(Review in english below)
Finalmente, depois do infortúnio de Maio de 2010 com o Simão Boccanegra e contra aquilo que, irado, na altura referi neste blog sobre o nunca voltar a Milão com o intuito de assistir a uma ópera, as portas do Scala abriram-se para mim, sem restrições, no passado dia 2 de Janeiro.
Lá dentro aguardava-me a última récita de “A Valquíria”, englobada na nova produção do Anel do Nibelungo de Richard Wagner, desta casa de Ópera, em co-produção com a Staatsoper de Berlim.
Há muito conhecido o elenco desta produção, um viés surgiu pouco tempo antes da saída para venda dos bilhetes: a ausência de Rene Pape por motivos pessoais. Mas quando se reúnem excelentes nomes em cada um dos papéis principais, a saída de um, embora importante, não inviabiliza a qualidade geral. Nomes como Waltraud Meier, Nina Stemme, John Tomlinson e Simon O’Neill fazem deliciar qualquer wagneriano quando isolados, quanto mais quando todos juntos.
A minha primeira impressão do Scala foi bastante positiva. Pensava encontrar um ambiente algo austero e snob mas, pelo contrário, achei o seu interior bastante acolhedor e o público pareceu-me genuinamente interessado em Ópera, e não particular ou necessariamente em Moda... Sente-se a história da Ópera em cada canto da sala.
A beleza da disposição dos camarotes e da arquitectura é sublime, pecando apenas no facto de, ao contrário de outras casas de Ópera como por exemplo a Royal Opera House, a quantidade de lugares com má visibilidade mas a preços elevados ser muito grande. Ficámos nas 2 primeiras cadeiras de um camarote lateral mas com boa visibilidade. Contudo, os dois lugares por trás de nós tinham tão pouca visibilidade que os ocupantes passaram praticamente a totalidade da récita de pé... A plateia parece muito plana e não confio que se consiga ver algo sem cabeças à frente nos lugares que não na primeira fila ou na fila 13.
Vamos então deixar o Maestro Barenboim entrar em cena e receber uma ovação merecida:
A encenação de Guy Cassiers, embora com todas as críticas depreciativas que possam ter sido feitas, é uma encenação coesa e, do meu ponto de vista, apenas com uma ou outra incoerência que não compreendi.
O 1º acto revela-nos o interior da casa de Hunding. Num quadrado enquinado projecta-se uma lareira e é igualmente por ai que entram Siegmund e Hunding, aproveitando-se um jogo de sombras e luzes que muito aprecio em encenações operáticas. Esta forma permitiu relevar o cansaço de Siegmund ao chegar e o temerário surgir de Hunding em sombra quase gigante e em sincronia com o seu leitmotiv na orquestra. Num espaço central praticamente desnudo, a mesa é sugerida por um projecção de luz quadrada no chão, com o pormenor das personagens em nunca passarem por cima da mesma. A projecção da cara de Wotan na parede da casa quando Siegmund narra a sua história e fala sobre o seu pai Walse (que como sabemos não é ninguém mais que Wotan) é interessante e bem conseguida. A árvore que no seu leito guarda Notung é simples. Numa encenação que apesar destas originalidades não deixa de ser clássica, tenho pena que Cassiers não tenha arranjado forma de cintilar a espada com luz quando Siegmund se questiona pela mesma, prometida por seu pai.
O 2º acto tem por fundo, na 1ª cena, estátua de 10 cavalos que corresponderão aos das 9 Valquírias e Wotan (penso). À esquerda, um globo “rendilhado” gira sobre o seu eixo, simbolizando o Mundo. Nele se projectaram algumas imagens mas que, na maioria das vezes, não consegui perceber o que eram. Quando Wotan diz que só lhe resta esperar pelo fim, o parar do seu movimento giratório (simbolizando o fim do Mundo e dos Tempos) marcou mais um ponto positivo para Cassiers. A transição para a 2ª cena, surgindo vários troncos brancos, onde se projectam imagens de floresta, cria o ambiente com classe. A luz que acompanha Brunnhilde quando esta aparece a Siegmund cria um efeito de revelação em palco. Toda a cena final vive em conteúdo, destacando-se a ira de Wotan que se reflete na projecção de fogo sobre o que eram as árvores/troncos, e o aparecimento de uma linha luminosa vermelha vertical quando Siegmund e (depois) Hunding morrem, simbolizando isso mesmo: a morte.
No 3º acto, no fundo encontramos a projecção de uma miscelânia de corpos e um cavalo ao centro, procurando transmitir a função das Valquírias no recolher de heróis para Walhalla. Linhas luminosas verticais estão dispersas sobre a cena, personificando os heróis mortos. Na minha opinião, Cassiers podia ter colocado as Valquírias a deambular sobre o palco e, ao tocarem cada uma destas linhas, elas elevar-se-iam desaparecendo de cena. Não seria assim poético o simbolismo da subida dos heróis para Walhalla? Eu acho que sim. Em vez disso, toda a cena das Valquírias ficou pouco dinâmica e interessante. Finalmente aqui, Brunnhilde desenrola a sua saia imensa e deixa de parecer um cogumelo ambulante... Gostei particularmente dos dois momentos de abraço entre Wotan e Brunnhilde após este proferir a sentença castigadora – um primeiro tímido, como que envergonhado, de quem lamenta ter procedido menos bem, embora pelo melhor; e um outro de claro amor entre ambos e de perdão quase total. A opção por colocar Brunnhilde sobre um conjunto de lâmpadas de solário, imitando assim um fogo aterrorizador para todos menos para Siegfried, é original. Apesar de ser evidente a queda de água para refrescar uma Nina Stemme com ombros e dorso desnudos, ainda não sei como não fritou sobre a estrutura. Corremos o risco de ver uma Nina Stemme, pelo menos, mais bronzeada no Siegfried...
A Orquestra esteve muito bem, sob a direcção de Daniel Barenboim. O som que consegue extrair do conjunto é realmente sublime. Contudo, continuo a achar (e o mesmo achei no seu Parsifal em Berlim em 2009) que Barenboim, por vezes, não consegue um equilíbrio perfeito entre os naipes em termos de dinâmica. O mesmo acontece entre a Orquestra e os cantores. Acho que não podemos dizer que os cantores têm pouca potência vocal que os impeça de sobrevoar o som da orquestra. Podemos sim dizer que Barenboim puxa excessivamente pelo som orquestral que, praticamente nenhum cantor o consegue sobrepor. Sente-se assim que Barenboim encara a orquestra como uma outra personagem da Ópera mas parece que frequentemente a privilegia, talvez um pouco como reflexo do seu próprio Ego.
Em relação aos cantores permitam-me que os reveja de acordo com a prestação nesta récita.
Waltraud Meier esteve absolutamente fenomenal como Sieglinde! Em excelente momento de forma vocal, viveu a personagem quer vocal quer dramaticamente, de uma maneira como nunca a vi fazer nas diversas ocasiões em que a vi no papel. Realmente este é um papel de assinatura que consegue manter com grande mestria.
John Tomlinson esteve igualmente em excelente nível. O papel também se encaixa como uma luva no seu momento de carreira. Como sabemos, já não tem agudos fortes e claros, e quando os faz é em visível esforço. Aqui vive dos baixos e esses ainda os faz ecoar em grande estilo. A sua fisionomia também transpira Hunding.
Ekaterina Gubanova foi uma Fricka eficaz. Possuidora de um timbre perfeito para o papel, apesar de cantora de Leste, tem alma no que canta e transmite-o com simplicidade.
Nina Stemme esteve também ao seu mais elevado nível mas não posso deixar de referir que entrou mal... Os seus Hoihotohoos iniciais foram muito contidos e o final da primeira sequência dos mesmos foi completamente fora de tom. Possivelmente aqueceu mal... Mas a partir do monólogo de Wotan foi sublime. Excelente presença de palco, com cada movimento de corpo com sentido e uma voz forte e segura. Se juntarmos Nina, Waltraud e Tomlinson, estes conseguiriam facilmente tornar uma récita em versão de concerto num espectáculo memorável. Isto porque a voz por si só transmite todas as emoções vividas pela personagem – algo apenas ao alcance de grandes cantores.
Simon O’Neill é um dos meus cantores wagnerianos favoritos da actualidade. Já havia ouvido, com agrado, o seu Fidelio e (embora com menos fervor) o seu Lohengrin, num passado recente. Pela primeira vez assisti ao seu Siegmund, papel que estudou com o grande Plácido Domingo (e que tenho como referência moderna do papel). Na minha visão podemos dividir o seu Siegmund em dois:
Siegmund A – Um Siegmund de voz fina, contida, cantada com a boca em formato de “I”, com pouco legato, numa tentativa pouco eficaz de transmitir emoções por gestos, como que se os testículos lhe tivessem subido para o abdómen.
E
Siegmund B – Um Siegmund de voz mais forte, boca em formato de “a”, legato cativante, gestos enquadrados e em relação com sentimentos cantados, claramente com testículos de volta do abdómen ao seu lugar próprio.
Começou em A, passou para B de forma magnífica a partir do dueto final com Sieglinde no 1º acto, principalmente após o Wintersturmme. No 2º acto ainda em modo B, voltou a cair para A na fase inicial do dueto com Brunnhilde mas acabou em claro modo B.
Simon O’Neill só será um grande Siegmund quando compreender que tem de cantar o papel sempre em modo B!
O substituto de Pape foi Vitalij Kowaljow. Para mim foi o elo mais fraco do elenco principal. Tem um timbre aceitável para o papel mas canta-o com demasiada métrica, incapaz de usar a dinâmica para realçar aspectos interpretativos importantes e dilemas da personagem. Legato lírico nem vê-lo quanto mais escutá-lo... Esteve talvez no seu melhor no monólogo do 2º acto, altura em que outros Wotan curiosamente muitas vezes falham em interesse interpretativo. Os seus gestos em palco limitaram-se ao abrir dos braços e ao movimento de 180º do braço direito em plano horizontal. Muito fraco.
As Valquírias como conjunto foram nitidamente fracas. Fraca potência vocal (e não foi por Barenboim puxar pelo som da Orquestra...) e muito estáticas na sua principal cena da ópera.
No geral, assisti a uma produção e a uma récita não perfeita, mas muito boa. Acho que me tenho tornado cada vez mais exigente em Wagner... Quando gostamos muito, acabamos por querer ver tudo na idealização que já fizemos do que achamos perfeito. Mais isso nem sempre acontece a 100%...
Die Walküre - Teatro alla Scala, Milano - January 2, 2011 - The live experience!
Lá dentro aguardava-me a última récita de “A Valquíria”, englobada na nova produção do Anel do Nibelungo de Richard Wagner, desta casa de Ópera, em co-produção com a Staatsoper de Berlim.
Há muito conhecido o elenco desta produção, um viés surgiu pouco tempo antes da saída para venda dos bilhetes: a ausência de Rene Pape por motivos pessoais. Mas quando se reúnem excelentes nomes em cada um dos papéis principais, a saída de um, embora importante, não inviabiliza a qualidade geral. Nomes como Waltraud Meier, Nina Stemme, John Tomlinson e Simon O’Neill fazem deliciar qualquer wagneriano quando isolados, quanto mais quando todos juntos.
A minha primeira impressão do Scala foi bastante positiva. Pensava encontrar um ambiente algo austero e snob mas, pelo contrário, achei o seu interior bastante acolhedor e o público pareceu-me genuinamente interessado em Ópera, e não particular ou necessariamente em Moda... Sente-se a história da Ópera em cada canto da sala.
A beleza da disposição dos camarotes e da arquitectura é sublime, pecando apenas no facto de, ao contrário de outras casas de Ópera como por exemplo a Royal Opera House, a quantidade de lugares com má visibilidade mas a preços elevados ser muito grande. Ficámos nas 2 primeiras cadeiras de um camarote lateral mas com boa visibilidade. Contudo, os dois lugares por trás de nós tinham tão pouca visibilidade que os ocupantes passaram praticamente a totalidade da récita de pé... A plateia parece muito plana e não confio que se consiga ver algo sem cabeças à frente nos lugares que não na primeira fila ou na fila 13.
Vamos então deixar o Maestro Barenboim entrar em cena e receber uma ovação merecida:
A encenação de Guy Cassiers, embora com todas as críticas depreciativas que possam ter sido feitas, é uma encenação coesa e, do meu ponto de vista, apenas com uma ou outra incoerência que não compreendi.
O 1º acto revela-nos o interior da casa de Hunding. Num quadrado enquinado projecta-se uma lareira e é igualmente por ai que entram Siegmund e Hunding, aproveitando-se um jogo de sombras e luzes que muito aprecio em encenações operáticas. Esta forma permitiu relevar o cansaço de Siegmund ao chegar e o temerário surgir de Hunding em sombra quase gigante e em sincronia com o seu leitmotiv na orquestra. Num espaço central praticamente desnudo, a mesa é sugerida por um projecção de luz quadrada no chão, com o pormenor das personagens em nunca passarem por cima da mesma. A projecção da cara de Wotan na parede da casa quando Siegmund narra a sua história e fala sobre o seu pai Walse (que como sabemos não é ninguém mais que Wotan) é interessante e bem conseguida. A árvore que no seu leito guarda Notung é simples. Numa encenação que apesar destas originalidades não deixa de ser clássica, tenho pena que Cassiers não tenha arranjado forma de cintilar a espada com luz quando Siegmund se questiona pela mesma, prometida por seu pai.
O 2º acto tem por fundo, na 1ª cena, estátua de 10 cavalos que corresponderão aos das 9 Valquírias e Wotan (penso). À esquerda, um globo “rendilhado” gira sobre o seu eixo, simbolizando o Mundo. Nele se projectaram algumas imagens mas que, na maioria das vezes, não consegui perceber o que eram. Quando Wotan diz que só lhe resta esperar pelo fim, o parar do seu movimento giratório (simbolizando o fim do Mundo e dos Tempos) marcou mais um ponto positivo para Cassiers. A transição para a 2ª cena, surgindo vários troncos brancos, onde se projectam imagens de floresta, cria o ambiente com classe. A luz que acompanha Brunnhilde quando esta aparece a Siegmund cria um efeito de revelação em palco. Toda a cena final vive em conteúdo, destacando-se a ira de Wotan que se reflete na projecção de fogo sobre o que eram as árvores/troncos, e o aparecimento de uma linha luminosa vermelha vertical quando Siegmund e (depois) Hunding morrem, simbolizando isso mesmo: a morte.
No 3º acto, no fundo encontramos a projecção de uma miscelânia de corpos e um cavalo ao centro, procurando transmitir a função das Valquírias no recolher de heróis para Walhalla. Linhas luminosas verticais estão dispersas sobre a cena, personificando os heróis mortos. Na minha opinião, Cassiers podia ter colocado as Valquírias a deambular sobre o palco e, ao tocarem cada uma destas linhas, elas elevar-se-iam desaparecendo de cena. Não seria assim poético o simbolismo da subida dos heróis para Walhalla? Eu acho que sim. Em vez disso, toda a cena das Valquírias ficou pouco dinâmica e interessante. Finalmente aqui, Brunnhilde desenrola a sua saia imensa e deixa de parecer um cogumelo ambulante... Gostei particularmente dos dois momentos de abraço entre Wotan e Brunnhilde após este proferir a sentença castigadora – um primeiro tímido, como que envergonhado, de quem lamenta ter procedido menos bem, embora pelo melhor; e um outro de claro amor entre ambos e de perdão quase total. A opção por colocar Brunnhilde sobre um conjunto de lâmpadas de solário, imitando assim um fogo aterrorizador para todos menos para Siegfried, é original. Apesar de ser evidente a queda de água para refrescar uma Nina Stemme com ombros e dorso desnudos, ainda não sei como não fritou sobre a estrutura. Corremos o risco de ver uma Nina Stemme, pelo menos, mais bronzeada no Siegfried...
A Orquestra esteve muito bem, sob a direcção de Daniel Barenboim. O som que consegue extrair do conjunto é realmente sublime. Contudo, continuo a achar (e o mesmo achei no seu Parsifal em Berlim em 2009) que Barenboim, por vezes, não consegue um equilíbrio perfeito entre os naipes em termos de dinâmica. O mesmo acontece entre a Orquestra e os cantores. Acho que não podemos dizer que os cantores têm pouca potência vocal que os impeça de sobrevoar o som da orquestra. Podemos sim dizer que Barenboim puxa excessivamente pelo som orquestral que, praticamente nenhum cantor o consegue sobrepor. Sente-se assim que Barenboim encara a orquestra como uma outra personagem da Ópera mas parece que frequentemente a privilegia, talvez um pouco como reflexo do seu próprio Ego.
Em relação aos cantores permitam-me que os reveja de acordo com a prestação nesta récita.
Waltraud Meier esteve absolutamente fenomenal como Sieglinde! Em excelente momento de forma vocal, viveu a personagem quer vocal quer dramaticamente, de uma maneira como nunca a vi fazer nas diversas ocasiões em que a vi no papel. Realmente este é um papel de assinatura que consegue manter com grande mestria.
John Tomlinson esteve igualmente em excelente nível. O papel também se encaixa como uma luva no seu momento de carreira. Como sabemos, já não tem agudos fortes e claros, e quando os faz é em visível esforço. Aqui vive dos baixos e esses ainda os faz ecoar em grande estilo. A sua fisionomia também transpira Hunding.
Ekaterina Gubanova foi uma Fricka eficaz. Possuidora de um timbre perfeito para o papel, apesar de cantora de Leste, tem alma no que canta e transmite-o com simplicidade.
Nina Stemme esteve também ao seu mais elevado nível mas não posso deixar de referir que entrou mal... Os seus Hoihotohoos iniciais foram muito contidos e o final da primeira sequência dos mesmos foi completamente fora de tom. Possivelmente aqueceu mal... Mas a partir do monólogo de Wotan foi sublime. Excelente presença de palco, com cada movimento de corpo com sentido e uma voz forte e segura. Se juntarmos Nina, Waltraud e Tomlinson, estes conseguiriam facilmente tornar uma récita em versão de concerto num espectáculo memorável. Isto porque a voz por si só transmite todas as emoções vividas pela personagem – algo apenas ao alcance de grandes cantores.
Simon O’Neill é um dos meus cantores wagnerianos favoritos da actualidade. Já havia ouvido, com agrado, o seu Fidelio e (embora com menos fervor) o seu Lohengrin, num passado recente. Pela primeira vez assisti ao seu Siegmund, papel que estudou com o grande Plácido Domingo (e que tenho como referência moderna do papel). Na minha visão podemos dividir o seu Siegmund em dois:
Siegmund A – Um Siegmund de voz fina, contida, cantada com a boca em formato de “I”, com pouco legato, numa tentativa pouco eficaz de transmitir emoções por gestos, como que se os testículos lhe tivessem subido para o abdómen.
E
Siegmund B – Um Siegmund de voz mais forte, boca em formato de “a”, legato cativante, gestos enquadrados e em relação com sentimentos cantados, claramente com testículos de volta do abdómen ao seu lugar próprio.
Começou em A, passou para B de forma magnífica a partir do dueto final com Sieglinde no 1º acto, principalmente após o Wintersturmme. No 2º acto ainda em modo B, voltou a cair para A na fase inicial do dueto com Brunnhilde mas acabou em claro modo B.
Simon O’Neill só será um grande Siegmund quando compreender que tem de cantar o papel sempre em modo B!
O substituto de Pape foi Vitalij Kowaljow. Para mim foi o elo mais fraco do elenco principal. Tem um timbre aceitável para o papel mas canta-o com demasiada métrica, incapaz de usar a dinâmica para realçar aspectos interpretativos importantes e dilemas da personagem. Legato lírico nem vê-lo quanto mais escutá-lo... Esteve talvez no seu melhor no monólogo do 2º acto, altura em que outros Wotan curiosamente muitas vezes falham em interesse interpretativo. Os seus gestos em palco limitaram-se ao abrir dos braços e ao movimento de 180º do braço direito em plano horizontal. Muito fraco.
As Valquírias como conjunto foram nitidamente fracas. Fraca potência vocal (e não foi por Barenboim puxar pelo som da Orquestra...) e muito estáticas na sua principal cena da ópera.
No geral, assisti a uma produção e a uma récita não perfeita, mas muito boa. Acho que me tenho tornado cada vez mais exigente em Wagner... Quando gostamos muito, acabamos por querer ver tudo na idealização que já fizemos do que achamos perfeito. Mais isso nem sempre acontece a 100%...
Die Walküre - Teatro alla Scala, Milano - January 2, 2011 - The live experience!
Finally, after the misfortunes of May 2010 with Simon Boccanegra and against what at the time I mentioned on this blog of never to return to Milan in order to attend an opera, the Teatro alla Scala opened its doors to me, without restrictions, on January 2.
Inside awaited me the last representation fo "The Valkyrie", enclosed in a new production of the Ring of the Nibelung by Richard Wagner in a co-production with the Staatsoper Berlin. Knowm several months before, the cast of this production suffered an important loss shortly before the release for sale of tickets: the absence of Rene Pape for personal reasons. But when they gather great names in each of the main roles, the abscence of one, albeit important, does not invalidate the overall quality. Names such as Waltraud Meier, Nina Stemme, John Tomlinson and Simon O'Neill delight any Wagnerian when they enter any production, and even more when they are all together on the same one.
My first impression of the Scala was very positive. I was expecting to find an environment somewhat austere and snob, but instead, I found the interior very cozy and the audience seemed genuinely interested in opera, and not particularly or necessarily interested in Fashion ... We can feel its history in every corner of the room.
The beauty of the arrangement of boxes and the architecture is sublime. I regret that, unlike other opera houses such as the Royal Opera House, there are too many seats with poor visibility but still very very expensive. We had the first 2 seats of a side box but with good visibility. However, the two places behind us had so little visibility that the occupiers had to spend almost the entire representation standing up... The orchestra stalls seems too flat and I do not trust that you can see something ahead without heads in front in places other than the front row or in row 13.
The beauty of the arrangement of boxes and the architecture is sublime. I regret that, unlike other opera houses such as the Royal Opera House, there are too many seats with poor visibility but still very very expensive. We had the first 2 seats of a side box but with good visibility. However, the two places behind us had so little visibility that the occupiers had to spend almost the entire representation standing up... The orchestra stalls seems too flat and I do not trust that you can see something ahead without heads in front in places other than the front row or in row 13.
Let's leave the Maestro Barenboim enter on the scene and receive a deserved standing ovation:
The staging of Guy Cassiers, despite all the criticism that may have been made, is cohesive and, from my point of view, with only one or another inconsistency that I did not understand.The 1st act shows us the inside of the house of Hunding. A square in the middle sees projected a fireplace and is also from it that Siegmund and Hunding enter on the stage, taking advantage of a game of shadows and lights, which I greatly appreciate in operatic productions. This allowed us to see the fatigue of Siegmund and Hunding's giant shadow appearing in a syncronous way with his leitmotif in the orchestra. On the almost empty central space, the table is suggested by a square of light projected on the floor with the detail of the characters never passing over it. The projection of Wotan’s face in the wall of the house when Siegmund tells his story and talks about his father Walse (which we know is Wotan) is interesting and successful. The tree that keeps Notung on his bed is simple. In a scenario that despite these originality never ceases to be classic, I'm sorry that Cassiers did not find a way of showing a flashing light over Notung when Siegmund asks where the promised sword by his father is.
The 2nd act, in the 1st scene, shows us in the back, a statue of 10 horses that correspond to the ones of the nine Valkyries and Wotan (I believe so). On the left, a globe rotates on its axis, symbolizing the world. In it are some projected images but in most cases, I could not understand what they were. When Wotan says that he has only to await the end, it stops its spin (symbolizing the end of the World and Times) scoring another positive point for Cassiers. The transition to the 2nd scene, leads to the appearance of several white trunks, on which are projected images of a forest, creating a classy environment. The light that is shown when Brunnhilde appears to Siegmund creates an effect of revelation on stage. The entire final scene lives in content, highlighting the wrath of Wotan as reflected in the projection of fire on what were the trees / logs, and the appearance of a bright red vertical line when Siegmund and (later) Hunding die, symbolizing death.
In the 3rd act, on the back, we find the projection of a patchwork of bodies and a horse center, looking forward, symbolyzing the deed of the Valkyries in gathering the heroes to Walhalla. Vertical lines of light are scattered about the scene, impersonating the dead heroes. In my opinion, Cassiers could have put the Valkyries walking on stage and when they touched each of these lines, they would rise up disappearing from the scene. It would be so poetic as a symbolism of rising heroes to Valhalla... I think so. Instead, the whole scene of the Valkyries was sluggish and uninteresting. Finally here, Brunnhilde unfolds her skirt and ends her look of a big mushroom ... I especially liked the two moments of embrace between Wotan and Brunnhilde delivering the ruling after this chastening - a first timid, as if ashamed, and another full of love and almost total forgiveness between them. The option of putting Brunnhilde on a set of solarium lamps, imitating a terrifying fire to all but Siegfried, is original. Although it was and seen that sparkles of water were coming down in order to to cool off a Nina Stemme with bare shoulders and back, I still do not know how she did not get fried on the structure. We will probably see a more tanned Nina Stemme in the next opera Siegfried...
The orchestra did very well, under the direction of Daniel Barenboim. The sound that he can extract from it is truly sublime. However, I still believe (and I felt the same in his Parsifal in Berlin, 2009) that Barenboim sometimes can not find a perfect balance between the naipes in terms of dynamics. The same happens in the orchestra and singers. I think we can not say that singers have little vocal power that does not allow them to overcome the sound of the orchestra. What we can say is that Barenboim pulls excessively to the orchestral sound, and the singers simply do not have a chance. Barenboim sees the orchestra as another character in the opera but it seems that often favors it, perhaps as a reflection of his own ego.
Now the singers, in order of excellency...
Waltraud Meier as Sieglinde was absolutely phenomenal! In excellent vocal form, she lived the character in voice and drama, in a way I have never seen her do on many occasions I saw her on this role. Actually this is a role that she can keep singing with great mastery.
Now the singers, in order of excellency...
Waltraud Meier as Sieglinde was absolutely phenomenal! In excellent vocal form, she lived the character in voice and drama, in a way I have never seen her do on many occasions I saw her on this role. Actually this is a role that she can keep singing with great mastery.
John Tomlinson was also excellent. The role also fits like a glove on his current career path. As we know, he no longer has a high pitch note and when he tried to sing them, they come in a visible effort. As Hunding he lives on his still perfect lower pitch. His looks also live Hunding.
Ekaterina Gubanova was an effective Fricka. Possessing a perfect pitch for the role, she sing her soul in every note and conveys it with simplicity.
Nina Stemmewas also at her highest level but I can not help noting that their initial Hoihotohoos were very tight and the end of the first sequence of them was completely out of tune. But from the Wotan's monologue she was sublime. Excellent stage presence. Each body movement has a purpose. Her voice is strong and lyrical. If we add Nina, Waltraud and Tomlinson, they easily would be able to make a concert version of this opera a memorable show. This is because the voice alone conveys all the emotions experienced by the character - something just allowed to the great singers.
Simon O'Neill is one of my favorite Wagnerian singers. I had heard with satisfaction his Fidelio and (though with less fervor) his Lohengrin, in a recent past. For the first time I watched his Siegmund, a role he studied with the great Placido Domingo (and I have as a modern reference paper). In my view we can divide his Siegmund in two:
The A-Siegmund - soft-spoken, restrained, sung with the mouth in the form of "I", with little legato in an ineffective attempt to convey emotions through gestures, as if his testicles had risen to the abdomen...
and...
A B-Siegmund - stronger voice, mouth-shaped as “a”, beautifull legato and perfect gestures in relation to feelings, clearly with his testicles back to where they belong.
He started as A, rose to B magnificently from the final duet with Sieglinde in the 1st act, especially after the Wintersturmme. In Act 2 he began in B-mode in ordero to fall back to A early in the duet with Brunnhilde, but then returning to B until the end.Simon O'Neill will only be a great Siegmund when he realizes that he must always sing the role in B-mode!
Pape's replacement was Vitalij Kowaljow. For me he was the weakest link in the main cast. He has a decent tone for the role but sings it too metric, unable to use the dynamics to highlight important issues and dilemmas of the character. Where did he put the lyrical legato?... He was perhaps at his best during monologue from Act 2, when other Wotans curiously often fail to do it of special interpretive interest. His gestures on stage were limited to the open arms and the movement of the right arm in the horizontal plane. For sure, he was the weakest link.
The Valkyries as whole were clearly weak. Weak vocal power (and here not a Baremboim’s fault...) and very static in theit main scene of the opera.
Overall, I attended a production and a representation that was not perfect but very good. I think I have become increasingly demanding in Wagner ... When we love, we ultimately want to see everything as we have idealized as perfect. But this is not always possible at 100%.
Gostei imenso de ler este texto. Parabéns, wagner_fanatic. Duas bocas.
ResponderEliminar1.ª
Quer dizer: o Pape cancela por motivos pessoais? Só agora é que eu soube que são motivos pessoais. Mas que brincadeira é essa?! Depois metem-me aquele wotanzinho da treta (pois, mesmo o elo mais fraco nos excertos que vi) por motivos pessoais?
2.ª
Já não é a primeira vez que leio que a Stemme canta na tonalidade errada (singing out of pitch). Parece que é uma das críticas frequentes. "Cogumelo ambulante"! Tem razão, mas acho que até estava bem. É um bocado esquisito mas dá a ideia de ser roupa de viagem. É natual que fique pelo menos "chamuscada": estará não sei quantos anos rodeada por fogo :-P
Caro wagner_fanatic,
ResponderEliminarObrigado pela crónica e continuação de boas récitas.
Caro Plácido,
ResponderEliminarMuito obrigado pelo comentário!
Na altura do cancelamento de Pape foi dito que precisava de uma pausa na vida musical. Foi pena porque tinha sido uma récita, sem dúvida, mais rica.
Cumprimentos.
Caro Paulo,
ResponderEliminarObrigado pela sua leitura. Boas récitas para si também.
Cumprimentos.
Caro wagner_fanatic,
ResponderEliminarMuito obrigado por mais esta bela descrição. Como já referi anteriormente, quase conseguimos acompanhar a récita o que, neste caso e para mim, é mais fácil dado que a vi duas vezes na televisão. Mas, claro, ao vivo não tem qualquer comparação e tenho muita pena de não ter visto esta Valquíria lá. De facto, reunia alguns dos melhores cantores wagnerianos da actualidade, nomeadamente no sector feminino.
A encenação, na televisão, não se conseguiu apreciar devidamente mas, apesar das suas explicações clarificadores, não sei se treia gostado assim tanto ao vivo.
Também as fotografias e videos são de excelente qualidade, o que muito enriqueceu o texto.
O Scala é um dos grandes teatros mundiais de ópera, é o único onde me obrigaram a por uma gravata para entrar (!), mas penso que, actualmente, está aquém de outros no que respeita às produções que apresenta.
Lá corre-se sempre o risco de apanhar uma greve de qualquer sector (admiro a sua coragem depois do desaire com o Simão Boccanegra) e tem outro "aliciante" - o comportamento do público quando as coisas não correm bem. Assisti já a uma dessas situações e, por momentos, interroguei-me se não estaria num jogo de futebol!
Mais uma vez, muito obrigado por este delicioso relato e, tal como os comentadores anteriores, desejo-lhe a continuação de boas récitas. Aqui esperaremos os relatos.
My wife and I were there a few years ago. There is nothing like Teatro alla Scala in the world. It sparked our interest in opera, and since then, we have been to several great operas in Europe. I hope to learn and enjoy more in the future. Thank you for the memory!
ResponderEliminarDear JJ,
ResponderEliminarThank you for your comment. Keep on enjoying opera!
Best regards.
Prezado, acho que já lhe falei de minha admiração por Wagner. Você é um expert admirável e está renovando meu interesse pela obra do mestre dos mestres Richard Wagner!
ResponderEliminarEu, na minha humilde opinião, acho que Velazquez, Shakespeare, Fernando Pessoa e Wagner são os maiores em pintura, literatura, poesia e música erudita. ( quase inclui o Pelé na arte do futebol)
Um abraço
Many thanks to you for the detailed review. I enjoyed reading it a lot.
ResponderEliminarNice shots! Especially the picture of the orchestra pit. 5 Harps and full- occupied! Typical Wagner.
Re. Visibility: It’s the same at the Zurich opera house. One time I paid 120€ for "Der Freischütz". But then my seat was so poor situated, that I couldn’t read the subtitle over the curtain. Even if the text is in German, we need some help at the opera. Fortune smiled on me though. I found an unoccupied seat on the front. Last time an old lady in our line couldn’t see nothing because she sat just beside the pillar. I felt very sorry for her. She drove hours from Germany to Zürich to see the opera. Fortunately I found an unoccupied seat for her during the intermission.
You're right. There's no 100% satisfaction at the opera or concert. There's always certain gap between our imagination and reality. The artists are human-being. They just do their best to approach the perfection.
Caro Antonio Machado,
ResponderEliminarAs suas palavras são gentis mas não me considero um expert em Wagner. Procurei sempre conhecer as suas obras compreendendo como as criou. Os leitmotivs, desde que (pelo menos os mais básicos) sejam compreendidos, dão uma unidade à obra que é capaz de fascinar qualquer um. Mesmo aqueles que dizem que a Ópera é uma mulher gorda aos gritos...
Continue a reviver Wagner... só tem a ganhar com isso :)
Embora a pintura não seja uma arte que valorize tanto como a Música, aprecio Van Gogh, Kandinsky e Miró.
Dear lotus-eater,
ResponderEliminarI am pleased that you liked the review. I believe it is the best I did so far.
I am always curious about your comments.
Despite everything the seats were fine.
What I did not tell was that the person on the next box, during the first act, kept on supporting his head with his arm and blocking the view. After accepting it (a bit furious on the first act) I had to say something after Fricka ended her line. No problem after. People sometimes have no idea that they are causing some distress to the others, and they do it with no evident harm but...
It is always good to avoid boxes at the Opera houses.
Thank you again for your kind words.
Ha ha... That’s why I avoid boxes as well.
ResponderEliminarRe. Rene Pape: After his successful debut as Boris Godunov at Met, he wanted to have a break. He is ranked as the best in his field, but he is very cautious with widning his roles. I guess, he needed more time to be prepared for the role as Wotan. He is kind of a perfectionist. At the beginning of April he will made his debut as Wotan at Deutsche Oper Berlin.
I have heard him as Boris Godunov (Pape speaks Russian fluently) at Semperoper Dresden. His voice is 10 times more voluminous than CD. And such a great actor he is. He gave the audience the impression that he's the real Boris Godunov. I’m sure you will get a chance to hear him someday.
I have heard Pape live but as Hunding in a concert version of Die Walkure with Domingo and Meier in 2008 at the Liceu Barcelona. I was really hoping to see his Wotan... I saw him in the Metlive in HD as Boris Godunov and he was superb! I agree with you.
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