(review in english below)
A presente
temporada da METropolitan Opera de
Nova Iorque abriu com uma nova produção de Richard
Eyre da opera As Bodas de Fígaro
de Mozart.
A acção passa-se
em Sevilha e foi trazida para os anos 1930. A distinção entre os nobres e os
criados só é evidente no guarda roupa e esgota-se por aí. O palco é
rotativo (imagem de marca de Eyre) e vêem-se várias partes do palácio,
incluindo o salão, o quarto da condessa, o quarto do Fígaro e os jardins. As
paredes têm uma decoração mourisca e são muito altas, minimizando por vezes o
que se passa no palco.
Logo na abertura
é dado o mote, aparecendo uma mulher nua da cintura para cima a vestir-se
apressadamente e, depois, o conde em robe vermelho e com ar satisfeito,
enquanto a condessa dorme sozinha, profundamente, no seu quarto. Mas não deixa
de ser uma encenação convencional.
Dirigiu o grande
maestro James Levine, com graves
limitações físicas mas em excelente forma. Ouvir esta obra prima de Mozart
tocada pela magnífica Orquestra do Met, sob a batuta de Levine, é já um
privilégio raro.
O baixo russo Ildar Abdrazakov foi um Figaro óptimo.
A voz é firme, penetrante, sempre bem colocada e muito bonita. O cantor tem uma
boa figura, o que ajuda muito o desempenho em palco. A aria Non più andrai foi inesquecível.
Peter Mattei, barítono sueco, fez um Conde de Almaviva próximo
da perfeição. Tem uma voz muito expressiva, cheia, bem audível, e com um
registo agudo marcante quando o usa. É mais um cantor de excelente figura, o
que torna mais credível a personagem.
A Susana foi
interpretada pelo soprano alemão Marlis
Petersen. E que interpretação! Voz magnífica em afinação e projecção, sem
gritar, e presença cénica sem descurar o menor pormenor.
Amanda Majeski, soprano norte americano, fez uma condessa triste
e introspectiva nas mais belas árias da personagem, Porgi, Amor e Dove sono,
que cantou com delicadeza invulgar, mas também esteve muito bem na cena cómica
do 2º acto em que ela, Susanna e Cherubino são apanhadas no quarto pelo conde.
Cherubino foi
interpretado pelo soprano Isabel Leonard. Também esteve muito bem tanto no
nível vocal como em cena. Ofereceu-nos uma interpretação alegre e jovial, sem
exageros excessivos. Na aria Voi, che
sapete esteve em particular destaque.
Nos cantores
secundários o gigante John Del Carlo
foi um Doctor Bartolo muito bom,
a Marcellina de Susanne Mentzer tendeu para a estridência,
o Don Basilio de Greg Fedderly, a Barbarina de Ying Fang e o Antonio de Philip Cokorinos não destoaram.
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LE NOZZE DI
FIGARO, METropolitan Opera, / October 2014
This season
of the Metropolitan Opera in New
York opened with a new production by Richard
Eyre of Mozart 's opera The Marriage of Figaro.
The action
takes place in Seville and was brought to the 1930s. The distinction between
nobles and servants is evident only in the dresses they wear. The stage rotates
(brand image of Eyre) and we can see several parts of the palace, including the
ballroom, the bedroom of the Countess, Figaro's room and the gardens. The walls
have a Moorish decor and are very high, sometimes minimizing what is happening
on stage.
In the
opening the motto is given, with the appearance of a naked woman from the waist
up, to dress hurriedly and then the Count in a red robe and with a satisfied
look, while the Countess sleeps alone, deep in her room. But it is still a
conventional staging.
The
performance was directed by the great conductor James Levine, with serious physical limitations, but always
excellent. To listen to this Mozart ‘s masterpiece played by the magnificent
Met Orchestra, under the directon of Levine, is a rare privilege.
Russian
bass Ildar Abdrazakov was a great
Figaro. The voice is firm, penetrating, always well tuned and very beautiful.
The singer is good looking, which helps his performance on stage. The aria Non più andrai was unforgettable.
Peter Mattei, Swedish baritone, was a Count Almaviva near
the perfection. He has a full, well audible voice, with a striking high
register, and very expressive. He's another good looking singer, which makes
the character more believable.
Susana was
interpreted by German soprano Marlis Petersen.
And what a performance! She has a magnificent voice in pitch and projection,
without shouting, and her stage presence was perfect, without neglecting the
smallest detail.
Amanda Majeski, North American soprano, was a sad and
introspective Countess. In the most beautiful arias of her role, Porgi, Amor and Dove sono, she sang with unusual delicacy, but also did very well
in the comic scene of the 2nd act when she, Susanna and Cherubino are caught in
the room by the Count.
Cherubino
was interpreted by soprano Isabel
Leonard. She was also very well in both vocal and stage performances. She offered
us a light-hearted interpretation, without undue exaggeration. The aria Voi che sapete was excellent.
Among
secondary singers, giant John Del Carlo
was a very good Doctor Bartolo, Susanne
Mentzer’s Marcellina tended to stridency, and Greg Fedderly’s Don Basilio, Ying
Fang’s Barbarina, and Philip Cokorinos’s Antonio were very good.
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Vi hoje a transmissão em directo na FCG.
ResponderEliminarTem razão, Fanático_um, quando diz que se trata de uma encenação convencional.
Só que, depois da Macbeth da semana passada, esta versão de Le Nozze di Figaro reconcilia-me de algum modo com o MET. É que Richard Eyre é um verdadeiro encenador, não um mero ensaiador ou produtor, e isso nota-se de imediato em todo o espectáculo.
Como é normal, a transposição para a época actual (anos 30 do século XX) revela mais facilmente a universalidade do libreto de Da Ponte.
Porém, para lá desta opção temporal, não se desvenda no espectáculo apresentado outro intuito que não seja o de nos proporcionar um agradável e divertido passeio pelo universo mozartiano. Felizmente o objectivo é plenamente conseguido.
Para tal contribuiu seguramente a sobriedade de recursos cénicos mobilizados. No conjunto o elo mais fraco pareceu-me ser o cenário: a preocupação de transmitir côr local através do uso exaustivo de grafismos arabizantes impregna todo o ambiente de um grau de solenidade, complexidade e austeridade que não se coadunam com a acção.
Desta vez notou-se claramente a diferença de tratamento cinematográfico, com ausência de movimentações acrobáticas de câmara e contenção no uso de grandes planos, embora fosse clara a deficiente montagem transmitida.
Totalmente de acordo quanto às vozes.
No conjunto de interpretações cénicas de muito bom nível, brilharam Isabel Leonard (Cherubino) e Marlis Peterson (Susanna), ambas também excelentes, e para mim as melhores, no desempenho vocal.
JAM
Muito obrigado pelo comentário José António Miranda.
ResponderEliminarTambém vi a transmissão. Concordo com tudo o que escreveu. Nos grandes planos vemos muitos pormenores que não se conseguem ver na sala mas, por outro lado, perde-se totalmente a noção de conjunto.
Desta vez nao houve falsidade nas vozes. Ao vivo fiquei com impressão idêntica. Também concordo que a Isabel Leonard (Cherubino) e, sobretudo, a Marlis Petersen (Susanna) foram as melhores.
Tenho pena de não ter podido ver a transmissão da Macbeth da semana passada. Fiquei muito curioso com vários comentários feitos, algo surpreendentes para mim. Mas não se pode estar em dois sítios em simultâneo!...
Fanático,
ResponderEliminarEspero que esteja tudo bem com você. Depois de um tempo meio sumido, assisti as duas últimas transmissões do Met e venho aqui ler seus sempre excelentes comentários e dar também o meu pitaco!
Adorei a montagem de hoje. Que elenco equilibrado e entrosado. Parecia uma daquelas peças de teatro que ficam anos em cartaz e não uma produção nova! Falo isso no melhor dos sentidos!
Fui para o cinema ouvindo no carro a gravação do Harnoncourt com a Ópera de Vienna (Netrebko e D´Arcangelo nos papéis principais) e foi brutal a diferença de andamento entre as duas leituras. Acho o Levine praticamente imbatível tocando Mozart.
Gostei do elenco como um todo, mas a menina que faz o Cherubino me encantou. Foi o melhor Cherubino que eu já vi (senão musicalmente, pelo menos cenicamente). Pela primeira vez na vida eu acreditei estar vendo em cena um garoto, aquele cuja mãe passou açúcar na infância e não uma mulher se fingindo de homem sem saber muito o que fazer. Mal posso esperar para vê-la fazendo a Rosina no Barbeiro de Sevilha (estarei em NY e verei ao vivo em novembro).
Na minha opinião, foram duas grandes transmissões de ópera nessa abertura de temporada. A única sensação de problemas que tive do Met foi perceber lugares vazios na plateia.
Eduardo Vieira
Assisti à transmissão Met na FCG e gostaria de deixar aqui algumas notas, embora concorde, no essencial, com a apreciação do Fanático_Um.
ResponderEliminar1. A encenação foi, de facto, bastante convencional, como sublinham o Fanático_Um e José António Miranda, o que penso ser algo de positivo (melhor assim do que ideias disparatadas). Acrescentaria apenas que a ideia de palco rotativo é particularmente adequada para as Bodas, pois que é perfeitamente congruente com a própria dinâmica da acção, de permanentes reviravoltas.
2. Mais uma vez – à semelhança do que me pareceu suceder com o Macbeth – a deslocalização temporal para os anos 30 do século passados apenas se materializou no guarda roupa e em alguns pormenores da direcção de actores, mas nada mais.
3. Tenho pena que tenham sido omitidas as árias de Marcelina e do D. Basilio (embora neste último caso a pena seja menor, já que o tenor que o interpretou foi terrível a todos os níveis...)
4. Um dos grandes trunfos desta récita foi a enorme capacidade teatral de todos os intervenientes, o que é particularmente importante nesta ópera.
5. Mais em pormenor, quanto aos cantores: Mattei é, arrisco dizer, o melhor Conde desde o Fischer-Dieskau. Abdrazakov tem uma bonita voz de barítono lírico, bem colocada e cheia e encarnou na perfeição o papel; Achei a voz de Marlis Peterson um pouco baça demais para um papel de soubrette, mas bonita. Todavia, os seus dotes cénicos e a correcção do canto superaram facilmente esse aspecto. Leonard compôs um Cherubino muito engraçado e cantou-o de modo excelente. Ao invés, achei Amanda Majeski uma Condessa bastante deficiente. Entrou bastante insegura no “Porgi, amor” e o “Dove sono” foi penoso, sem qualquer linha de legato e com uma respiração tão deficiente que quase nem conseguia terminar as linhas melódicas. O timbre poderá ser adequado para o papel, mas a técnica vocal pareceu-me deixar muito a desejar.
6. Quanto aos secundários, já referi que achei o tenor Greg Federly perfeitamente insuportável, com um timbre caprino muito feio; John Del Carlo tem uma voz bonita e profunda, mas a respiração foi deficiente, como penso que se notou bem na sua ária; Susanne Mentzer cumpriu bem o papela de Marcelina; Ying Fang foi uma excelente Barbarina e cantou com brilho a sua curta mas belíssima ária.
João Pedro Baptista