quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Die Walküre, Theatro Municipal de São Paulo, Novembro de 2011

Mais um texto de Ali Hassan Ayache que, com todo o gosto, publicamos na íntegra. Obrigado ao Ali por nos trazer mais informações sobre o que se vai podendo assistir no Brasil.


A explosão amorosa da Valquíria no Theatro Municipal de São Paulo.

  
 Prosseguindo as comemorações de seu centenário, o Theatro Municipal de São Paulo apresentou a monumental ópera de Richard Wagner, Die Walküre (A Valquíria) no último dia 17/11/2011. Segunda parte de uma tetralogia conhecida como Der Ring des Nibelungen (O Anel do Nibelungo). Baseada em lendas nórdicas, a obra é de grande complexidade, tudo nela é grandioso. Desafio para todos os profissionais envolvidos e para o publico, aguentar mais de 4 horas no teatro virou tarefa hercúlea no século XXI. Nosso maior teatro e o público tirou de letra essa aventura Wagneriana.

A direção de André Heller-Lopes é extremamente feliz nos conceitos e nas ideias centrais. Faz Siegmund e Sieglinde se apaixonarem ao primeiro olhar. A intensidade da paixão só aumenta no decorrer da récita. Vestir a personagem Sieglinde de muçulmana, ressaltando o véu, mostra a opressão que ela sofre do marido. Remete as mulheres oprimidas do oriente médio ou à todas as mulheres oprimidas. Grande sacada. O personagem Hunding , marido de Sieglinde, lembra um sacerdote e chega acompanhado de sua silenciosa trupe. Outra bela idéia. A cena final do primeiro ato é um primor de ousadia e criatividade. A moça se rebela e o símbolo dessa rebeldia é a tirada do véu. Termina deitada na mesa com o amante e ao mesmo tempo irmão. Um primeiro ato Perfeito.


 Os cenários são assinados pelo diretor, o primeiro ato está em dois níveis. Uma bela árvore divide a cena, a raiz é a parte inferior e o caule é a superior. Mudanças de cores em uma luz equilibrada realçam as movimentações cênicas. O segundo ato mostra os ex-votos de Aparecida do Norte (SP), cenário carregado e estreito. A movimentação dos cantores expressou os sentimentos dos personagens. A morte de Siegmund por Hunding é feita com um bastão de basebol, acompanhado de toda sua turma o marido traído arrebenta com o herói wagneriano. Wotan depois derruba todos, um a um eles vão caindo como bonecos. Muito interessante.

O terceiro ato é de uma leveza única, com painéis negros e esfumaçados. Colocar os Cavalhadas de Pirenópolis (GO) na cavalgada das Valquírias é interessante. Profusão de cores na cena, moderna e bem brasileira. As Valquírias, trazendo os heróis mortos, quase nus e vestindo-os com roupas dignas é outra parte memorável da abertura do terceiro ato. Grande direção, digna de ser apresentada em qualquer grande teatro lírico do mundo. Modernizou a obra, acrescentou questionamentos e mesmo assim se manteve fiel a Richard Wagner.

As vozes estiveram niveladas pela excelência. Surpreendi-me com o tenor Martin Muehle, voz wagneriana por excelência. Escura e com grande beleza tímbrica, sustenta as notas no limite. Agudos possantes e vivos. Canta e interpreta de forma genial, coloca a alma no canto. Um Siegmund completo. Outra surpresa foi o soprano Lee Bisset, sua Sieglinde tem voz quente, de qualidade superior, dramática, ora forte, ora leve e delicada. Tudo de acordo com as necessidades do momento. Belos dotes cênicos.


 O Hunding de Gregory Reinhart mostrou um belo timbre nos graves, mas não chega a empolgar. Janice Baird começou fria em sua participação como a Valquíria Brünnhilde. No terceiro ato melhorou, mostrou agudos luminosos. Um grande soprano que poderia ter rendido mais. Stefan Heidmann fez um Wotan com grande credibilidade, graves cheios e escuros com consistência do começo ao fim da apresentação. Sua voz não tem o peso ideal para o personagem, a compensação está na bela técnica e no timbre escuro. Denise de Freitas arrasou, sua Fricka tem voz áspera, perfeita para uma mulher chata, que inferniza o marido infiel. Graves potentes e sólidos realçaram sua apresentação.

A Orquestra Sinfônica Municipal nas mãos de Luiz Fernando Malheiro esteve impecável, tocou com sonoridade wagneriana ímpar. Os metais mostraram uma uniformidade única, as cordas foram marcantes e as madeiras líricas. Volume e tempos corretos fizeram a apresentação ser uma das melhores dos últimos anos da orquestra paulistana.

Nem tudo são flores em uma grande apresentação. O programa só foi distribuído entre o segundo e o terceiro ato e em quantidade insuficiente, alguns o disputaram a tapa. Fazer um intervalo de 45 minutos, entre o primeiro e segundo ato. Para os mais abastados jantarem, atrapalha aqueles que dependem de transporte publico. Lembro que a récita terminou após a meia noite.

 Previ que a maioria não ficaria até o final da apresentação. Minha preocupação era a complexidade da história, a dificuldade de deglutir a música de Wagner e o longo tempo da recita fizessem o teatro esvaziar. Quebrei a cara. Plateia concentrada e fixa se manteve fiel até o fim. Foram embora os que dependiam de transporte público. Uma pequena minoria que não pode acompanhar o fim grandioso da ópera. Labaredas envolvem a Valquíria Brünnhilde, os painéis se fecham sobre ela, a espera de um herói que a retire desse sono será grandiosa.   

 Texto de Ali Hassan Ayache do blogue Ópera & Ballet
http://operaeballet.blogspot.com/

8 comentários:

  1. É bom saber-se o que se vai passando no Brasil, e ir tomando notas para uma próxima visita.
    Bem haja, Ali.

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  2. Caro Ali,

    Achei pormenores interessantes na encenação como a descreve, principalmente a questão do véu de Sieglinde.

    Não conheço nenhum dos cantores mas, pela sua crítica, parecem ser muito bons.

    Wagner não é bom para começar e é preciso conhecer antes de nos aventurarmos num teatro ao vivo. Os intervalos de maior duração acabam por ser bons porque permitem não só comer qualquer coisa como permitem, acima de tudo, o descanso vocal dos cantores. Aqueles que saíram perderam por certo um grande final.

    Obrigado pelo seu contributo e felicidaes para os eu blog.

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  3. Concordo com o amigo Wagner Fanatic,intervalo longo é interessante, da pra conversar com os amigos , comer e descansar os cantores.As óperas de Wagner são longas. A ressalva é aqueles que dependem de transporte público. Metro e ônibus param a meia noite em SP. Muitos tiveram que ir embora antes do fim da recita, que terminou pela meia noite e meia.
    Estão dizendo que ano que vem teremos o Crepúsculo dos Deuses, realmente é um anel fora de ordem esse do Theatro Municipal de São Paulo.
    Abs Ali.

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  4. I've got to say that Portuguese must be gramatically very similar to German. Translated in German I understand the text over 90%!
    Many thanks for the detailed review, Ali.

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  5. Ali,

    Assisti a récita de ontem, dia 25/11, se não me engano a última da temporada.

    Vou dar a minha opinião sobre a ópera no texto que vou escrever (tambem sou colaborador do Blog), onde concordo com muita coisa que você disse.

    Mas, realmente o que mais incomodou é a (falta de) logística do TMSP. Viajei de carro para SP e hospedei na minha cunhada. Me enrolei com as ruas do centro antigo de SP mas consegui chegar por volta das 17:00 perto do Teatro (a récita era as 19:00), mas é absolutamente impossível conseguir um estacionamento ali perto, pois eles fecham as 22:00!! Tive que parar meu carro na frente do Teatro Abril, na Brigadeiro Luiz Antonio, e ao perceber que a ópera não ia acabar antes da meia-noite, ligar desesperado para o estacionamento pedindo para que eles não o fechassem!!

    No Rio, alem dos indefectíveis flanelinhas (em SP não há nem lugar possivel de estacionar, então não os vi) há o estacionamento da Cinelândia ao lado do Municipal. Isso ajuda bastante.

    Se possível, gostaria de pedir para que me avise com antecedência sobre a temporada de 2012 do TMSP, para que eu possa me programar e comprar bons ingressos! Posso retribuir o favor em relação a programação do TMRJ!

    Um abraço,

    Eduardo

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  6. Eduardo, toda a programação de SP é publicada no blog de Ópera e Ballet. É só nos acompnahar. O Theatro Municipal de SP foi pensado em uma época em que não existiam carros, por isso a falta de estacionamentos no centro. existe um projeto de fazer um na praça ao lado do teatro, mas vc sabe como é a burocracia municipal.
    Abs ALi.

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  7. Num raio de 400 metros em torno do TMSP existem mais de 15 estacionamentos, uns 2 ou três funcionando 24 horas por dia (ex.: Hotel Shelton inn).
    Todos os demais, em dias de espetáculo, ficam abertos sim, até o final.

    É claro que se esse projeto do novo estacionamento vingar, será ótimo.

    Cleyton

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  8. Luis Fernando Neumann25 de março de 2012 às 15:42

    Amigos da ópera

    Estive na récita de 25 de novembro. Meu primeiro Wagner ao vivo! Lágrimas saltaram dos meus olhos já nas primeiras notas da tempestade acompanhadas pelas chamas que caçam Siegmund. Evidentemente, a cada grande cena ou achado da produção, chorei copiosamente!

    Apesar de transcorridos exatos 4 meses da apresentação e o "timming" para comentários não ser o mais adequado, espero contribuir com um ou dois pontos.

    Gosto imensamente de ópera mas entendo muito pouco de música e, por ser meu primeiro Wagner, eu tenderia a elogiar imensamente os cantores.... portanto, vou restringir a comentar minha impressão cênica de Hunding e de Wotan.

    Gregory Reinhart carregou nas tintas no histrionismo de Hunding. Uma interpretação na mesma linha mas um pouco mais suave teria funcionado melhor.

    Já, Wotan foi, literalmente, pequeno. Minha culpa. Estou acostumado a ver (DVD´s e YouTuve) Wotans fisicamente maiores e Stefan Heidmann é um tanto miúdo. Penso que fisica e cenicamente, Wotan deve ser imenso pois é o personagem central de todo o drama. Entretanto, e um tanto contraditoriamente, para mim, o cantor esteve a "altura" do papel.

    A encenção e cantor foram responsáveis por um imenso e marcante monólogo de Wotan no segundo ato. Na sala dos ex-votos, ao tempo em que canta o seu lamento, Wotan tenta montar o seu heroi com torax, braços e pernas retirados das paredes do cenário. Não consegue encaixar a cabeça. Cheguei a pensar que a cabeça seria chutada para a platéia (ainda bem que a encenação não cedeu a essa imagem fácil, ópera com elementos brasileiros = futebol). E o não conseguir completar o corpo deixa evidente e de uma maneira inovadora e muito comovente, a inutilidade das ações de Wotan.

    Para finalizar, minha filha de 15 anos acompanhou-me em toda a récita e recusou a oferta da tia que se dispos a "resgata-la" em um dos intervalos.

    E, para finalizar, Götterdamerung está confirmado para agosto.

    Eu estarei lá.

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