(Review
in English below)
A ópera Rigoletto de Guiseppe Verdi
(1813-1901) foi estreada em 1851 no Teatro La Fenice em Veneza. O
libreto resulta da estreita colaboração entre o compositor e o libretista
italiano Francesco Maria Piave e baseia-se na peça Le Roi s’amuse
do escritor francês Victor Hugo escrita em 1832.
A peça foi alvo da censura francesa e não se pôde
apresentar durante dezenas de anos, mas suscitou o interesse de Verdi que
procurava uma história marcante e com personagens de carácter forte para a sua
nova ópera. A sua escolha também foi alvo da censura austríaca, à época potência
dominante no norte de Itália. Esta considerou o texto de “uma moralidade
repugnante e obscena trivialidade”. Depois de várias alterações, a ópera
inicialmente intitulada La Maledizione passar-se-ia a chamar Rigoletto e
a sua acção deslocar-se-ia para o reino de Mântua que pertencia à família
Gonzaga, entretanto extinta, o que permitia não ofender qualquer susceptibilidade.
A sua recepção foi apoteótica e, desde então, Rigoletto é uma das óperas iconográficas de Verdi e uma das mais
representadas em todo o mundo, tendo sido, segundo o site Operabase, a 10.ª
ópera mais representada mundialmente entre 2006 e 2010. Tem, pois, um lugar
cativo e altamente meritório na história da ópera!
A história desenrola-se, habitualmente, em torno do
triângulo Rigoletto (corcunda e bobo da corte), o Duque de Mântua
(aristocrata galanteador) e Gilda (filha de Rigoletto e apaixonada pelo
Duque), sempre com o pano de fundo trágico relacionado com a maldição lançada
por Monterone a Rigoletto e que se viria a concretizar. Poderão ler um resumo
detalhado aqui.
A encenação do
norte-americano Michael Mayer marca
a sua estreia como encenador de uma ópera. A acção desloca-se para o colorido
da frenética Las Vegas dos anos 60 do século XX. O primeiro e segundo actos abandonam um palácio para se situarem num luminoso casino, a segunda cena
do primeiro acto deixa a casa de Rigoletto para ser um convencional apartamento
americano e o terceiro acto deixa a taberna e passa para um clube nocturno de striptease.
As personagens também mudam:
o duque transforma-se em proprietário de casino ao estilo Frank Sinatra, o
corcunda metamorfoseia-se em comediante de casino, o assassino e taberneiro
Sparafucile passa a empresário mafioso da noite de qualidade duvidosa, a
condessa Ceprano apareceu à moda de Marilyn Monroe.
Podemos dizer que
a contemporaneidade da temática de Rigoletto assenta como uma luva na luxuriosa
Las Vegas dos anos 60. A encenação foi, assim, muito interessante e
conduziu-nos num tempo menos remoto pela história de uma forma exemplar, pelo
que foi uma modernização muito feliz.
Poderão ouvir uma
entrevista ao encenador, Beczala e Lucic nos ensaios e uma outra entrevista
apenas com o encenador que o MET disponibiliza no seu sítio.
(www.metoperafamily.org)
O tenor polaco Piotr
Beczala foi o Duque de Mântua. A sua voz é potente e segura nos vários
registos e tem um agudo muito fácil, vibrante e claro que se adapta muito bem
ao papel. Esteve vocalmente em muito bom nível, nível que acompanhou também do
ponto de vista cénico onde foi muito convincente. Os seus Questa ou quella, E i sol
dell’anima, Ella mi fu rapita e La donna è mobile foram de enorme
qualidade ao nível a que nos tem habituado. É um dos melhores tenores da
actualidade e foi, indubitavelmente, o melhor da noite. Fica um vídeo para vos mostrar parte daquilo a que se assistiu.
(www.metoperafamily.org)
O barítono sérvio Zelijko
Lucic foi Rigoletto. Tem uma voz com um timbre bonito que suporta geralmente
bem, mas apresentou algumas dificuldades na modulação entre os registos mais
agudos e graves. Cenicamente convenceu. Em Pari
siamo esteve muito bem, mas no dueto Figlia!/Mio padre! não foi tão seguro e teve
algumas falhas. A mais famosa ária Cortigiani,
vil razza dannata foi interpretada num bom nível e teve um final com È morta! Ah! La maledizione! com muita
potência.
A soprano coloratura alemã Diana Damrau foi Gilda. A sua voz tem um timbre belíssimo com um
agudo cristalino e muito seguro que se adequa perfeitamente a este papel. As
suas modulações são perfeitas e aliadas a uma técnica exemplar. Cenicamente
esteve muito bem. Na mais famosa ária Caro
nome esteve em excelente plano e com um estilo muito adolescente, o mesmo
se podendo dizer no dueto Figlia!/Mio
padre! que aqui fica em vídeo
disponibilizado pelo MET.
(www.metoperafamily.org)
Uma palavra para Stefan Kocán que foi Sparafucille:
esteve em óptimo plano vocal e tem um timbre grave muito bonito e seguro que
projecta muito bem. Não se pode exigir mais neste papel. Brilhante!
Os
restantes elementos estiveram em bom plano, nomeadamente, Jeff Mattsey (Marullo), Robert
Pomalov (Monterone) e Oksana Volkova
(Maddalena).
A interpretação da
partitura pelo jovem maestro italiano Michele
Mariotti foi de qualidade, colorida e viçosa e, claro está!, foi muito bem
acompanhado pela Orquestra do
Metropolitan, bem como pelo Coro.
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(Review in English)
The
opera Rigoletto by Giuseppe Verdi (1813-1901) was
premiered in 1851 at the Teatro La Fenice
in Venice. The libretto result of close collaboration between the composer and
Italian librettist Francesco Maria Piave
and is based on the play Le Roi s'amuse
by French writer Victor Hugo written in 1832. The piece was targeted of French
censorship and could not be present for decades, but has attracted Verdi who
was looking for a story with striking and strong characters for his new commissioned
opera. His choice was also targeted of Austrian censorship, at that time
dominant potency in northern Italy. They considered the text of "a
repugnant morality and obscene triviality." After several changes, the opera
first entitled La Maledizione would be
Rigoletto and its action would move into the realm of Mantua who belonged to
the Gonzaga family, though extinct, which allowed not offending any
susceptibility. Rigoletto’s reception was climactic and, since then, is one of
Verdi's iconographic operas and one of the most represented throughout the
world, having been, according to the site Operabase, 10th most represented
opera worldwide between 2006 and 2010. It therefore has a special and highly
meritorious place in the opera history!
The
story takes place usually around the triangle Rigoletto (an humpbacked jester), the Duke of Mantua (aristocrat dangler) and Gilda (Rigoletto's daughter
who was in love with the Duke), always with the tragic backdrop related to a
curse laid by Monterone that will finally happen. You can read a detailed
summary here.
The
staging of the American Michael Mayer stage
director marks his debut as an opera director. The action moves to the frenetic
and colorful Las Vegas of 20th century sixties. The first and second acts usually
in a palace moves to a bright casino, the second scene of the first act leaves Rigoletto’s
house to be a conventional American apartment, and the third act leaves the
tavern and goes to a striptease nightclub. The characters also change: the duke
becomes Frank Sinatra-like casino owner, the hunchback metamorphoses into a
modern casino comedian, and the assassin Sparafucile turn in a night mafioso
businessman of dubious quality, the Countess Ceprano appeared Marilyn Monroe
stylized.
We
can say that the contemporary theme of Rigoletto rests like a glove in the
luxurious Las Vegas of the 60s. The staging was therefore very interesting and
led trough the history in an exemplary manner, but in a time less remote, so it
was a very happy modernization.
You
can hear an interview with the director, Beczala and Lucic in rehearsals and
another interview with the director that MET offers on its website.
The
Polish tenor Piotr Beczala was the
Duke of Mantua. His voice is powerful and safe in every vocal tones and he has
an easy, vibrant and clear high pitch notes that suits very well to the role. He
was vocally in very good level, as well as scenically where he was very
convincing. His Questa ou quella, E i sol dell’anima, Ella mi fu rapita e La donna
è mobile were of the enormous quality level to which Beczala
have accustomed us. He is one of the finest tenors actually and he was
undoubtedly the best of the night. Here is a video to show you part of what we
witnessed.
The
Serbian baritone Zelijko Lucic was Rigoletto.
He has a beautiful voice with a timbre that he generally supports well, but he
had some difficulties in the modulation between the upper and lower registers.
Scenically he convinced. In Pari siamo he
was fine, but in the duet Figlia!/Mio
padre! he was not so secure and had some flaws. In the most famous aria
Cortigiani, vil razza dannata he was at a good level and had a end with È morta! Ah! La maledizione! plenty of
power.
The
German coloratura soprano Diana Damrau
was Gilda. Her voice has a beautiful tone with a very safe sharp tone that fits
perfectly in this role. Her modulations are perfect and allied to a exemplary technique.
Scenically she did very well. In the most famous aria Caro nome she was in excellent plan and with a very adolescent
style, the same can be said in duet Figlia!/Mio
padre! of that we present a video provided by MET site.
A
word to Stefan Kocán that was
Sparafucille: excellent and very beautiful voice with a brilliant bass tone
that he projects very well and secure. We cannot demand more in this role.
Brilliant!
The
remaining elements were in good plan, including Jeff Mattsey (Marullo), Robert
Pomalov (Monterone) and Oksana
Volkova (Maddalena).
The
interpretation of the score by the young Italian conductor Michele Mariotti was of quality, colorful and vivid and, of
course!, he was very well accompanied by the Metropolitan Orchestra and Choir.
It
was therefore a performance of high quality and with various points of
interest: a modern and adequate staging and vocal interpretations of good
level. One of the most balanced performances of the MET live broadcasts this
season.
Caro Fanático,
ResponderEliminarfico feliz com a bem sucedida modernização do "Rigoleto".
Essa relocação em Las Vegas foi genial ( no ambiente de arte, riqueza, decadência e crime que caracterizam cassinos, tudo pode lá ocorrer )
Um grande abraço
Caro António,
EliminarA deslocação para Las Vegas é feliz precisamente por esses aspectos que aponta e nesse sentido "fez sentido" enquanto tentativa de modernização. O texto também o facilita, pois é bastante actual.
Rigoletto is the next one I am waiting to see. I was familiar with the story line even before I became interested in opera. I am glad it was a strong performance.
ResponderEliminarTive muita pena de não ter podido assistir. O seu relato ainda me deixa mais curioso e entristecido pela omissão.
ResponderEliminarTambém não pude assistir...
ResponderEliminarA opção cénica parece ter funcionado e gostava muito de poder ter visto se funcionava para o meu gosto.
Cantores fantásticos!
Crónica excelente!
Caro Wagner_fanatic,
EliminarEu, por regra, prefiro uma encenação clássica. Esta modernização correu bem, pois em nada adulterou a linha da história original e porque a acção foi transposta para um local e tempo adequados. Os próprios intérpretes - nomeadamente Lucic - consideram o mesmo.
Aliás, nas entrevistas transpareceu a ideia de que o encenador tratou de alterar o local e tempo da acção e de adequar o guarda roupa, iluminação e cenários de forma coerente, mas que, de resto, deu total liberdade aos cantores para fazerem como quisessem do ponto de vista da interpretação.
Uma das cenas mais interessantes e que correu melhor foi a do primeiro encontro entre Rigoletto e Sparafucile: o encontro foi no bar do casino entre copos de uísque com o sinistro Sparafucile a terminar entregando um cartão a Rigoletto. faltou focarem um cartão onde se lesse "Assassino profissional. Contactos...". O Pari siamo que se segue foi muito bem interpretado por Lucic à mesa do bar vazio com o empregado a limpar copos.
O MET teve ainda, nesta modernização, um aspecto que achei peculiar e desnecessário: foi adaptar as legendas à encenação, utilizando expressões "mais modernas". Para quem conhece o texto em italiano não se revelou uma opção válida, pois nada tinham que ver com o original...