com as suas opções através do fantasma de Werther ao longo de uma vida inteira tocou-me profundamente
ResponderEliminare tornou credível uma história que sempre considerei um pouco pateta (sempre preferi a legião estrangeira para a resolução dos desgostos de amor). Em boa hora o S. Carlos "ressuscitou" esta produção que infelizmente não irei ver mas que já passei às novas gerações. Há uma 2ª cantora para o papel de Charlotte. Alguém a ouviu?
Caro João Alves, o camo_opera numa entrada posterior a esta sobre a produção do Werther do São Carlos não poderia estar mais de acordo consigo. E ele viu e ouviu a 2ª Charlotte que, pela descrição, não ficou a dever muito à primeira.
EliminarEu estive na récita do sábado um de novembro e na verdade gostei muito. Pareceu me muito boa a prestação da orquestra, acho que a melhor das vezes que a escutei. No que respeita à encenação pareceu me vistosa e não vi nenhuma incoerência grave com a música, incluso acho que se formos pensar friamente resulta mais credível um fantasma a cantar durante 15 minutos que uma pessoa que tenha se disparado.
ResponderEliminarGracias AsMiles!
EliminarAssisti à récita de ontem, 5 de Novembro, com Wendy Dawn Thompson como Charlotte, e tinha também visto esta produção em 2004, tendo-a considerado nessa altura uma pedrada no charco.
ResponderEliminarPor isso deixem-me dar também a minha opinião.
Rever uma encenação operática dez anos depois da sua produção inicial é como ir ao cinema pela segunda vez para rever o mesmo filme.
Primeiro vamos ver se o espectáculo resistiu bem à passagem do tempo, isto é, se não carrega já o rótulo de datado, ultrapassado, estilisticamente arrumado.
Depois vamos ver se o espectáculo ainda (ou eventualmente já, o que será mais raro, pois nesse caso em princípio não iremos revê-lo) nos diz qualquer coisa, isto é, se veicula aquele "quantum satis" de emoção que permite considerá-lo ainda como objecto esteticamente válido.
Devo dizer que em ambas as questões a conclusão me pareceu ser positiva no respeitante a este trabalho de Graham Vick agora reposto no São Carlos.
Sob o ponto de vista conceptual, não só o espectáculo conserva toda a actualidade que se revelava já em 2004, como me parece que continua a superar em inteligência e profundidade outras opções cénicas mais recentes, e nomeadamente a versão parisiense de Benoît Jacquot.
Sob o ponto de vista operacional, e apesar das dificuldades específicas do contexto local (o aparelho do teatro mostra a rigidez resultante da inactividade), o espectáculo ainda conserva toda a força que senti da primeira vez que o vi.
Nessa altura pensei que, por mérito de Vick, a obra de Massenet ganhara uma nova dimensão e deixava de nos parecer aquela história lamechas e sensaborona que eu conhecera através da encenação plana de Paolo Trevisi em 1990 (com o Kraus e a Cotrubas), para ostentar finalmente toda a vitalidade característica do sturm und drang.
E desta vez percebi melhor porquê.
Mais do que a opção cenográfica (as casinhas são deliciosas), uma pequena ideia tão simples como a translação temporal das cenas do quarto acto (Charlotte envelhecida) altera radicalmente a cena final da morte de Werther e ilumina retrospectivamente toda a ópera.
Graças a este pequeno/grande pormenor, e sem nada alterar no entanto no texto ou na música, como por magia, esta cena transforma-se num profundo monólogo introspectivo de Charlotte, em vez do diálogo convencional de agonia a que assistimos pacientemente em câmara lenta, e cujo desenlace esperamos passivamente para sair.
Neste caso, a ausência física de Werther, que nos aparece como mera evocação do passado, transforma-nos no alvo das palavras de Charlotte, remetendo-nos assim para a posição de intervenientes no conflito, e desse modo transfigura a cena final numa interrogação que involuntariamente nos obriga a participar e nos interpela, e para a qual teremos intimamente de encontrar resposta no final.
Esta verdadeira revolução no modo de apresentar o desenlace fatal, por nos fazer re-equacionar subitamente toda a emoção contida ao longo da obra, constitui-se como um seu novo clímax, mas desta vez um clímax no qual, ao contrário do final do terceiro acto, nós estamos envolvidos mais do que como simples espectadores.
Torna-se portanto simultaneamente mais fácil e mais difícil concretizar de maneira concordante com a ideia do encenador a exposição cénica e musical da obra. Apesar de tudo, parece-me que esse objectivo foi razoavelmente conseguido desta vez.
E portanto a resultante final foi um espectáculo que, sem ser genial como noutras circunstâncias a encenação permitiria, se vê com também razoável prazer.
A inegável frescura que a cenografia transporta ajuda a esquecer a menor subtileza do desempenho orquestral, impossível de evitar totalmente no contexto actual do teatro.
O cuidado trabalho com os actores, que se adivinha no desempenho dramático dos intérpretes, atenua algumas problemas técnicos. A distribuição é a possível na fase actual do teatro.
Realce pela positiva para o coro infantil. De entre os cantores o melhor desempenho global pareceu-me apesar de tudo, e mais uma vez, ser o de Luís Rodrigues.
JAM
Quando vi há dez anos, a opção do 4º acto fez-me sentir de forma muito intensa todo o drama de Charlote, a ponto de me ter emocinado. Ficou exposto o drama que é termos de viver com o arrependimento das nossas opções. É por isso que a ópera só se compreende devidamente encenada!
EliminarMuito obrigado pelos seus comentários José António Miranda. Com eles, este espaço de debate fica mais rico porque acolhe opiniões diversas mas todas muito enriquecedoras. Volte sempre!
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