terça-feira, 28 de setembro de 2010

Resumo da temporada 2009-2010 por FanáticoDois

Foi-me sugerido que fizesse um resumo da temporada 2009-2010. Atendendo a que comecei a colaborar com o blog apenas em Maio último, queria aproveitar esta oportunidade para tecer umas breves notas sobre alguns dos eventos a que tive oportunidade de assistir na anterior temporada, antes do mês de Maio.

Salientaria três momentos, quanto a mim, marcantes.

Em primeiro lugar, a "Ariadne auf Naxos" de Richard Strauss em Dezembro de 2009, na Wiener Staatsoper, com Edita Gruberova como Zerbinetta. Foi precisamente nesta sala que, há quase 40 anos Edita Gruberova cantou pela primeira vez este papel, que a projectou para uma carreira internacional absolutamente ímpar e plena de sucesso. Gruberova, considerada por muitos como a melhor Zerbinetta de sempre, atingiu em Dezembro de 2009 a récita número 100 de "Ariadne auf Naxos". Esta foi, portanto, a centésima vez que Edita interpretou Zerbinetta.
Foi impressionante a energia, a comicidade, a jovialidade com que a Gruberova interpretou este dificílimo papel. Aos 63 anos, Edita fez uma Zerbinetta absolutamente inigualável cantando, como sempre, a versão mais difícil da longa ária em que tem de emitir sobreagudos que são inatingíveis para a generalidade dos sopranos (a dada altura a cantora tem, por exemplo, de atacar, subitamente, um fá sobreagudo em fortissimo, o que constitui quase um milagre, sobretudo para uma cantora já sexagenária). O público que enchia a Ópera de Viena, como seria de esperar, delirou.

Em tudo, Edita foi perfeita, não só no canto, mas também na interpretação do papel, na gestualidade, na atitude, nos movimentos em palco. Seguramente, não existe outra cantora que domine e conheça tão bem o papel de Zerbinetta, como Edita Gruberova, que já interpreta Zerbinetta há cerca de quatro décadas, tendo trabalhado este papel pela primeira vez com o legendário maestro Karl Böhm. Nesta récita, o papel de Ariadne esteve a cargo de Adrianne Pieczonka.



Poucos dias após esta récita, Edita Gruberova deslocou-se a Paris para um concerto com árias de ópera no Théatre des Champs-Elysées. Este concerto constitui o segundo evento que queria destacar. Edita já não se apresentava em Paris havia mais de 15 anos, pelo que o seu regresso à capital francesa foi uma ocasião que mereceu um enorme destaque nos meios de comunicação social nacionais. Os leitores terão, porventura, alguma dificuldade em imaginar a emoção e o entusiasmo que Edita provocou no público parisiense. O público gritava incessantemente "Brava!", "Merci!". Todo o teatro se pôs várias vezes de pé para aplaudir Edita.





A cantora iniciou o concerto com a dificílima ária Martem aller arten da ópera "O Rapto do Serralho" de Mozart. Somente uma cantora muito experiente e segura se atreveria a iniciar um concerto com uma ária tão difícil. Mal Edita terminou a sua primeira intervenção, o público entrou em autêntico delírio. Seguiram-se as cenas da loucura de "Lucia di Lammermoor". Aqui, todo o públicou se colocou subitamente de pé para aplaudir. Com efeito, Edita Gruberova cantou as árias de Lucia com uma expressividade quase mágica e verdadeiramente comovente, aliada a um timbre cristalino e a uma coloratura irrepreensível. Cantou ainda outras árias de Bellini e Donizetti, incluindo a impressionante cena final de Roberto Devereux. Os números extra-programa sucederam-se, mas ninguém abandonava a sala e todos continuavam a aplaudir vigorosamente, pelo que Edita acabou por ter de repetir o último extra. Alguém do público aproximou-se do palco e ofereceu a Edita uma placa, idêntica às que nomeiam as ruas de Paris, com a inscrição: "Avenue Edita Gruberova".



No final, estava programada uma sessão de autógrafos e atrevo-me a afirmar que não houve ninguem do público que tivesse saído sem esperar pelo autógrafo de Edita. O público acumulava-se ao longo dos corredores e ao longo das escadas. Uma autêntica multidão preenchia os espaços "públicos" do teatro. Mal Edita aparece, o teatro estremeceu com as fortes ovações e os gritos do público: ao longo das escadas e corredores toda a gente aplaudia, as pessoas debruçavam-se do cimo das escadarias para verem Edita, empunhavam telemóveis e máquinas fotográficas para captarem aqueles momentos. Foi como se a sala de concertos se tivesse transferido para as escadas, para os corredores, para o Foyer. O vigor e a densidade dos aplausos que Edita recebeu no exterior foram iguais àqueles que tinha recebido no interior da sala, porque literalmente todo o público esperou por Edita. Lá fora, nevava intensamente, mas dentro do teatro vivia-se um intenso calor humano e uma grande emoção. Este concerto foi merecedor de grande destaque na principal imprensa francesa, nomeadamente no Le Figaro.



No mês seguinte, em Janeiro de 2010, Edita deslocou-se novamente a Viena para fazer Elvira na ópera "I Puritani" de Bellini. A récita a que tive oportunidade de assistir, coincidiu com o dia em que se celebravam os 40 anos da estreia de Edita Gruberova no palco da Wiener Staatsoper. Várias cadeias de televisão estavam presentes e o acontecimento teve grande destaque em várias estações televisivas europeias, sobretudo na Alemanha e Áustria. Como sempre, Gruberova foi perfeita. No final do primeiro acto, quando Elvira recebe a notícia de que o seu noivo havia partido, e se inicia o seu processo de loucura, Gruberova foi admirável. Os seus agudos em pianissimo foram inacreditáveis. Parecia que estávamos a ser transportados para uma outra dimensão, onde os sons mais inacreditáveis podem ser produzidos. Seguiu-se uma ovação em cena tão intensa e prolongada, que as lágrimas acabaram por chegar aos olhos de Edita, que levou as mãos ao peito em sinal de gratidão. Outro dos grande momentos de Edita Gruberova nesta ópera, foi quando cantou "Vien diletto in ciel la luna". A ovação em cena que se seguiu parecia não ter fim.
No final, algumas pessoas penduraram um cartaz dum camarote junto ao palco, citando uma das passagens cantadas por Edita nesta ópera - "Qui la voce tua soave" - como forma de homenageá-la.





Não quis deixar de partilhar com os leitores estes momentos que marcaram o início da temporada 2009-2010, acerca dos quais ainda não me havia pronunciado.

2 comentários:

  1. O que é que diz naquela coisa azul que ela segura na fotografia?

    ResponderEliminar
  2. Mil vezes obrigado por este seu testemunho. Edita Gruberova é um fenómeno vocal extraordinário, uma actriz extraordinária e uma pessoa adorável. Espero que a tenhamos nos palcos ainda durante muitos anos.

    @Plácido Zacarias: a placa diz Avenue Edita Gruberova

    ResponderEliminar