O esplendor de Mozart na Gulbenkian
pela mão do maestro René Jacobs!
Cosi fan tutte, ossia la scuola degli amanti (Assim fazem todas ou A escola dos amantes) de W.A. Mozart é uma ópera em dois actos com libretto de Lorenzo da Ponte.
Uma história simples sobre a infidelidade feminina, na qual dois jovens oficiais, Ferrando e Guglielmo, apostam com o seu velho amigo Don Alfonso que as suas noivas, as irmãs Fiordiligi e Dorabella que se mostram muito apaixonadas por eles, nunca lhes seriam infiéis. Dizem que vão ser mobilizados e reaparecem disfarçados de albaneses, sendo introduzidos na casa das duas irmãs com a ajuda da criada Despina, paga por Don Alfonso. Não são reconhecidos e cada um acaba por conquistar a irmã noiva do outro. Quando estão prestes a concretizar um casamento falso Don Alfonso confirma que assim fazem todas (Così fan tutte), a encenação é desmascarada e tudo termina em reconciliação.
Com esta história Mozart compõe uma das suas óperas mais geniais, em que a música é de uma subtileza, tonalidade e harmonia supremas. Embora cada um dos seis principais cantores tenha uma aria em cada acto, são os ensembles (duetos, trios, quartetos, quintetos, sextetos) que dominam e mais impressionam, pois incluem muitos dos mais belos escritos pelo compositor. Por isso, a obra obriga a um conjunto de intérpretes muito equilibrado e de qualidade para que consigam cantar harmoniosamente em conjunto mas, simultaneamente, criar as suas personagens individuais.
Foi um dos dias (pouco frequentes) em que o Grande Auditório da Gulbenkian estava aberto e se viam os jardins exteriores, o que causa sempre um impacto muito agradável e, sobretudo, quando se vai assistindo ao cair da noite com o passar constante das aves, desta vez temperado por um período em que a chuva deu uma beleza adicional ao cenário natural.
O maestro belga René Jacobs dirigiu magistralmente a Freiburger Barockorchester, os solistas e o Coro Gulbenkian (em versão reduzida), impondo os tempi perfeitos e imprimindo algum intimismo à obra. Os instrumentos da época deram um perfume adicional à interpretação, mas a orquestra foi excepcional, do melhor que se tem ouvido na Gulbenkian.
(René Jacobs)
Embora cantada em versão concerto, esta foi parcialmente encenada, com um resultado surpreendente. Não fora a orquestra estar no palco e quase assistíamos a uma versão encenada! Os solistas eram maioritariamente jovens, com figuras muito adaptadas aos papéis que interpretavam e com excelente mobilidade em palco. A transformação dos dois oficiais em albaneses, tirando os casacos e pondo uns óculos escuros e um lenço ao pescoço foi muito bem conseguida, como também o foi a forma como Despina se apresentou ao longo de toda a récita.
Em relação aos cantores, apesar de nenhum dos seis ter uma voz de excepção, a harmonia, equilíbrio e frescura da sua actuação conjunta foi um dos grandes trunfos do espectáculo.
O soprano búlgaro Alexandrina Pendatchanska foi uma Fiordiligi de voz firme, bem no registo mais grave mas com agudos por vezes agressivos e pouco melodiosos. Na ária do 2º Acto “Per pietà, bem mio perdonna…” revelou algumas dificuldades, talvez por cansaço vocal, mas em todas as restantes intervenções esteve mais regular. Pelo contrário, foi emocionante no trio “Soave sia il vento” entre as duas irmãs e Don Alfonso no primeiro acto, mas emoção foi o que não faltou ao longo de toda a récita.
O mezzo suiço Marie-Claude Chappuis foi muito convincente como Dorabella. Possuidora de uma de voz de timbre muito agradável, pouco escuro e de grande beleza, foi capaz de transmitir sentimento em cada intervenção.
Sunhae Im, soprano ligeiro sul coreano, foi uma Despina notável, com presença marcante. A voz é muito aguda e “fina”, a coloratura não muito impressionante, mas um timbre muito próprio que não passa despercebido. Contudo foi, de entre as cantoras, a melhor em palco.
O jovem tenor norueguês Magnus Staveland, de voz agradável e fresca mas talvez a menos impressionante das masculinas, foi um Ferrando simpático e divertido.
Johannes Weisser, outro jovem norueguês fez um Guglielmo de nível superior, oferecendo-nos o seu notório e belo barítono sempre que cantou.
Don Alfonso foi interpretado pelo baixo argentino Marcos Fink que, a exemplo dos restantes cantores, nos deu uma interpretação de alto nível que muito ajudou ao sucesso da noite. Foi a melhor presença masculina em palco.
Apesar de em versão concerto, tivemos oportunidade de assistir a um espectáculo operático verdadeiramente excepcional, como a Gulbenkian ocasionalmente nos proporciona e, nos tempos que correm, apenas a Gulbenkian nos oferece, no País, este nível de qualidade.
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Temos opiniões mais ou menos coincidentes... Mas acho que tem o Maestro demasiado para cima e a coitadinha da Marie um pouco em baixo. Aquele Fink... um grande brincalhão, hem?
ResponderEliminarCaro Plácido,
ResponderEliminarAcho que o Maestro foi o grande responsável pelo sucesso do espectáculo, sem retirar qualquer mérito aos intérpretes, mas a prestação perfeita da orquestra e o sincronismo dos cantores nesta ópera que tanto o exige foi, sobretudo, obra de René Jacobs. A Marie-Claude esteve muito bem mas há cantoras bem melhores. Como escrevi, a grande mais valia do espectáculo foi por todo o seu conjunto e não pelos desempenhos individuais, embora concorde que o Fink tenha sido fantástico em palco.
Cumprimentos musicais e votos para que tenhamos outros concertos deste nível na Gulbenkian (porque acho que tal não vai acontecer no São Carlos, infelizmente, mas veremos...)
Daqui alguém vai à abertura do S. Carlos logo à noite?
ResponderEliminarDos Fanáticos que escrevem neste blogue não. Um está em Paris a ver "Der Fliegende Holländer" e os outros dois estarão a trabalhar.
ResponderEliminarObrigado pela excelente crítica! Deve ter sido um espectáculo fantástico! Por curiosidade, esta produção sobe à Salle Pleyel em Paris amanhã, 2ª feira, 27 de Setembro. Porém, já lá não estou...
ResponderEliminarEis o comentário à apresentação deste espectáculo ontem, dia 27 de Setembro, em Paris, no blog Opera Cake.
ResponderEliminarAparentemente não foi apenas o FanáticoUm que gostou...
http://opera-cake.blogspot.com/2010/09/cosi-fan-freiburger-barockorchester.html#more