Sob o expectável signo da austeridade, o 34º Festival Internacional de Música da
Póvoa de Varzim, iniciou-se com
um concerto, levado a cabo na Igreja Matriz da cidade, pelo Coro Gulbenkian sob a direcção de Michel Corboz, histórico maestro titular
da formação.
Revolvendo, grosso modo, em torno de um período temporal
comummente associado ao Barroco Tardio, o programa propunha uma deambulação
pelas correntes estilísticas italiana e germânica, por intermédio de obras compostas
por Francisco António de Almeida
(c.1702-c.1755), Domenico Scarlatti
(1685-1757) e Johann Sebastian Bach
(1685-1750).
Bolseiro em Roma, sensivelmente, nos estertores do primeiro
quartel do século XVIII, o legado do compositor português ostenta uma influência
marcadamente italianizante, designadamente, na transposição do estilo operático
napolitano ao universo litúrgico, facto patente em obras como Justus ut palma florebit (O justo florescerá como a palmeira) ou Beatus vir (Feliz aquele). Por seu turno, o Magnificat anima mea Dominum (A
minha alma glorifica ao Senhor), enforma uma articulação estilística com o stile antico, caracterizado por uma deferência
às regras composicionais renascentistas na maior sobriedade das ornamentações e
texturas instrumentais.
Obra cimeira na produção sacra de Scarlatti, o Stabat Mater, afecto ao período romano do
compositor (1709-1719), evidencia, do mesmo modo, uma intersecção dos estilos
antigo e moderno na qual a profusa invenção melódica subjaz, em derradeira
instância, a uma insuspeita densidade das linhas vocais acoplada ao eficaz emprego
de cromatismos, na evocação da plangência que perpassa a composição.
No decurso do exercício dos cargos de Kantor e Director Cívico para a Música na cidade de Leipzig, Bach
compôs um substancial conjunto de motetes alemães cuja integral autoria, não
obstante, abarcará pouco mais do que uma escassíssima cifra. Jauchzet dem Herrn, alle Welt, BWV Anh.160
(Exulte ao Senhor toda a terra)
resulta da colisão de três peças dissimiles: exceptuando o andamento central,
extraído da Cantata BWV 28/2a, as secções remanescentes provêm de um motete de
Georg Philipp Telemann (1681-1767), o último dos quais adicionado,
postumamente, por Johann Gottlob Harrer (1703-1755), sucessor de Bach em Leipzig. Executada
na época natalícia ou do novo ano de 1725, a obra reveste-se de uma essência,
apropriadamente, celebratória.
A interpretação do Coro
Gulbenkian, sob a égide de Michel
Corboz, constituiu-se, transversalmente, modelar na correcção estilística e
cultivo das sonoridades, acrescendo o notável apuro tímbrico e coesão dos
diversos naipes, sobremaneira, em passagens de maior exposição.
As intervenções do soprano suíço Charlotte Müller Perrier e do tenor Fernando Guimarães pautaram-se por um óptima projecção vocal,
assinalável execução das fioriture e salutar
infusão de expressividade à linha de canto.
Saliente-se, igualmente, a irrepreensível contribuição de Nicholas McNair (orgão) e Marc Ramirez (contrabaixo) no baixo
contínuo.
Em suma, um exórdio assaz prometedor.
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Gulbenkian Choir,
Michel Corboz – 34th Festival Internacional de Música da Póvoa de Varzim, 7th July 2012
Under the expected sign of recession, the 34th Festival Internacional de
Música da Póvoa de Varzim began with a concert, held at the city’s Igreja
Matriz, given by the Gulbenkian Choir under Michel Corboz, historical chief
conductor of the ensemble.
Revolving, roughly, around a time period
usually associated with Late baroque, the programme suggested a journey through
the Italian and German styles, namely, works composed by Francisco António de
Almeida (c.1702-c.1755), Domenico Scarlatti (1685-1757) and Johann Sebastian
Bach (1685-1750).
Scholar in Rome, approximately, at the tail end
of the first quarter of the 18th century, the legacy of the
Portuguese composer exhibits a markedly Italianizing influence, specifically,
in the transposition of the Neapolitan operatic style into the liturgical
universe, fact noticeable in works like Justus ut palma florebit (The righteous shall
flourish like
the palm tree) or Beatus vir (Blessed man). On the other hand, the Magnificat anima mea Dominum (My soul magnifies the Lord), shapes a stylistic articulation with the stile antico,
characterized by a deference to the compositional style of the Renaissance in
the greater sobriety of ornamentations and instrumental textures.
A major work in Scarlatti’s sacred production,
the Stabat Mater, related to the composer’s Roman period (1709-1719), illustrates,
likewise, an intersection of the ancient and modern styles in which the
plentiful melodic invention is subjected, in ultimate instance, to an
unexpected density in the vocal line coupled with the effective use of
chromaticism, in evoking the plangency which permeates the composition.
During his tenure as Kantor and Director of
Music in the city of Leipzig,
Bach composed a substantial amount of German motets whose full authorship,
notwithstanding, embraces no more than a diminutive number. Jauchzet dem Herrn,
alle Welt, BWV Anh.160 (Praise to the Lord in every land)
results from the gathering of three different pieces: save for the middle
movement, extracted from Cantata BWV 28/2a, the remaining sections come from a
motet by Georg Philipp Telemann (1681-1767), the last of which was added,
posthumously, by Johann Gottlob Harrer (1703-1755), Bach’s successor in
Leipzig. First presented either at Christmas or New Year’s season in 1725, the
work takes up an, appropriately, celebratory nature.
The interpretation of the Gulbenkian Choir,
conducted by Michel Corboz, constituted itself, transversely, exemplary in the
stylistic correctness and cultivation of sonority, accompanied by a
distinguished timbral refinement and cohesion in all sections, especially, in
more exposed passages.
The interventions of the Swiss soprano
Charlotte Müller Perrier and the tenor Fernando Guimarães were marked by an optimal
vocal projection, significant negotiations of the fioriture
and the commendable infusion of expression into the vocal line.
It should be, also, noted, the spotless contribution of Nicholas McNair (organ) and Marc
Ramirez (bass) in the basso continuo.
In conclusion, an extremely promising beginning.
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Another terrific review. The Festival must have been wonderful.
ResponderEliminarUm programa interessante e uma crítica de excelente nível. Obrigado pelas suas impressões, Hugo.
ResponderEliminarFaço minhas as palavras do wagner_fanatic. Obrigado, Hugo, por este texto tão instrutivo e informativo.
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