sábado, 13 de novembro de 2010

DON PASQUALE – Met Live em HD, Fundação Gulbenkian Novembro de 2010

Don Pasquale é uma ópera cómica de Gaetano Donizetti com libreto do compositor e de Giovanni Ruffini. Conta a história de um velho rico que se quer casar com uma jovem mulher que lhe vai fazer a vida negra até obter o que pretende.

Foi o terceiro presente do Met Live que a Fundação Gulbenkian nos ofereceu.

(Please see review in english below)

Don Pasquale velho e solteiro, quer casar-se com uma mulher jovem e assim deserdar o sobrinho Ernesto que está apaixonado por Norina. Pede auxílio ao amigo Dr. Malatesta que o ajuda a casar-se com “Sofronia”, uma tímida e recatada jovem (Norina disfarçada). Após assinado o (falso) contrato nupcial, esta revela-se e faz a vida negra a Don Pasquale, exigindo-lhe todas as extravagâncias que o dinheiro pode comprar. A relação degrada-se e há insinuação de infedilidade por Sofronia. Juntamente com o Dr. Malatesta a situação é desmascarada e Don Pasquale, apesar de enganado, fica aliviado por se ver livre da mulher e perdoa a todos.

Esta ópera está longe de ser uma das minhas preferidas mas contém algumas árias e duetos interessantes e melodiosos e, para nos recordar que estamos face a uma obra de um compositor belcantista, lá está, entre outras, a bonita serenata de Ernesto Com’ è gentile, talvez a ária mais famosa da ópera.

A encenação de Otto Schenk é clássica, explícita e eficaz. Foi James Levine, o maestro titular, que assumiu a direcção musical. Com a Orquestra da Metropolitan Opera, proporcionou-nos uma boa interpretação da obra. O Coro da Metropolitan Opera também esteve muito bem, como é habitual.

O baixo-barítono americano John Del Carlo foi um Don Pasquale extraordinário. Conseguiu cativar-nos ao longo de todo o espectáculo. A voz era forte, apesar de não ter grande beleza tímbrica. Mas em cena foi insuperável. A figura do velho ridículo a babar-se pela jovem rapariga não podia ter sido melhor. Espantoso!

Anna Netrebko, soprano russo, foi uma Norina / Sofronia divertida e também marcante. O papel não se presta à expressão de grandes emoções mas, mesmo assim, emprestou-lhe uma óptima interpretação, cénica e vocal, e deliciou-nos com as suas intervenções. Continuo a achar que a voz está cada vez melhor.
Os leitores deste blogue sabem que, de entre os três Fanáticos que aqui regularmente escrevem, as opiniões sobre Anna Netrebko são muito divergentes, o que é salutar. Desde uma cantora da moda a uma intérprete avassaladora, de tudo se tem escrito por cá. Serei, seguramente, o que mais admira este grande soprano, a quem já vi e ouvi interpretações arrebatadoras como, por exemplo, em Julho passado na Manon de Massenet. Assim, tendo em conta os muitos momentos de incomensurável prazer que Anna Netrebko já me proporcionou, sinto um grande apreço pela cantora e, à partida, acho sempre que vou gostar de a rever. Foi o que aconteceu, embora reconheça que a prefiro ver em papéis mais dramáticos, apesar de ela ter afirmado que gosta de não morrer tantas vezes em cena.

O barítono polaco Mariusz Kwiecien foi um Dr. Malatesta surpreendente. Teve uma irrepreensível presença em palco e excelentes qualidades vocais, imprime nuances interessantes à interpretação, tem um timbre de beleza cativante e mantém a mesma qualidade em todos os registos. A cumplicidade cénica com a Netrebko foi admirável.

Ernesto foi interpretado pelo tenor americano Matthew Polenzani. Foi o elo mais fraco deste elenco superior. Cenicamente esteve aquém do que esperei. A voz também não me impressionou. Achei-a pouco expressiva, um timbre frequentemente metálico, que não era bonito e não mostrou grande maleabilidade.


Muitos consideram Don Pasquale a obra prima das óperas cómicas de Donizetti. Não partilho dessa opinião pois acho que O Elixir do Amor é superior. Tem personagens vocais semelhantes, Adina, Nemorino, Belcore e Dr. Dulcamara, mas todas elas com trechos musicais mais marcantes.

Esta récita ilustrou na perfeição o que referi no texto que escrevi no início da semana a propósito da importância que dou ao ouvir e ver a ópera. Se hoje só tivéssemos ouvido, seguramente teríamos perdido grande parte do espectáculo, que foi muito mais do que música e canto.
E, mais um excelente espectáculo que nos foi proporcionado pela Gulbenkian.
*****



DON PASQUALE - Met Live in HD, the Gulbenkian Foundation, November 2010

Don Pasquale is a comic opera by Gaetano Donizetti with libretto by the composer and Giovanni Ruffini. It tells the story of a rich old man who wants to marry a young girl who will make his life miserable until she gets what she wants.
This was the third Met Live opera offered this year by the Gulbenkian Foundation.



Don Pasquale, an old and single man, wants to marry a young girl and move away his nephew Ernesto, who is in love with Norina. He asks his friend Dr. Malatesta for help. Dr. Malatesta helps him to marry "Sofronia," a shy young woman (Norina in disguise). After signing the (fake) marriage contract, she reveals herself and makes Don Pascuale’s life miserable, demanding all the extravagances that money can buy. The relationship deteriorates and Don Pasquale discovers that his wife will meet another man, Ernesto. Along with Dr. Malatesta, the situation is unmasked, Don Pasquale is relieved to get rid of Sofronia, and forgives everyone.

This opera is far from being one of my favorite ones but it contains some interesting and melodious duets and arias. The opera includes, among others, the beautiful belcanto serenade of Ernesto Com 'è gentile, perhaps the most famous aria of the opera.

The staging by Otto Schenk is classic, clear and effective. James Levine conducted the Metropolitan Opera Orchestra and offered us a good interpretation of the work. The Choir of the Metropolitan Opera was also very good, as usual.

American bass-baritone John Del Carlo was an extraordinary Don Pasquale. He managed to captivate the audience throughout the performance. The voice was strong but the timbre was not extremely beautiful. But the performance unsurpassed. The ridiculous figure of the old man who wants a young girl could not have been better. Amazing!

Anna Netrebko, Russian soprano, was a fun and impressive Norina / Sofronia. The character is not prone to the expression of strong emotions, but even so, she had a great vocal and artistic performance, and delighted us on stage. I think her voice is getting better.
The readers of this blog know that among the three fanatics who regularly write here, opinions on Anna Netrebko are widely divergent. From “the fashion singer” to “a singer of overwhelming qualities”, everything has been written here. I am, for sure, the greatest admirer of Netrebko among the three of us. I have already seen several astonishing performances as, for example, last July in Massenet's Manon. Thus, taking into account the many moments of immeasurable delight that Anna Netrebko has given me, I feel a great appreciation for the singer and I am always sure I will like her whenever I see her again. That was what happened, although I admit I prefer to see her in dramatic roles, although she said “It is so nice not to die for a chance”.

Polish baritone Mariusz Kwiecien was a fantastic Dr. Malatesta. He had an impeccable stage presence, has excellent vocal qualities, with interesting vocal nuances. He has a captivating beauty of tone and maintains the same quality in all scale. The complicity with Netrebko was admirable.

Ernesto was played by the American tenor Matthew Polenzani. He was the weakest part of this excellent cast. Artistically he was less impressive than expected. The voice also did not impress me. I did not found it very expressive, often with a metal timber, which was not nice and did not show great flexibility.


Many consider Don Pasquale the masterpiece of comic operas by Donizetti. I do not share this view because I think L’Elisir d’Amore is better. It has similar vocal characters, Adina, Nemorino, Belcore and Dr. Dulcamara, but all with more striking pieces of beautiful music.

This performance illustrated perfectly what I said in the text that I wrote earlier this week about the importance I give to hear and see opera. If we had only heard today’s performance, surely we would have lost much of the show, which was much more than music and singing. This was another great performance that has been provided by the Gulbenkian Foundation.


*****

15 comentários:

  1. Caro FanáticoUm,

    Foi, sem dúvida, uma tarde-noite bem passada.

    Foi o meu primeiro encontro com esta ópera de Donizetti e partilho da mesma ideia: O Elixir é muito, muito melhor, com árias mais marcantes. Realmente as semelhanças são notáveis: Adina também está a ler um romance quando entra em cena (naquele caso Tristão e Isolda), existe um Doutor em ambas, um casamento (um realiza-se mas é falso, o outro nem se chega a realizar), enfim...

    Já tendo visto Netrebko como Adina ao vivo, acho que se enquadra muito melhor neste papel do que no de Norina, embora ache que tenha estado ao seu nível nesta transmissão do Met. É impressão minha ou ganhou novamente uns quilinhos? Estará grávida outra vez?

    Grande actor, John Del Carlo! Gostei tanto da voz como da sua personificação do velho solteirão enganado.

    Mariusz Kwiecien foi uma óptima surpresa, com excelente qualidade vocal e interpretativa.

    Matthew Polenzani não esteve mal. Achei que quebrou um pouco na ária quando abandonava a casa de Don Pasquale e aí sim "timbrou em metálico" mas no restante manteve uma voz segura, limpa e capaz.

    Aplaudo Levine que se estreou na direcção desta ópera. É o exemplo de que nunca se é demasiado velho para abraçar novos projectos.

    Cumprimentos musicais.

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  2. É verdade. Elixir, Com'è gentil... Estamos em território onde um tenor só pode ter 20 quando é tão bom como o Caruso!
    Isso do timbre metálico foi aquilo a que eu chamei ficar rouco. Afinal não foi impressão minha.
    Vocês também são maus... agora mais gorda?...

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  3. Caro wagner_fanatic,
    Não sei se a Netrebko tem novamente mais uns quilinhos. Quando a vimos em Julho na Manon parecia "menos cheinha", mas acho que a qualidade da imagem em HD nestas transmissões é impiedosa! Dá-nos pormenores que, ao vivo, nem sempre conseguimos ver (hoje foi um belo exemplo as expressões faciais de John Del Carlo), mas também nos mostra outros...

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  4. Caro Plácido,

    Se calhar foi do chamado "efeito espartilho"...

    Mas não interprete mal o que disse. Não foi um comentário com tom depreciativo. Tal como para o FanáticoUm, a Netrebko é, para mim, uma das(se não a melhor) soprano da actualidade.

    Cumprimentos musicais.

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  5. Foi um espectáculo óptimo. A qualidade da imagem e do som surpreendentes. Os cantores excelentes, sobretudo o Don Pasquale e a mulher!
    Fui à experiência mas vou repetir.

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  6. Hi you guys,

    It's not bad for singers, if they put on some weight. The voice gets richer.

    Girls need corsets. Not all the time, but sometimes. For me, Netrebko looks great on the cover.

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  7. Dear lotus-eater,
    Netrebko looks great on the cover and she was excellent on stage both artistically and vocally. The weight does not matter that much!
    Have you also seen this Don Pasquale form the Met?

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  8. Caro FanáticoUm:
    Aqui lhe deixo, como lhe tinha dito, o meu relato do "Die Soldaten" em Amesterdão, récita de Sexta, dia 12/Nov.

    Ao contrário da única versão existente em DVD do "Die Soldaten" (produção da Ópera de Estugarda, 1989), a produção levada à cena pela Ópera Nacional Holandesa, em Amesterdão, surpreendeu-me verdadeiramente. Acredito, porém, que, para a época, a produção existente em DVD tivesse sido um grande pedregulho num pequeno charco e que ao vivo deva ter sido um espectáculo inolvidável.

    Esta produção teve, quanto a mim, como pontos mais positivos, o duo de irmãs: Marie, a protagonista (soprano "dramático de coloratura" - indicação do próprio compositor), magistralmente colocada no corpo e na voz da soprano alemã Claudia Barainsky, e Charlotte (contralto), papel que coube à americana Lani Poulson. Nas vozes masculinas, Stolzius, papel de barítono a cabo do austríaco Michael Kraus, e o perturbante Pirzel, papel entregue ao ucraniano e tenoríssimo Alexander Kravets, brilharam, sem dúvida, e cenicamente foram tão bons quanto Marie, muito embora esta, pela exigência cénica, vocal e musical do papel tenha sido excelente.

    "Die Soldaten" é uma ópera para um complexo efectivo orquestral, que inclui do mais comum até à guitarra eléctrica e ao cravo. (Como poderia um viver sem o outro?!) A orquestra esteve bastante bem. É uma música em que se torna bastante difícil apreciar legatti ou até mesmo o próprio fraseado, contudo a direcção, pela batuta de Hartmut Haenchen, era duma coordenação e segurança impressionantes.

    Em cena, a acção decorreu toda dentro de uma espécie de caixa gigante preta com laivos a branco, contrastando ambas as cores com o vermelho vivo da indumentária a imitar cabedal da soldadesca (bastante reminiscente de práticas sado-masoquistas; mais violenta mas de mais bom gosto do que o deboche exagerado da "Salomé" a que assisti em Amesterdão na temporada passada!), com o branco da primeira e última cenas da ópera e com o amarelo-ovo, quase dourado, atribuídos à Condessa de la Roche e ao seu filho (fatinhos que foram reciclados da produção de "Ercole Amante" de Cavalli, também da temporada anterior).

    Como já referi, acho que cenicamente foi genial e o público foi bastante efusivo. A sala estaria a 85% na primeira parte. Houve algumas desistências, mas no final do espectáculo, os resistentes ainda perfaziam 75% da sala. Isto de estar no meio do 2º Balcão dá para ter estas percepções...

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  9. Caro Gus,
    Muitíssimo obrigado por este relato tão interessante e pormenorizado. Como lhe disse, não conheço a obra mas fica-me a vontade de a ver.
    Em nome do blogue "Fanáticos da Ópera" quero também expressar-lhe a nossa gratidão por todos os relatos que aqui nos tem deixado e que muito enriquecem o blogue e, sobretudo, quem o lê.
    Bem haja!

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  10. dear FanaticoUm...thanks for visiting to my blog...Your blog have a very rich content,congratulations for that...see you again soon... sincerely

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  11. Caro Fanático Um,
    Quentes e boas como as castanhas :-D , são as suas considerações sobre as transmissões Met Live in HD e não só, que aqui vem tecendo.
    Bom trabalho, sim sra.
    Até Dezembro para o Don Carlo.
    LG

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  12. De nada, caro FanáticoUm! É sempre um prazer. Não sei qual será o meu senhor que se segue, mas parece-me que vai ser um Trovador... só em Abril, infelizmente.

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  13. Dear sonsprinter
    Thanks for your comment. You are always welcome in this blog!

    Caro LG,
    Obrigado pelo seu simpático comentário. Apareça sempre quiser e não hesite em discordar do que escrevemos. Todas as opiniões só enriquecem este espaço. Como já tenho lido opiniões suas bem interessantes, aqui lhe deixo o repto.
    Cumprimentos musicais.

    Caro Gus,
    Ficamos a aguardar esse Trovador. Mas, reconheço, até Abril a espera é muito longa! Nós, por aqui por Lisboa, graças às transmissões do Met Live na Gulbenkian (sempre a Gulbenkian! Sem ela já tínhamos morrido culturalmente), vamos ter mensalmente espectáculos de grande categoria, a julgar pelos três já passados.
    Cumprimentos

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  14. Às vezes tenho pena de Lisboa me ficar pouco acessível e de não ter acesso e este tipo de espectáculos, mas enfim, quanto a isso, tenho que me conformar.

    Obrigado pelo relato, caro FanaticoUm. Confesso que, como para a maior parte dos comentadores, o Dom Pasquale não me enche nada as medidas!
    Achei curioso o facto de se discutir nos comentários os quilos que Netrebko tenha ou não ganho. Eu sempre a achei uma "cara de lua cheia" e se tem uns quilitos a mais isso não abonará nada em seu favor. Mas é isso que afinal interessa?

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  15. Caro Alberto,
    Obrigado pelo seu comentário e por ter regressado a este espaço.
    Eu que sou igualmente um grande apreciador do belcanto (penso que partilho este gosto consigo) também não acho grande interesse ao Dom Pasquale. É essa a minha opinião e, pelo que escreveu, não estou só.
    Acho que os quilos da Netrebko não interessam. O que é relevante é a sua fabulosa voz e a actuação em palco, ambas ao mais alto nível neste espectáculo. Antes da maternidade, a Netrebko usava também muito o corpo (sobretudo as pernas) nos espectáculos e, como parecia uma actriz de Hollywood, a coisa resultava num extra. Mas o que realmente importa não é isso.
    Cumprimentos

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