(review in english below)
"A ópera Banksters, de Nuno Côrte-Real, em estreia absoluto no TNSC este mês, é uma tragicomédia lírica em 3 actos com libreto de Vasco Graça Moura inspirado na peça Jacob e o Anjo de José Régio.
Burlesca, satírica e irónica, é uma ópera sobre a vida e a morte: a morte de quem, em vida, se afastou fatalmente de si próprio, e a vida de quem, na morte, encontra a luz de uma paz nunca sentida. O herói, um banqueiro de nome Santiago Malpago, é visitado por uma estranha personagem, qual anjo ou demónio, cuja única missão é levar o grande senhor da finança à desgraça e desespero totais, abandonado, preso e humilhado por todos os que ainda antes lhe obedeciam e idolatravam. A estranha personagem, que surge disfarçada de jornalista conseguindo assim o acesso aos mais improváveis lugares e situações, responde pelo satírico nome de Angelino Rigoletto, e qual emissário de natureza divina, tudo sabe, tudo vê e tudo sente, de modo a que a queda do banqueiro seja a mais terrível e fatal, mas tão só porque deseja a mais bela e transcendente redenção para o herói deste burlesco engodo. A mulher do banqueiro, senhora da mais alta elegância, educação e hipocrisia, de nome Mimi Kitsch, fêmea de uma ambição desmedida e cruel, notável amante, é a grande orquestradora da queda do marido." (resumo retirado do programa do TNSC)
A obra é, do ponto de vista musical, de uma qualidade superlativa. Não sendo muito apreciador de música contemporânea ao não me identificar com a sonoridade que dela emana, oiço a música de Côrte-Real com prazer e sentido. Para os mais cépticos, encontrarão na variação sobre o tema da ária “La Donna è mobile” da ópera Rigoletto de Giuseppe Verdi, um escape momentâneo.
A encenação de João Botelho é de excelente bom gosto e bastante eficaz ao que se pretende transmitir, podendo ser classificada de clássica: escritório do banqueiro com secretária, sofá, mesa de apoio.
A obra é, do ponto de vista musical, de uma qualidade superlativa. Não sendo muito apreciador de música contemporânea ao não me identificar com a sonoridade que dela emana, oiço a música de Côrte-Real com prazer e sentido. Para os mais cépticos, encontrarão na variação sobre o tema da ária “La Donna è mobile” da ópera Rigoletto de Giuseppe Verdi, um escape momentâneo.
A encenação de João Botelho é de excelente bom gosto e bastante eficaz ao que se pretende transmitir, podendo ser classificada de clássica: escritório do banqueiro com secretária, sofá, mesa de apoio.
Em jogo de sombras temos o fundo do palco, no primeiro acto, com trabalhadores escriturários; no segundo, uma disposição de vários pares de sapatos de salto alto, em cores arco-íricas, num acto onde domina o poder da personagem feminina, na pele da mulher do banqueiro.
Posso estar a manifestar profunda ignorância quando digo que, literariamente, o libreto, nas suas frases e expressões, é algo que se aproxima do ridículo e por vezes demasiado ordinário e calão. Nomes como “merda”, “puta”, “cabrão”, “porrada”, “chiça”, “cão” passeiam-se pela obra. Expressões que, por vezes, procuram satirizar o sistema financeiro saem com pouco sentido de humor. Pasmei de ver que algumas pessoas riam na plateia. Resta saber se pela sátira ou se pelo ridículo.
No que diz respeito aos intérpretes, apenas Jorge Vaz de Carvalho, no papel de banqueiro, escapou à mediania, revelando ainda excelentes qualidades baritonais, a par de grande alma de actor.
Musa Nkuna (Angelino Rigoletto) tem voz pouco encorpada, com evidentes falhas de técnica na projecção vocal, por vezes com rudeza de timbre. Enalteço contudo, o facto de, sendo sul-africano (mas há algum tempo em Portugal...) ter conseguido cantar na língua lusa, embora com sotaque pouco credível e por vezes hilariante.
Sara Braga Simões, personificando a mulher do banqueiro, revelou um histerismo vocal incomodativo que só foi ultrapassado em qualidade negativa por Chelsey Schill que gritou a plenos pulmões em tudo o que cantou.
Tive pena que José Corvelo não tivesse um papel mais interventivo na ópera porque penso que a elevaria em qualidade vocal.
Os outros estiveram num nível aceitável, mas não sem impressionar.
Penso que, com as devidas alterações no libreto e com um elenco mais forte do ponto de vista vocal, esta obra, com esta encenação, tem elevada qualidade, até mesmo para sonhar com palcos maiores. Como está, a impressão que deixa é que funcionaria melhor como peça de teatro do que como ópera, porque foi clara a maior capacidade dramática dos cantores em relação à respectiva capacidade vocal.
Banksters pode ser visto ainda nos próximos dias 22, 24 e 26 às 20h. A julgar pela grande quantidade de lugares vagos neste domingo, será fácil a aquisição de bilhete...
(as fotos apresentadas foram retiradas do programa do TNSC)
Banksters - Teatro Nacional de Sao Carlos - March 20, 2011
"The Nuno Côrte-Real’s opera Banksters, in absolute debut this month at the TNSC, is a tragicomic opera in three acts with libretto by Vasco Graça Moura in part inspired on the José Regio’s play Jacob and the Angel.
Burlesque, satirical and ironic, it is an opera about life and death: the death of one whom in life, inevitably moved away from himself, and whose life finds in deaths the light of peace that has never felt. The hero, a banker named Santiago Malpago, is visited by a strange character, angel or demon, whose only mission is to bring the great lord of finance to total disgrace and despair, abandoned, arrested and humiliated by all that even before obeyed and worshiped him. The strange character, who comes disguised as a journalist so getting access to the most unlikely places and situations, accounts for the satirical name of Angelino Rigoletto, and as an emissary of the divine nature, knows all, sees all, and feels all, so that the fall of the banker is the most terrible and fatal, but only because he wants the most beautiful and transcendent redemption for the hero of this comic con. The banker's wife, lady of the highest elegance, education and hypocrisy, named Mimi Kitsch, a female of unchecked ambition and a relentless lover, is the great orchestrator of the fall of her husband." (synopsis as presented in the TNSC programme)
The work is, in terms of music, of superlative quality. Not being very fond of contemporary music not identifying myself with the sound that emanates from it, I listen to music Corte-Real with pleasure and meaning. For the skeptics, you can find a moment of escape at the variation of the theme of the aria "La Donna e mobile" from the opera Rigoletto by Giuseppe Verdi.
The staging by João Botelho is of excellent taste and very effective when it does convey, and may be classified as classical: banker's office with desk, sofa, coffee table.
The work is, in terms of music, of superlative quality. Not being very fond of contemporary music not identifying myself with the sound that emanates from it, I listen to music Corte-Real with pleasure and meaning. For the skeptics, you can find a moment of escape at the variation of the theme of the aria "La Donna e mobile" from the opera Rigoletto by Giuseppe Verdi.
The staging by João Botelho is of excellent taste and very effective when it does convey, and may be classified as classical: banker's office with desk, sofa, coffee table.
In the first act we see shadows of bankers working on their desks; in the second act, an array of several pairs of high heels in rainbow colors - an act where the the power of the female character (banker’s wife) dominates.
I may be expressing profound ignorance when I say that, literally, the libretto, in its phrases and expressions, is something approaching the ridiculous and sometimes too ordinary and slang. Names like "shit", "bitch," "bastard," "ass" "damm", "dog" are several times mentioned. Expressions that sometimes seek to satirize the financial system come with little sense of humor. I was astonished to see that some people were laughing in the audience. The question is whether they were laughing of the satire or the its ridiculous sound.
Now, the performers:
Only Jorge Vaz de Carvalho, in the role of the banker, escaped mediocrity, revealing excellent qualities as a baritone, coupled with a great soul of an actor.
Musa Nkuna (Angelino Rigoletto) voice misses texture, with obvious technical flaws in vocal projection, sometimes with harshness of tone. Praise, however, that, being South African (but for some time in Portugal ...), he has managed to sing in the Lusitanian language, though with an unreliable and often hilarious accent.
Sara Braga Simões, embodying the banker's wife, revealed an annoying vocal hysteria that was only surpassed in negative quality by Chelsey Schill who shouted loudly in everything she sang.
I regret that Jose Corvelo had a minor role in the opera because I think it would have raised the vocal quality of the performance.
The others were at an acceptable level, but did not impress.
I think that, with appropriate changes in the language of the libretto and a stronger cast from the vocal standpoint, this work, with this scenario, has high quality, even to dream of bigger stages. As it stands, the impression conveyed is that it works better as a play than as an opera, because it was clear that the dramatic ability of the singers was far superior to thei overall vocal capacities.
Banksters can still be seen on the 22, 24 and 26 of March at 8pm. Judging by the large amount of vacant seats on Sunday, it will be easy to find a ticket ...
(all presented photos are from the TNSC programme)
Também vi esta ópera e estou totalmente de acordo com a crítica do wagner_fanatic:
ResponderEliminar- música de audição muito agradável.
- encenação óptima (mas com pequenas excentricidades).
- libreto execrável.
- maestro e orquestra bem.
- Jorge Vaz de Carvalho excelente, sobretudo no 3º acto.
- Musa Nkuna fraquito (e era preciso frequentemente ler as legendas para perceber o que dizia).
- Sara Braga Simões estridente, só ultrapassada por Chelsey Schill (pior que a Castafiore no Tintim. Se houvesse copos de cristal por ali não restaria um inteiro no final).
No computo final, uma tarde bem passada, apesar de alguns cantores terem estado muito aquém do que o resto do espectáculo merecia.
Quero juntar-me a estas apreciações para dizer que estou de acordo com as vossas opiniões, com excepção de que, apesar de não gostar muito do tom vicentino que o libretista assumiu, também apreciei o libreto!
ResponderEliminarGostei muitíssimo da composiçao musical (achei-a fortíssima), da direcção musical e da encenação de João Botelho, também ele um fanático de ópera!
As intervenções do coro foram emocionantes, pelos ritmos escolhidos pelo compositor para ilustrar as passagens corais, mas os cantores tiveram prestações divergentes, do muito mau ao mediano...
Mas foi uma tarde bem passada, e acreditem que eu ia bastante receosa!
Uma boa semana!
Caríssimos
ResponderEliminarEm primeiro lugar devo exprimir a minha alegria por ver que as críticas têm sido globalmente favoráveis ao produto final. É muito bom ver reconhecido este trabalho de grande honestidade e entrega de toda a equipa. Isto dito, terei que pedir a vossa compreensão para o facto de manter anonimato... a minha opinião é interna.
Não obstante, reafirmo estas palavras e sublinho que foi num ambiente de grande camaradagem (por vezes tão raro nos bastidores da ópera) que esta arriscada produção ganhou alma. Mais não direi sobre isto.
Escrevo apenas sobre os cantores. Esta é uma obra cheia de segundos (e terceiros) sentidos. Além disso, o compositor (NCR) e encenador (JB) têm ideias muito concretas sobre o que pretendiam dos cantores/actores. NCR, por exemplo, é adepto de uma linha de canto que pouco terá que ver com escolas italianas (por exemplo). A rudeza, a quebra de legato, a emissão por vezes crua do canto em português, tudo isso foram algumas indicações a alguns cantores. Por isso, na minha opinião, os cantores criaram personagens de carácter, “bonecos”... o exemplo flagrante é o de Chelsey Schill (voz com muito boa emissão e timbre interessante), cujo canto estridente e incomodativo era uma premissa da sua personagem (há mesmo uma cena no 1º acto em que todas as personagens tapam os ouvidos incomodadas).
De resto, pouco haverá a dizer de JVC... a voz é nobre e o que fez foi muito bom. Em relação a Sara Braga Simões não concordo com a avaliação aqui feita. O papel é bastante denso (e provavelmente poderia ter sido feito por uma Mezzo...), e vai desde a fala ao sprechgesang até ao canto normal e ao histérico. Ela imprime-lhe uma carga dramática bastante boa e muitas vezes é histerismo e descontrolo que se lhe pede. Mas tal não é, de maneira nenhuma, o resumo da sua prestação.
Nkuna é um tenor mozartiano/lírico como tal não será pedir demais que tenha a voz encorpada e que passe por cima de uma orquestração (por vezes) pesada?? Acho que essa é uma categoria que não se lhe pode pedir... de resto, o trabalho que fez só estaria ao alcance de um muito bom músico.
Os restantes cantores, a braços com papéis de marcado carácter, estão em bom nível. Chamo a atenção para o facto de muitos serem ainda jovens e penso que aqui o TNSC arriscou a bem do futuro dos cantores portugueses. Globalmente, todos os cantores, seja feita justiça, revelaram enorme profissionalismo (i.e., cada tostão ganho foi merecido)
Não sei se outro elenco faria melhor... provavelmente... decerto faria diferente. Espero que no futuro tenhamos todos a oportunidade de ver novas produções desta ópera. Sinto que se pode ter escrito uma qualquer página importante na história da ópera nacional. Acima de tudo que nasça daqui uma vontade de escrever e produzir em português (de preferência uma escrita audível para o grande público). O tempo o dirá.
Bem hajam.
@ Elsa Mendes,
ResponderEliminarObrigado pelo seu comentário. Como eu a compreendo quando refere que ia receosa...
Mas ainda bem que tivemos uma agradável surpresa.
@ Anónimo,
Obrigado pelo seu comentário que acrescenta informação à que o público em geral conhece.
Neste espaço somos os primeiros a reconhecer o valor das produções nacionais, quando elas o têm. Penso que leituras a entradas anteriores neste blogue sobre apresentações no TNSC assim o revelam, embora hajam outras bastante críticas, porque as coisas assim nos pareceram.
Esta produção é a prova que, com recursos limitados, se conseguem fazer muito bons espectáculos cá. Assim haja competência e inspiração.
Sobre os cantores, compreendo as suas explicações, mas o que se ouviu... Por exemplo era necessário recorrer à Chelsey Schill para ter uma personagem feminina a dar uns gritos, se era essa a intenção? Que ela é competente na tarefa, já o havia demonstrado anteriormente, mas se era para isso:-)
Aproveito ainda esta resposta a um comentário sobre um texto que não foi escrito por mim para me penitenciar por não ter feito uma referência elogiosa também ao coro, como a Elsa Mendes muito justamente referiu. Aqui me retrato, embora tardiamente.
Caros bloggers Elsa Mendes, Anónimo e FanaticoUm,
ResponderEliminarÉ com gosto que leio os vossos comentários e que verifico a salutar divergência e concordância de opiniões. É para isto que o blog serve e é com um pouco de cada um que vamos crescendo na avaliação da música, aqui em particular da NOSSA música portuguesa.
Não posso deixar de pegar na deixa da Chelsey Schill... Também reparei que no primeiro acto as personagens acabam por tapar os ouvidos quando ela canta em estridente forma, supostamente com intenção. Até cheguei a comentar com o FanaticoUm ao intervalo que, se calhar, o NCR havia composto o papel justamente inspirado na voz desta cantora, ou seja, tirando todo o partido da sua voz algo estridente... Mas vá, deixemos de dizer menos bem.
Continuo a achar que a temporada do TNSC tem espaço e, acima de tudo, tem a obrigação de promover compositores nacionais (do presente ou do passado), permitindo que estas obras sejam levadas ao palco, mas sempre com uma base de óperas populares para continuar a chamar o público para esta forma de arte.
Algo que também sabemos é que muito do que existe da música portuguesa não está gravado. Não sei se alguma das récitas foi gravada em suporte video (porque audio sabemos que sim). Isso era muito importante na divulgação do trabalho quer a nível nacional quer internacional. Mas onde está o apoio?
Esperemos, com antecipação, a nova temporada.
It sounds very different and interesting, but I am not certain I am interested.
ResponderEliminarThe story is different, but this opera somehow reminds me of the film which I've watched last night. It's about a banker.
ResponderEliminarEven though his wife is depressive and drinks too much, as long as he earns a lot of money, their marriage seems to be safe. But then he announces to go bankrupt. The castle of sand breaks down. His wife has no more reason to be with him. Friends leave him as well.
You know, lotus-eater, it is hard to find new stories... Nowadays, only a genious can show up with new ideas, unreinvented ones. The ones who reinvent stories become genious only if the tell it in a different perspective.
ResponderEliminarA obra é de facto notável e como um todo foi uma das melhores produções no teatro dos últimos tempos. O Teatro faz sempre um registo vídeo mas é sempre um plano geral, concordo, e a RTP como canal público e com tanto dinheiro do erário público, teria a obrigação de fazer uma gravação vídeo decente, mas isso foi feito no ciclo "O anel...", por isso também depende de quem dirige a casa (São Carlos), e são tantos!!, de tomarem essa iniciativa, porque esta é uma ópera portuguesa, dum compositor português que vive em Portugal e baseada na literatura portuguesa, ao contrário daquele pseudo-desígnio pseudo-nacional do Emanuel Nunes que foi transmitido em directo para vários teatros do país, com enormes custos. Além disso o trabalho final é bastante bom e merecia-o!
ResponderEliminarAgora, e concordando com o anónimo anterior naquilo que ele diz em relação aos cantores, pasmo-me com os outros comentários que dizem que o coro esteve bem?? Eu contorci-me enquanto os ouvia no coro final, o que me parece que acontece é que a partitura quase resiste a tudo!! e além disso era um coro de redenção e estavam na sua maioria com um ar sorumbático. Dito isto espanto-me com estes comentários em que o coro está de parabéns e são tão fáceis em atacar outros e com pouca profundidade e um trabalho mal avaliado...
Outra nota, já ouvi o coro fazer um bons trabalhos mas não nos últimos tempos.
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